quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Lembranças de Padrinho Chico (XV)

                     

        A súbita adesão ao Corinthians, em jogo no Pacaembu, do padrinho Chico (V. blog X da série), além de surpreender-me, iria mudar a minha atitude e nem sempre para melhor.
        A raiva que sentira pela forma revestida pela súbita identificação do padrinho com o Corinthians, e ainda por cima no jogo em que vencera o Vasco da Gama, não se evaporaria em pouco tempo.
       Além de tomar partido em questões que de alguma maneira afetavam o tio, o meu viés seria sempre contrário