sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Violência nas Eleições

                                

        Chocou o país - se tal ainda é possivel - o brutal assassinato de Zé Gomes,  candidato a prefeito pelo PTB da cidade goiana de Itumbiara.
        O autor dos disparos  - que também feriram o vice-governador do Estado, José Eliton (PSDB) - foi o funcionário público  Gilberto do Amaral, logo em seguida também abatido, no tiroteio subsequente com a polícia.
         A violência no processo eleitoral brasileiro é inquietante presença - que não parece fazer jus da sociedade e da mídia tanto a atenção, quanto as providências de que é manifestamente carente.
          O Ministro Gilmar Mendes - presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e membro efetivo do Supremo Tribunal Federal)  - qualificou de "chocante" o episódio.
          Nesse sentido, o presidente do TSE contactou o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e encareceu agilidade na apuração do grave atentado.
           A violência no processo político eleitoral é realidade que, muita vez, se vê empurrada para as páginas internas e as letras miúdas dos periódicos.  Careceria, contudo, de ser contextualizada na sua preocupante frequência, eis que desde junho de 2016, 45 pré-candidatos ou candidatos foram objeto de ataques por arma de fogo, sendo que 28 deles perderam a vida.
            Consoante o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV),  Michael Mohallen, o nosso país sempre foi marcado pela violência no período pré-eleições. Uma das teses disponíveis, seria a da involução para o campo criminal.  Segundo os seus adeptos,  nesse momento de escolha de representantes nos poderes executivo e legislativo,  grupos criminosos se serviriam de políticos como meios para tentar ampliar suas redes de influência e poder.
              Tampouco se deveria esquecer quanto  às características desse processo e a sua intrínseca possibilidade de  empurrar, sob determinadas circunstâncias, os grupos em disputa para a radicalização. Tal involução, no entanto, dependerá necessariamente das condições locais, das características da sociedade  e de sua eventual inclinação para o recurso à violência.



(Fonte:  Folha de S. Paulo)

A Herança Maldita

                               

          O mau gestor - no caso, a má-gestora - pode ter uma influência perniciosa muito além de o que imaginar-se possa.
          A piora sensível nas contas públicas foi causada pela política econômica desastrosa de Dilma Rousseff, já a partir de seu primeiro ano de governo.
          Na sua ânsia do distributivismo na economia, não hesitou em redespertar a inflação, através de políticas ruinosas, com que visou à elevação do salário mínimo, enquanto partia para um distributivismo acelerado.
           Pensando que podia fabricar dinheiro e aumentar o rendimento das classes mais baixas, Dilma já nos primórdios de seu primeiro mandato, cuidava da inflação com o gogó, empregando um discurso retrógrado ou cínico, no gênero do não permitirei isto ou aquilo, como se as forças econômicas e a taxa da inflação viessem a obedecer  suas regras de economista de terceira.
           Além de enfraquecer os instrumentos para combater a carestia - valeu-se de um chefe do Banco Central que não tinha autonomia alguma - Dilma encetou uma elevação brutal no salário mínimo, engordado não só por critérios financeiros, mas também pela demagogia dos governos sindicalistas (modelados no chavismo).
             Daí os seus crescentes recursos a meios heterodoxos em termos de economia e finanças, que tiveram as consequências previsíveis, tanto aqui, quanto em outras plagas da América Latina. O governo de Maduro - que se sustenta contra o Povo, que o quer ver - e com toda a razão - pelas costas, dada a sua criminosa incompetência.
             Dilma conseguiria reeleger-se mas à custa de tão grandes mentiras e com curtíssimo prazo de validade, que o seu segundo governo seria reedição piorada do primeiro, e a fortiori sob o conjunto ataque do merecido descrédito popular (enraivecido pela boçal dose de mentiras na respectiva propaganda) e a explosão dos escândalos financeiros.
             Surgiria então a operação Lava-Jato, que lancetou a inchação burocrática e, sobretudo, a deslavada corrupção que tão bem se reflete nos cínicos diálogos dos empreiteiros com o poder petista.
             Debalde tentou Dilma quebrar o poder judiciário e sobretudo o Juiz Sergio Moro que de Curitiba encetou um processo de recuperação ética e financeira de um processo então fundamente comprometido pelas relações entre o petismo e as grandes empreiteiras, com a Odebrecht à frente.
            O grande erro de Luiz Inácio Lula da Silva foi ter acreditado possível criar uma estrutura de poder fundada na corrupção sistêmica. Na cegueira da húbris acreditou ainda mais como possível sustentar o governo sob os princípios da fraude e do fraudulento arrocho da corrupção que, atingido certo grau, sai do controle e passa a julgar possível que aqui possamos estruturar um sistema baseado na mentira.
             Seja pela lei penal, seja pela própria economia, o que parece possível em estruturas ainda rudimentares e de baixa cultura política - como Angola, v.g.,  venha a  implantar-se com êxito em economias mais desenvolvidas.
              A fraude é um câncer que tudo distorce. Ao atacar a Petrobrás, o governo do PT pensou possivel para cá transplantar esquemas tortos de gestão que semelham ter sucesso no México, na Venezuela e na África.  A cruzada iniciada pelo juiz Moro, como a outra ponta da Lava-Jato - a do juiz justo e inflexível, que pelo apoio popular torna inviável os habeas corpus da influência, e corta pela raiz o poder dos corruptos, que no passado retinham ainda força para inviabilizar operações nascidas com boas intenções, mas com baixo apoio sistêmico.
                A popularidade do Juiz Moro é a maior garantia que o atual sistema jurídico pode ter na correta aplicação da justiça. Se as forças da corrupção estarão sempre à espreita, no aguardo de eventuais falhas na aplicação da lei e na impiedosa perseguição da aliança dos corruptos, cabe ao Ministério Público, através do trabalho consciente de levar a juízo os suspeitos - qualquer que seja a sua hierarquia, e como bem sabemos, o crime e a corrupção estão aninhados em muitos extratos da sociedade, e não lhe faltam representantes/defensores em todos os níveis. Eles sabem que a sua única esperança está em estabelecer em relações adulterinas com os grandes representantes da mala vita, e os há em todos os organismos do Poder.
                 Assim, os ingênuos, sejam eles verdadeiros ou falsos, não são a madeira de lei para montar as bases de um ataque bem-sucedido contra a cidadela do crime em todas as suas formas.
                  Lula da Silva cometeu talvez o seu maior erro ao acreditar possível fazer de Dilma Rousseff alguém que lhe pudesse continuar no respectivo caminho.  As falhas do seu projeto podem ser consideradas ínsitas, na medida em que a corrupção - que mina o Estado e a Economia - não terá condições de preponderar com  estrutura judicial e policial com uma parcela ponderável de  funcionários honestos, preparados e, por conseguinte, corretos e eficazes.
                  E este era felizmente o caso do Brasil, como se poderá ver adiante. O projeto de Lula da Silva se levado adiante dentro das premissas do dito Mensalão poderia gerar um monstro no Estado brasileiro, que se descobriria vítima dos princípios do mal, que através da localização para eles apropriada poderia controlar os impulsos éticos da cidadania. Todo Estado corre este magno risco, como vemos, v.g. na Federação Russa de Vladimir Putin, um estado do racket, que pelo estudo magistral da professora Karen Dawisha é exposto para quem tenha olhos para ler no seu livro "Putin's Kleptocracy" (A Cleptocracia de Putin). E não se iludam aqueles ingênuos de plantão de que tal seja impossível.
                     Pela ingenuidade de uns, pela disponibilidade de outros (escolhidos no país e também fora dele) como está demonstrado pela prof. Dawisha, que leciona na Universidade Miami, em Oxford, Ohio, e é diretora do Centro Havighurst  para estudos russos e pós-soviéticos, dessa universidade.


(a continuar)

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Há segurança no Rio ?

                              

         Com a falência do Estado, devida aos reflexos da política temerária do ex-governador Sérgio Cabral, a virtual acefalia sob o vice Francisco Dornelles, e as finanças continuando à beira do abismo da inadimplência, não é nada difícil entender porque a segurança do Estado está entregue mais aos bandidos do que às baratas.
         O panorama do Estado mostra uma Polícia Militar que aparece nas falas do Secretário Beltrame, e, entretanto, para ti e na prática, ela não se vê em parte alguma, com o sensível, quase debochado aumento da criminalidade, a qual diante da situação - inação e ausência das forças da ordem - como não há de ficar cada vez mais presente e ousada , nesse Rio de Janeiro, a verdadeira  Cidade Maravilhosa do Crime.
         A falência do sistema das UPPs é menos atribuível ao Secretário Beltrame, do que à falta de verbas, que restringem os deslocamentos e a presença da PM. Depois de Amarildo, que credibilidade restou às UPPs?
          Nos parques citadinos, como, v.g., naquele do Flamengo, forçoso será reconhecer que não se vê polícia em parte alguma. A ausência das forças da ordem é uma benesse... para o crime. Este atua desimpedido, arrancando bicicletas de jovens que acreditaram na presente ingênua crença de que as suas alamedas não são  para proteger bandidos, mas sim para que todos se exercitem livre e saudavelmente.
            Como antes na Lagoa, em que dois dimenores covardemente assassinaram pelas costas um médico, agora a caça está aberta para os fora da lei, que, a seu tempo e com toda a calma, arranca as bicicletas de jovens ciclistas, roubando-lhes a prática de saudável exercício.
            É verdade que os bondes desapareceram. Poder-se-ía dizer que eles não podem ser blindados e andam muito devagar.
             O deserto da polícia é o sinal que não se apaga nunca, na medida em que consiste no contínuo aviso aos navegantes do mal que a caça está aberta.
             A ausência da Polícia é um sinal malévolo e maligno, pois ele atua e mesmo chega a cooperar para a multiplicação do crime. Nada mais terrível e contraproducente que os repetidos assaltos por grupos de delinquentes que montam em ônibus de linha nas proximidades do Fundão para arrancar as mochilas dos estudantes. No outro dia, cerca de doze jovens bandidos adentraram um ônibus - pergunto-me porque os motoristas param os coletivos para esses óbvios saqueadores - e assaltaram a todos os passageiros estudantes, levando-lhes as mochilas.
               O embarque foi na vizinhança do Fundão e o escopo era de obviedade lancinante. Mas,  mesmo assim, o motorista parou, solícito, para que esse estrume humano entrasse no ônibus, para arrancar dos estudantes os seus livros, cadernos e quaisquer valores que essas águias rapaces pudessem se apossar do  material adquirido com sacrifício. No gesto desses boçais há o prazer que os animais de rapina não têm, pois ele só mata quando tem fome. Não é o caso desta gente, condenada pela própria via aos mangues da ignorância. Eles se apossam de muito, mas ficam com pouco, e jogam no lixo o que sobra, na sua raiva incontida contra a grei dos honestos e dos trabalhadores, que lutam por construir um digno futuro.
                 Porquê essa mentalidade de carneiros que mal enxergam estar indo para o abatedouro? Porquê esse silêncio das vítimas, essa resignação dos fracos diante desse grupo de biltres e energúmenos, que vivem do saqueio e cuja bruta boçalidade os condena para a vida breve e estúpida que na sua peculiar animalidade tem prazer em matar, mesmo sem fome.

                 Que cidade é essa, em que a segurança só está nos letreiros do caminho? E se dirigires, reza muito para que teu anjo da guarda não esteja de folga, e que a sorte cruel dessa cidade, em que o polícia, ave rara que não está decerto à tua disposição, te livre da sarna dos bandidos, se tiveres a sorte da sua eventual presença, que será naquela tarde uma dádiva caprichosa para o teu incerto futuro. 

Lembranças de Padrinho Chico (XV)

                     

        A súbita adesão ao Corinthians, em jogo no Pacaembu, do padrinho Chico (V. blog X da série), além de surpreender-me, iria mudar a minha atitude e nem sempre para melhor.
        A raiva que sentira pela forma revestida pela súbita identificação do padrinho com o Corinthians, e ainda por cima no jogo em que vencera o Vasco da Gama, não se evaporaria em pouco tempo.
       Além de tomar partido em questões que de alguma maneira afetavam o tio, o meu viés seria sempre contrário à postura do tio Chico.
       Em jogos de futebol de que participasse o Corinthians, sempre ficaria  na torcida adversa, nunca deixando de externar os meus próprios sentimentos de forma a mais protagônica possível.
       Eu o fazia movido pelo mais óbvio despeito, e cuidava  de marcar a minha posição de forma a mais provocadora possível.  Era decerto maneira desastrada de afrontar o padrinho, as mais das vezes por razões com pouca ou nenhuma credibilidade.
       Diga-se em favor de meu tio que ele mostraria não pouca grandeza de temperamento ao não atentar para as minhas provocações. Ele agia como se fosse natural que eu buscasse contrariá-lo sempre que se colocasse algum  tema em que a sua opinião ou posição já fosse conhecida.
       Passado tanto tempo ainda sinto algum remoro por aquela ânsia de confrontação que o tio sempre saberia contornar, com jeito sereno. Sem o saber, ía aprendendo a lição de que a compostura sairá sempre melhor no quadro, do que a sistemática implicância, que parece pedir uma boa e definitiva lição.
        Pois o tio optaria pela contenção e a nobreza de caráter. Como não caía nas minhas rudimentares armadilhas, ele foi aos poucos pondo à nu, sem que me desse conta de início, a estultícia da minha reação.
       Meu padrinho era um descendente de italiano que não se deixava vencer por raiva e emoção. Gostava de esfregar as mãos, e com isso exorcizar as imediatas reações. Pouco a pouco,  ao pé da televisão, ele me mostrava da importância da fleuma e da frieza nas atitudes. Não que tivesse sangue de barata, como ele o demonstraria na ocasião certa.
          Soube, a propósito, e não por seu intermédio, que ele se tornara sócio do clube Pinheiros - antes Germânico, se não me engano.  Provocado pelo porteiro, que lhe pedia sistematicamente a carteira, enquanto não a solicitava dos muitos sócios de origem alemã, Chico acabou perdendo a paciência.
          "Vejo que V. tem dificuldade em me reconhecer. Como isso não ocorre com os alemães, a quem V. nunca pede a identificação, não terei problema em lhe mostrar a carteira uma vez mais, mas com uma condição: V. vai ter que pedir da mesma forma que mostrem o documento a  todos os alemães que aparecerem."
            Era assim o meu tio Chico. Temperamento calmo e controlado se o respeitassem. O que não admitia era que abusassem da autoridade, ou que menosprezassem alguém.

            Então a ascendência italiana repontava.

Rasgando a fantasia ?

                                     

          O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski, em conferência na USP, se pronuncia mais como militante político, do que enquanto membro do STF. Sua excelência, em palestra na universidade paulista, considera o impeachment como 'tropeço na democracia', chegando a apostrofar de lamentável o aludido processo durante aula por ele pronunciada  na referida universidade da Paulicéia.
          São demasiado conhecidas as raízes petistas de Sua Excelência Lewandowski. Não foi à toa que ele teve dificuldades em eleição passada, quando o público presente em seção eleitoral paulistana forçou-lhe a  saída pela porta dos fundos, com os eleitores revoltados com a sua atuação como revisor do processo da Ação penal  470 (mensalão), em especial os respectivos embates com o Ministro Joaquim Barbosa, então relator desse histórico processo - que encetara a derrocada do Partido dos Trabalhadores - e Presidente da Corte.
           Outra recentíssima e polêmica decisão de Sua Excelência Ricardo Lewandowski, foi de aceitar o fatiamento da sentença de impeachment de Dilma Rousseff, ao concordar, de maneira insólita, em aplicar apenas parte do dispositivo constitucional, como se os artigos da Lei Magna, lavrados no mármore ático das disposições perenes, pudessem admitir aplicação em oportunistas juntadas com disposições regimentais do Senado Federal.
          Ora, a Constituição, quando aplicada, decerto não admite que seus artigos sejam talhados ou fatiados, para ajustá-los ao mood das maiorias ou de turno, ou do crasso oportunismo. É de prever-se que o arreglo aprovado por Sua Excelência Lewandowski, que se deixara convencer pelas vozes de estranha e casuísta maioria, vá ter, oportunamente, o destino que merece.



( Fonte: Site on-line de O Globo )                      

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O Ocidente precisa salvar Assad?

          

           É deprimente que os Estados Unidos veja a sua recente tentativa de estabelecer em Aleppo área de não-agressão desprezada pelo ditador Bashar al-Assad.
             O acordo que foi assinado pelos Ministros Sergei Lavrov e John Kerry, que visara  suspender as hostilidades na Síria, na prática já surgiu natimorto.
             Nesse sentido, ignorando as vítimas civis, Bashar, sua aviação e tropas retomam o controle do bairro de Farafra, na área central da cidade, após semana de intensos bombardeios.
             Lixando-se para as consideráveis baixas na população civil - que é tratada como se militar fora -, as forças sírias legalistas, com óbvio apoio da Rússia, investem contra os bairros de Sa'ar e Mashhad, na área leste de Aleppo.
            Segundo  a ONG londrina Observatório Sírio de Direitos Humanos, onze pessoas morreram nesta ofensiva, a maior desde o fim do cessar-fogo na semana passada.
            Cerca de 400 pessoas foram mortas com o recrudescimento dos ataques nos últimos cinco dias. A intensidade dos ataques e dos bombardeios por forças de Bashar continua a crescer, enquanto 250 mil pessoas estão sitiadas em bairros de Aleppo dominados pelos rebeldes.
             Na confusão dos ataques, o regime sírio quer aparentar firmeza, e declara que a ofensiva continua até que os rebeldes tenham sido "varridos da cidade". Nessa grande confusão, em que a verdade desponta como a primeira vítima, a força insurgente afirma haver repelido a ofensiva síria.
              A lenta recuperação territorial do regime de al-Assad sempre contara com o apoio do Irã e da falange xiita do Hezbollah, chefiada por Hassan Nasrallah. Recentemente, foi morto em bombardeio  alto dirigente desse grupo xiita, Samir Kantar, cuja presença no Líbano representa um desestabilizador para aquele país, em que há forte comunidade cristã maronita.
               A que se deve o lento renascer da ditadura de Bashar?  Depois de atravessar o nadir de sua trajetória política - em que foi abandonado até por parte da família, e a sua perspectiva política parecia próxima do fim, enquanto crescia a probabilidade de mais um julgamento de cruento ditador pelo Tribunal Penal Internacional da Haia - salvaram Bashar - para desgraça da gente síria - a coalizão dos xiitas do Irã (a que o crédo alauita sincretista da família al-Assad a torna aliada de Teerã), e gospodin Vladimir Putin - que já investira demasiado na Síria, onde dispõe de porto marítimo e base aérea - para que corresse o risco de perder tais aquisições estratégicas, tão importante para as suas grandes ambições de recuperar o lugar de Moscou no grande jogo com o Ocidente..
                 Por isso, Bashar, na sua vigésima-quinta hora,  ressurgiria da grei infame dos mortos políticos. Mas a fortuna do ditador sírio contou igualmente com a deterioração da Liga Rebelde, a despeito do apoio das monarquias do Golfo.  Nesse sentido, as hesitações de Barack Obama terminaram por enveredar na determinante negativa de armar as forças insurgentes que lutavam contra o regime sírio.
                  Obama, para tanto, mostrou grande firmeza em negar o plano de apoio aos rebeldes costurado por Hillary Clinton, então Secretária de Estado, e que contava com a adesão de mais três comandantes militares americanos, inclusive o do Pentágono e da própria  CIA.  Obama deu preferência à presença americana no Afeganistão, esse grande cemitério de expedições do Ocidente, a partir da malograda tentativa das forças de Sua Majestade Britânica, no século XIX.
                   Dessarte, com tal negativa de apoio, o Ocidente permitiu a ressurgência do tirano Bashar e condenou o povo sírio à continuação da luta intestina empreendida por Damasco para recuperar as bases e os centros populacionais antes dominados pela Liga Rebelde.  Daí não espantará a progressão do ditador sírio recuperando o controle da costa mediterrânea, e das principais metrópoles sírias. Para quem já via a Liga Rebelde nos subúrbios de Damasco, a  recuperação de Bashar é um falso enigma, pois a grande negativa de Obama levou a três resultados adversos para Tio Sam: a ressurreição de al-Assad, um ganho político apreciável para o adversário Putin, e de cambulhada, mais fatores negativos para os EUA, com o aparecimento do Exército Islâmico, entre outras.
                       Se a Liga Rebelde houvesse recebido o apoio de que carecia, parece pouco provável que surgissem tantos inimigos do Ocidente como apareceram de repente no horizonte. Não fosse esse abandono da Liga Rebelde, que já via no próprio visor a perspectiva da queda do tirano sírio, é difícil visualizar que tantos adversários dos Estados Unidos  tivessem obtido tantos ganhos determinantes, como a própria Federação Russa, a quem foi muito proveitosa sua operação de salvar o seu aliado Bashar.           
                          Tampouco teria havido a grande e custosa confusão aprontada pelo EI, tanto no Iraque, quanto na própria Síria, aonde ainda se encontra.  Não menciono sequer os americanos que foram sacrificados pelo regime do Califa al-Baghdaadi.
                            Decerto o meio-oriente nessa área não seria ainda a terra da fartura, mas diante da negativa de Barack Obama aos seus quatro chefes de departamentos militares e de missões com interesses convergentes, a que a atual candidata a Presidente dos Estados Unidos liderava, constitui uma hipótese tentadora que a presente confusão nessa área do Oriente Médio poderia ter evitado se surgisse no lugar de Bashar um regime próximo ao Ocidente e em condições muito diversas do inferno médio-oriental que aí surgiu,  se tivermos presente todo o imenso sofrimento da população civil na área.
                              Quanto mais se reflita sobre esse gran rifiuto[1], e as pesadas consequências que teve para as povoações envolvidas, fica ainda mais árduo entender porque o Presidente americano se recusou  a  estender a mão para a união dos combatentes, que via próxima a hora última do sanguinário regime dos al-Assad. A própria situação hodierna dos Estados Unidos nessa área não pode ser comparada com a de uma Síria pacificada, sob regime simpático aos Estados Unidos, a quem deveria, senão o estabelecimento de Pax americana, um estado de coisas incomparavelmente superior em termos de qualidade existencial, do que o atual inferno aí prevalente.

( Fontes:  O  Globo; Economist )



[1] Grande recusa

Fora Dilma!

                                                            

        Ao contrário da outra expressão, esta acima não é um simples expletivo, sinal de pontuação ou mirífica chave de acesso à Terra da Cuccagna, terra essa que todos sabemos não existe, mas que pode servir como senha de acesso à realidade que, ou está perdida, ou como  na corrida dos lemingues, está por perder-se.
        A realidade do PT tem várias datas para marcar-lhe a derrocada. A Lava-Jato, que eles mais detestam, seria talvez a mais eficaz e, por conseguinte, aquela que mais os traz às plagas da realidade.
        Agora, introduzo o Fora Dilma!, um pouco atrasado, é verdade, mas deve-se acrescentar que a preocupação não é tanto a da realidade - que isso, como sabemos, não interessa à boa gente do PT - mas a sua presença como metáfora, com pretensões à substituir-se à situação presente, com todos os problemas que tal acarretaria.
        Fora Dilma! é grito contra a hipocrisia, contra a república de mentirinha, contra a inflação, contra a desordem nas contas, contra o Petrolão, contra o desemprego, contra a demagogia, contra, enfim,  toda a empulhação dos governos do PT.
        O Fora Dilma! é também um grito contra o fatiamento, contra a desmoralização em temas constitucionais, contra todo o gênero de patranha que vise a manter, de alguma forma, pairante e, por conseguinte, presente tal imagem de personagem que tanto mal acarretou ao Brasil, trazendo de volta a inflação, e todo o seu chorrilho de baixo-nível e achaques.   
         Dilma Rousseff, no seu segundo mandato, foi objeto de um processo constitucional de impeachment. Tal processo foi acionado não pelo ex-deputado Eduardo Cunha, como alegada vingança contra a Presidenta.
         O impeachment foi decorrência de processo constitucional, que foi iniciado por um ex-petista, figura histórica daquele partido que hoje desapareceu, pois então era ético e jacobino[1]. Por conveniência, se esquece que quem se valeu desse recurso de última instância constitucional, foi um dos fundadores do PT, que dele se afasta quando estoura a roubalheirão do Mensalão. Trata-se de Hélio Bicudo, fundador e militante histórico de um antigo PT, que por suas características de severidade, honestidade e rigor republicano, infelizmente nada mais tem a ver com o partido não só do Mensalão, mas do Petrolão e da desbragada corrupção, inaugurada pelos governos de Lula da Silva, e continuada pela administração de Dilma Vana Rousseff.
             Dilma é hoje uma cidadã, como qualquer outro. Sobre ela não caíu raio cuja procedência seja ignorada, mas sim providência republicana causada pela própria gestão temerária da cousa pública. As ditas pedaladas fiscais que desrespeitavam o poder constitucional do Congresso são a última gota.
              Por desgraça, ainda enfrentaremos por muito as inúmeras infaustas consequências dessa irresponsável gestão da economia: corrupção, inflação,  desemprego, recessão e queda no ranking da competitividade.
              Se ela não é a principal culpada pela situação em que o Brasil se encontra - bem sabemos quem é o verdadeiro responsável.
              A esse propósito, me parece oportuno relembrar lição que aprendi a posteriori de quando ela me foi ministrada.
              Vivíamos então na doce ilusão de que a eleição de Lula em 2002 surgia não só como  aspiração nacional, mas também e sobretudo como realização da História. Por isso, eu e mais o companheiro Rezende perguntamos ao velho colega Pedro Neves da Rocha porque ele também não se associava à ampla rede de apoio da cidadania ao então candidato do PT, predestinado já a galgar a Presidência da República.  A resposta do amigo Pedro, hoje ausente, nos surpreendeu pela singela razão: não voto para presidente em que não tenha galgado ao grau superior nos seus estudos.  Se o que nos disse à época, me pareceu absurdo, prepóstero mesmo, a convicção aparente me levou a não mais levantar a questão, por mais desavisada que então me parecera a sua postura.
                   E, no entanto, se Pedro desde muito não mais está entre nós, isso não é razão para que não se concorde em quão acertada e sensata foi a sua decisão na matéria.

( Fonte: Cartas ao Amigo Ausente )




[1] Bicudo saíu do Partido dos Trabalhadores quando estourou o Mensalão. 

Do Complexo do Alemão e outras estórias

                             

       Esse título, leitor amigo, pode significar, no mínimo, duas situações antagônicas. Em primeiro lugar, se terá presente a ansiedade do Povo brasileiro, que deseja ver perspectivas de solução favorável dos respectivos problemas como firme indicação de que tal desejo venha a  transformar-se em realidade.
       Um exemplo dessa predisposição está na operação - com amplo suporte visual da mídia - da chamada tomada do Complexo do Alemão, realizada entre 25 e 28 de novembro de 2010.
       Esta operação conjunta, de que participaram as Forças Armadas, inclusive com blindados, assim como a PM em peso, terá recuperado o controle desse Complexo do Alemão. Para marcar a efeméride, houve içamento de bandeiras federal e estadual, e a presença tutelar do governador Sérgio Cabral sublinhava o empenho das forças de segurança, a que se agregava o próprio Exército.
       Para a opinião pública, o espetáculo midiático refletia o geral entusiasmo pela reconquista de um território por demasiado tempo entregue às sombras do tráfico e do banditismo. Como sói acontecer em tais ocasiões, se confunde desejo e virtualidade do controle como expressão de nova e permanente realidade.
       O Complexo do Alemão, por uns tempos, se transformaria em imagem virtual de uma nova dinâmica - uma presença da PM mais afirmativa e a consequente derrota da chamada entidade do 'tráfico'.
       Nesse contexto, a exuberância da mídia apresentaria a fuga multitudinária do tráfico - cerca de trezentos bandidos que acompanhados pelas câmeras da tevê debandavam pela estrada de terra que sai das alturas do Alemão e que adentra os bairros vizinhos. Outra indeterminada parcela de fora-da-lei teria igualmente escapado pela mata que contorna partes do Complexo.
       Diante da perplexidade de uma pequena parte da mídia - que se perguntou por que o Estado não se valeu da oportunidade para deter todo esse bando fora-da-lei - a resposta dos poderosos de então se limitou a um olhar cético, como se aquela operação de limpeza do Alemão constituísse uma realidade que a si própria se bastava. As forças estatais intervieram com mostra de todo o seu poder de fogo, que foi bastante para pôr em debandada aqueles que se tinham indevida e traiçoeiramente apoderado de um grande bairro, habitado na sua maioria por gente respeitadora da lei.
          Talvez pensando que os mais de trezentos meliantes que se escafederam à vista das câmeras, e para tanto se valendo de todos os veículos que imaginar-se possa, de alguma forma seriam absorvidos pela cidade grande e deixariam de importunar e, sobretudo, comandar a gente honesta do bairro do Alemão.
           Como que deitados em leito esplêndido, acreditando que os desatados fios do crime de alguma forma estavam desfeitos de forma permanente, o Estado começou a cuidar do Alemão como se a varinha de condão da operação conjunta encetada a 25 de novembro de 2010 deveria ser completada por acesso aéreo de cabinas ao bairro do Alemão, o que foi providenciado. Outras formas do abraço da urbe se sucederam como em novela da Rede Globo, igualmente situada no bairro reconquistado do Alemão.
             Toda essa fábula - que a muitos convenceu - sublinha um ponto fraco da nacionalidade. O nosso desejo por uma volta aos bons tempos em que a mala vita não era presença usual em Pindorama - ou, pelo menos, seria realidade ainda insignificante no  cômputo estatístico da vida na cidade,  esse desejo continua forte por demais e a tal ponto que nos faz esquecer pormenores relevantes no dia-a-dia.
             O que terá muita gente esquecido naquela triunfalística data de vinte e cinco de novembro de 2010, com direito à cerimônia de alça de bandeiras (federal, estadual e municipal) e a ubíqua presença da mídia - a que como insetos da luz, acorreram também as autoridades do tempo ?  Temos tanta vontade que tudo volte aos bons velhos tempos que nos esquecemos de certos pormenores para que esse desejo do eterno personagem de René Clair - que nos traz o canto das sereias de Ulísses e nos promete a volta próxima e segura desses bons velhos tempos  - que a boa gente brasileira pode parecer, com o passar impiedoso do tempo, essa peneira cruel das vãs esperanças e dos tolos propósitos, como uma simples, meretrícia ilusão...
                Hoje há gente que se pergunta, por que não se prendeu todos aqueles trezentos fora-da-lei que fugiram pelas estradas de terra que ligavam o radiante bairro do Alemão, de repente transformada como uma metáfora para a ansiedade realidade de todos?
                Não prendeu - e aí se podem elencar os poderosos de então, muitos dos quais hoje demoram em bairros longínquos, como proscritos por um Povo pelos ditames severos de esquecimento.
                Temos o hábito - tolos que somos! - de pular e abraçar o desejo hodierno como se fora a concretização da realidade.
                 Esquecemos dos pormenores e, num grande salto, abraçamos o que se pensa seja a realidade.
                 E, aí  minha gente, é que está o problema. Na nossa ânsia de chegar a Pásargada, onde o poeta é amigo do Rei, olvidamos muitos detalhes e sobretudo a aborrecida faina que as grandes, vaidosas realizações costumam exigir.

( Fontes: Rede Globo, Manuel Bandeira, Homero, René Clair)   


O Primeiro Debate

                                 
         A vitória de Hillary Clinton no debate que abre a série de quatro, não se pode dizer que surpreenda. Temerosa a princípio, ela não se atrevia a ataques mais declarados. O inimigo mais perigoso será aquele que se desconhece. E por isso o debate custou a ganhar força própria.
        Mas foi o conhecimento do adversário e de suas limitações que iria dar uma nova feição ao embate.
        Com o passar dos minutos, Hillary foi ganhando confiança. As limitações de Donald Trump foram aparecendo. Ressurgiram tópicos que se pensava estivessem superados, como  a tese do  
        Dado o caráter errático do debatedor, a sua capacidade de ressuscitar temas como o do Obama não-americano e sim nascido no Quênia pouco ou nada tinha a ver com a lógica.
        E por aí ela foi ganhando confiança, como alguém que se preparou com esmero e concentração para enfrentar Trump bicho-papão, e que acaba por dar-se conta que Donald é o que está em oferta ao Povo americano, com todas as suas contradições e raciocínios atravessados.
         Por isso, o sorriso de Hillary se alargaria mais, ao inteirar-se do comportamento do adversário, e dos seus passos em falso.
          Cresceu a empatia com o público e ela era consequência de dois fatores: a séria preparação para o duelo e a progressiva consciência de que era crescente o seu controle do debate.
          O público se ia conscientizando da maior desenvoltura da candidata democrata, desenvoltura essa que provinha do seu estudo do adversário, da  consequente realização das respectivas falhas na articulação do argumento, e a inexorável abertura de pontos em descoberto que se prestavam à maravilha para a sucessão das frases cortantes, e da consequente empatia com o público.
            Tudo isso iria contribuir para apresentar um debate que, após os avanços cautelosos e guardados, a consequente confiança e a certeza de manter o combate verbal sob controle, contribuíu para desenhar um resultado ainda mais à feição da democrata, enquanto o campo adversário mostrava tanto no semblante de Trump, quanto nas  reações da assistência quem realmente prevalecia.
              O moderador do debate foi forçado a intervir mais  do que é consueto, pelos seguidos deslizes de  Trump quanto às regras estabelecidas. Foram tantos que houve gente que interpretasse as consequentes intervenções do árbitro como prova de parcialidade. Na verdade, enquanto força da natureza, o candidato republicano verá muitas de suas atitudes contestadas, por desrespeitarem essas mesmas regras que existem  para serem implementadas pela mesa. Daí os entreveros e a impressão de eventual favorecimento de Hillary, e de aparente desequilíbrio na aplicação das regras.
              Impressão essa que um exame mais acurado desfará com relativa facilidade. Na verdade, queixas à parte, o próprio Trump reconhece "que foi prejudicado" e que "será mais agressivo". É o canto universal do perdedor da vez.
              Vejamos o que nos reservam os seguintes debates. Pelo que valhe, o primeiro já marcou vantagem para Hillary Clinton, de que, na linguagem universal de perdedor, até o adversário passou recibo.


( Fontes: CNN e O Globo )

terça-feira, 27 de setembro de 2016

O PT e a Lava-Jato

                              

       Fazia muito que pesava sobre Antonio Palocci a suspeita das 'consultorias'. Visto com um bom, excelente mesmo quadro do PT, a sua trajetória no grande serviço público se viu várias vezes prejudicada por suspeitas que se lhe atravessaram no caminho.
      Tal ocorrera na Casa Civil de Dilma e no Ministério da Fazenda, no governo Lula, quando o estranho caso do caseiro interrompeu-lhe a exitosa trajetória.
       No tempo anterior à Lava-Jato, gerou suspicácia o cabedal acumulado por Palocci. Demasiadas consultorias, que por seu  montante acumulado se tornam algo difíceis de engolir.
        Hoje,  Antonio Palocci inaugura a 35ª fase da Lava-Jato, com o cognome de 'omertá' (que é o silêncio dos mafiosos sobre os respectivos crimes). O fato que venha a ser retirado da penumbra  por essa nova fase da Lava-Jato, é mais um golpe no Partido dos Trabalhadores, já enfraquecido pela carga excessiva da corrupção que não parece ter recato algum.
         Ele é investigado como operador de propinas das empreiteiras, uma espécie de elo para essa corrupção sistêmica. Levantar os véus deste melancólico período, é um exercício necessário, embora deprimente. Sendo solícito atuante em favor das negociatas entre PT e empreiteiras. Na  mensagem do gárrulo Marcelo Odebrecht  (presidente afastado da empresa), este último afirma que Palocci iria 'compensar' revés sofrido em lobby de uma Medida Provisória em 2009: "Ele mesmo pediu, além dos argumentos para a sanção/veto parcial, que levássemos alternativas  para nos compensar. Sejamos criativos." Nunca se viu tanto cinismo, ou tão pouca cura do desastre iminente. Parecem moradores de Pompéia que  levantam taças do bom vinho da terra em homenagem ao Vesúvio que logo os sepultaria na  lava que vomitaria da própria cratera.
          Palocci também teria atuado na licitação da Petrobrás para compra de 28 navios-sonda, no desenvolvimento  de  submarino e no financiamento do BNDES  para obras em Angola.
           A prisão de Palocci teve outras repercussões. Para a Pasta mais antiga do governo, e que tem como norma a discrição, é forçoso convir que o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes fala demais e, por conseguinte  constrange desnecessariamente ao Presidente Michel Temer. Mexeu em casa de marimbondos ao antecipar a nova etapa da Lava-Jato. Parece que não entendeu ainda a autonomia da Polícia Federal  em termos de tais operações.
             A sua posição na Pasta esteve por um fio, mas ao fim e ao cabo Michel Temer optou por suavizar a ´bronca´, pois não lhe interessa ter mais uma crise na esplanada dos ministérios.
             Essa operação da Lava-Jato en passant  vibra ulterior golpe nos latagões do Partido dos Trabalhadores. Faz tempo que a sua presença saíu da página política para esparramar-se na reservada aos escândalos.
             A figura de Lula parece uma sombra do fasto antigo. Lembram-se da sua então enésima operação de eleger postes, com o acordo de última hora, com esse estadista do governo militar, Paulo Salim Maluf, que muito folgou em apoiar o jovem professor universitário Fernando Haddad  para a prefeitura paulistana.
              Passa o tempo, e Haddad, decerto empurrado pelo PT, faz carreata em São Paulo, na qual se entrevê  um Lula que em nada parece com o espécime anterior, que ria  solto com o favor popular e a sua valsa dos postes.Vejam ilustres passageiros como se acabou o belo tipo faceiro que se agarra ao bonde da história. Desapareceu-lhe o sorriso, que vira esgar.  E  o seu candidato olha  inquieto o incômodo trajeto, ansiando por um pronto fim para a comédia. Então poderá voltar para a própria cátedra, que agora lhe parece tão mais interessante...


( Fontes: O Estado de S. Paulo; Folha de S. Paulo )

Notícias da Corte (II)

                              

Operador do PMDB depõe na Lava-Jato


         A 35ª fase da Lava-jato, a Operação Omertà, em operação de condução coercitiva e de buscas e apreensões, levou para interrogatório o lobista  Milton de Oliveira Lyra  Filho, que é ligado ao Presidente do Senado,  Renan Calheiros (PMDB-AL).
         A Omertà identificou relações de Lyra  com recebedores de propinas da Odebrecht, que estão identificados nas meticulosas  planilhas do Setor de Operações  Estruturas  da empreiteira - que é apontado, de resto, pela força-tarefa da Lava-Jato como o "departamento da propina".
         Milton Lyra, segundo registra o Estadão, é empresário sediado em Brasília.  Já há alguns anos chefia o empreendimento comercial Meu Amigo Pet, que uma rede de produtos destinada a animais de estimação. Essa rede, além de valer-se da internet, dispõe igualmente de lojas físicas. 
          Relacionado com numerosos políticos, Milton |Lyra se aproximou do presidente do Senado, Renan Calheiros, já há cerca de dez anos.   Lyra também já trabalhou  com o usineiro e ex-deputado João Lyra. A sua última eleição foi em 2010, pelo PTB, das Alagoas, mas mais tarde se filiou ao PSD.
           Lyra apareceu em delação premiada, firmada com a Procuradoria-Geral da República, por Nelson Mello, ex-diretor  de Relações Institucionais do Grupo Hypermarcas.  Mello afirmou  que pagou R$ 30 milhões a dois lobistas com trânsito no Congresso para efetuar repasses  para senadores do PMDB, entre eles o Presidente do Congresso, Romero Jucá (RR) e Eduardo Braga (AM).  Além de Milton Lyra, foi igualmente citado Lúcio Bolonha Funaro.  Lyra afirmava agir em nome dos senadores da "bancada do PMDB", que teriam sido  destinatários da maior parte da propina, informa o delator.
            Mas Lyra também é investigado em outra área, aquela que apura desvios nos fundos de pensão. Ele aí aparece como operador de duas empresas que captaram R$ 570 milhões do Postalis, fundo de pensão dos Correios.
                    
            Além disso, o lobista é beneficiário da offshore Venilson Corp., aberta em fevereiro de 2013 no Panamá, segundo assinalam os documentos do Panama Papers.  Essa empresa foi usada para abrir conta  numa agência do banco UBS na Alemanha.  Tal instituição bancária encerrou as relações com o brasileiro cerca de dois meses mais tarde, quando houve tentativa de movimentar  alta quantia pela conta sem que fosse esclarecida a origem do numerário.
             Por outro lado, em fins de 2015, o lobista Lyra aparece em um bilhete apreendido  na casa de Diogo Ferreira, então chefe do gabinete do Senador cassado Delcídio Amaral (sem partido-MS), que tratava de suposta propina de R$ 45 milhões. Lyra nega qualquer tipo de  conexão com o aludido caso.
 
Comissão de Ética vai examinar fala de Moraes      


             Nesta terça-feira, a Comissão de Ética Pública, vinculada ao Planalto, irá discutir se abre ou não procedimento para investigar as declarações do Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acerca da Operação Lava-Jato.
              Já no Congresso a oposição a Michel Temer anunciou duas providências: PT e PCdoB entraram com representação na PGR contra o Ministro da Justiça, assim como parlamentares oposicionistas estudam convocá-lo para prestar esclarecimentos sobre a afirmação  de que uma nova fase da Operação Lava-Jato poderia ser deflagrada nesta semana.
               Não basta que o Presidente Temer faça saber que chamou Moraes a palácio para dar-lhe um puxão de orelhas. Preservar a operação Lava-Jato de ingerências políticas é algo mandatório, e tem de ser respeitado.



( Fontes:  O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo )

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Lembranças do Padrinho Chico (XIV)

                             

         As férias, infelizmente, elas estão sob o domínio do efêmero. Assim, como vêm, também se vão.
         Ainda me recordo de outras temporadas que passamos na rua Turquia, 26. Ficando um pouco mais taludo, podia juntar-me ao grupo familiar, no programa semanal da ida ao cinema.
        Naquele tempo, os adultos ainda íam enfarpelados aos filmes. E não  raro o programa terminava em  restaurante. Era a atmosfera do sábado. Se excluirmos o lado burguês da diversão, havia ali muito do espírito que Vinicius retrata no seu poema porque hoje é sábado.
        Também Chico gostava de dançar com a esposa, minha madrinha. Salvo as crianças, os homens de terno e gravata, e as senhoras, com vestidos curtos de soirée.
        Era também  bastante comum que os restaurantes tivessem pista para dansar. Alguns até com conjunto musical, outros com música de fonógrafo. O sábado era o dia talhado para tais programas. Em geral, depois do cinema.
        Já na manhã de domingo, íamos a missa. Havia igreja do outro lado da avenida, a que se podia ir caminhando. Todos, por assim dizer, endomingados.
         Lá pelo meio-dia, voltávamos para casa. Era hora do almoço. Como a nossa família não tinha outros parentes na Paulicéia, as empregadas preparavam a refeição e deixavam o ajantarado pronto, que se servia quando baixasse a noite.
         Como naquele tempo os programas da tevê não tinham a nitidez, não digo do melhor analógico, eles não despertavam o mesmo interesse que atualmente. Só com o passar do tempo as transmissões foram melhorando em qualidade. Antes eram granulosas e pouco nítidas. Entende-se, portanto, que só em circunstâncias muito especiais, elas atraíssem o público.
          Por uns tempos, não sei por ideia de quem, nessas um tanto tediosas noites dominicais, se introduziu o carteado. Os adultos jogavam por mera diversão, mas as cartas podem ter às vezes o condão de indispor as pessoas.
           Chico, como me dei conta, por temperamento encarava tal exercício como algo sério, que obrigasse a certa atenção. Por isso - e ainda me pergunto de quem terá partido tal ideia - o que devia ser diversão virava fonte de tensão e, por  conseguinte, de aborrecimento.
           Ao contrário da mulher e da cunhada, que encaravam o exercício pelo que ele representava - simples diversão -, Chico não sei por que cargas d' água queria mais atenção e seriedade no jogo.
           Dadas tais características conflitantes, elas considerando a prática pelo que deveria ser, simples jogo e, portanto, brincadeira, ele atento aos detalhes, e às cartas que se jogava fora, e àquelas que se guardava, eis que a prática do suposto passatempo se transformava em  ocasião algo tensionada.
            Se a tudo isso minha tia e minha mãe davam importância pro-forma, e o padrinho se comportava como se algo de importante estivesse em jogo, se há de intuir que a coisa não acabaria bem, com reclamações de Chico e respostas desabridas da esposa.
             Indo a prática de mal a pior, depois de enésima discussão, se decidiu dar merecido descanso à prática.
             Parece que o deslize terminal foi dado por uma das parceiras que, diante das vistas irritadas do padrinho, terá feito alguma besteira.
             Chico então disse o que não deveria ter dito, segundo sentenciou a madrinha.
             "Damn it!"
              Só agora, passado tanto tempo e longe da cerceante atmosfera dos anos cinquenta, o que se poderia traduzir com a expressão "com os diabos!" me parece algo mais para o light, ao invés da imprecação de que o preconceito dos anos cinquenta vedava o emprego  em ambiente familiar... Além disso, o padrinho tomava o cuidado de vestir os respectivos impropérios com interjeição inglesa, língua que uma das  irmãs ignorava, e de que a outra tinha apenas vaga idéia...

              Depois de tal entrevero, a paz voltou à rua Turquia 26.          

A quem assusta a Lava-Jato ?

                    

          Aquela velha pergunta - Quem tem medo de Virgínia Woolf? - volta a assombrar os políticos brasileiros e, em especial, os personagens de um partido que até há pouco dava e, na verdade, ditava as cartas na cena nacional.
          A dita indagação, decerto retórica no caso da famosa autora inglesa, deixa de sê-lo se a transpusermos para a frase que encima esse artigo.
          A Lava-Jato, detestada pelos corruptos e por uma certa esquerda, pode até tentar repontar sob a pena de algum cartunista. Há políticos, sobretudo aqueles marcados por escândalos que, por um conjunto feliz de circunstâncias, logram ir escapando do bote inesperado das prisões, cuja  sobrevivência seria fruto de conluios e da sorte benfazeja que sói visitar os poderosos de plantão.
           Ora, nada como um dia depois do outro. O caso de Antonio Palocci, a despeito de seus tropeços, estaria nesta lista, que, por idiossincrasias próprias, se vai completando à medida que as fichas vão caindo.
           Depois de exercer tanto poder - a que se agrega louvável atenção à gestão fazendária - eis que, ou por ações impensadas e voluntárias, como as do caso do caseiro, ou então porque o passado das consultorias contra ele se volta, eis que a casa cai.
            Se Guido Mantega parece estar na marca do pênalti, tal não semelhava ser o caso desse antigo peso pesado, Antonio Palocci, político importante na família petista, que hoje vê a polícia bater-lhe à  porta.
            São altas somas de que deverá dar conta ao juiz Sérgio Moro.
            As eleições estão marcadas para o próximo fim de semana, e esses grilhões que a Justiça traz são  mau augúrio para a vermelha estrela solitária.
             Essa invenção que acreditam demoníaca empurra para baixo um prestígio já bastante machucado.
             Pensando bem, atendidos os escândalos passados, a sobrevida parece ter ido além, muito além da Taprobana.
               É o que decerto se verá em relatos que concernem ao velho café com leite.


( Fonte: Folha on-line ) 

Na diplomacia erros não perdoam

  
                           
         França, Inglaterra e Estados Unidos convocaram reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações  Unidas, neste domingo, dia 25, e acusaram a Federação Russa  de cometer "crimes de guerra" em Aleppo, na Síria. Os três membros ocidentais do Conselho de Segurança insistiram em que Moscou interrompa os bombardeios que realiza em apoio ao regime de Bashar al-Assad.
        A embaixadora estadunidense nas Nações Unidas, Samantha Power, disse que foram registrados mais de cento e cinquenta bombardeios em Aleppo, no norte da Síria, nas últimas 72 horas, e acusou o regime sírio do ditador  al-Assad, e sua aliada, a Rússia de Vladimir Putin, de lançarem uma "ofensiva total".
         Esse 'tapete' de bombardeios, neste fim de semana, deixou pelo menos 124 mortos em áreas controladas pelos rebeldes em Aleppo. Do total das vítimas, pelo menos 26 são civis, segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos.
          Segundo o noticiário, esta ofensiva aérea russo-síria terá sido a mais letal desde o início da guerra civil, em 2011. Tal ataque, com as consequências acima descritas, torna, obviamente, a situação naquela sitiada cidade ainda mais difícil.  Note-se que lá havia mais de duzentos e cinquenta mil civis.
           Foi por causa disso mesmo que o Secretário de Estado John Kerry assinara mais um acordo de suposta trégua com o Ministro do Exterior de Putin, Sergei Lavrov, que é uma espécie de Talleyrand[1] do autócrata russo. O seu compromisso não costuma ser com a verdade, mas sim com o próprio amo. E terá sido também por causa disso que o atual Secretário de Estado não terá pesado devidamente o valor relativo das promessas e da firma  de Lavrov nos acordos.          
             Mas convém reconhecer que as vantagens no terreno de Putin se devem mais à própria coerência (o seu norte não é o interesse da Paz, mas sim a conveniência da Rússia e sobretudo do atual amo do Kremlin), do que às eventuais promessas por ele feitas ao Ocidente e aos Estados Unidos, em particular.
               Como já escrevi em outra parte, o principal erro dos Estados Unidos nessa questão é atribuível a Barack Obama. Quando os quatro chefes dos Departamentos americanos competentes para o conflito na Síria lhe propuseram um pacto - quem os encabeçava eram a então Secretária de Estado Hillary Clinton - cujo principal escopo era armar os rebeldes sírios, o Presidente Obama, o recusou. Na prática, deu preferência à guerra no Afeganistão (cujos resultados seriam previsíveis), e praticamente nada à Liga Rebelde.  Diz o velho ditado que quem planta ventos costuma colher tempestades, e é o que sucede no fim do mandato de Barack Obama.
                Qual a credibilidade de assinar acordo de cessar-fogo com Putin? Muito baixa em verdade, eis que ele é estreito aliado (na verdade, protetor) do ditador Bashar al-Assad, que a troco dessa aliança já concedeu ao homem forte da Rússia pelo menos duas bases, para as suas naves (a Rússia como sempre necessita fugir das águas frias do Mar Negro e buscar as quentes do Mediterrâneo), e também para as próprias aeronaves.
                  Putin se tem saído demasiado bem com os seus adversários americanos, porque estes não fazem o dever de casa. Bush, o jovem, o único presidente americano eleito pela Corte Suprema, se deu mal com Putin, ao tentar apoiar - sem muito cacife - a Geórgia, e deu no que deu, com mais um país atrelado ao urso russo.
                  Depois de fazer a magistral manobra de ceder o mando aparente a seu alter-ego Dmitriy Medvedev, ao elevá-lo à Presidência (2008-2012), Putin, como Primeiro Ministro, continuou com grande parte do poder, e logrou assim fazer esquecer as marcas do periodo anterior. Pôde assim retomar todo o poder até hoje.
                  Não aproveita a Obama e aos Estados Unidos que a Federação Russa assine acordos até mesmo de cessar-fogo, como foi o caso recente, se Putin está bem implantado no terreno.
                   Putin pode até não participar diretamente dos ataques aéreos. Mas só por olhar para o outro lado, deixa ao seu aliado (no antigo sentido romano da dependência estrita) o papel de atacar Aleppo e os bastiões rebeldes.  Por isso, os eventuais compromissos de paz assinados pelo seu Ministro Lavrov tem o mesmo valor de que os 'pedaços de papel' assinados por um antigo adversário da União Soviética, e que tanto mal fez à Civilização Ocidental e à própria Alemanha, em que pensara erigir o Reich de mil anos...
                     Agora o Ocidente acusa a Rússia por ataques à Síria. Por não ter outros meios, Obama - que chamara Putin de chefe de 'poder regional' - pensa valer-se no papel de acordos de cessar-fogo. Gospodin Putin, como já mostrara (e humilhara) o jovem George Bush, pode fazer o mesmo com o seu sucessor, eis que Barack Obama não poderia acreditar que com palavras empenhadas possa fazer progressos com Vladimir V.Putin. Este pelo visto, só entende uma linguagem, que é a da força.
                      Para ele, os tratados  - como para outros supostos 'realistas' no passado - só valem se solidamente apoiados em realidades tangíveis, de preferência militares. Quem não as utiliza, está condenado a sofrer-lhe as consequências.

( Fontes: The New York Times, Folha de S. Paulo )




[1] O príncipe de Benevento (1754-1838), no antigo regime, bispo de Autun, presidente da Assembléia Nacional (1790),  camaleonicamente servindo a todos os regimes da revolução, até Napoleão inclusive, se 'reconciliou' com a restauração de Luis XVIII - onde fez grande trabalho no Congresso de Viena, salvando a França dos vencedores de Napoleão. Dada a sua grande habilidade, é uma espécie de patrono da diplomacia.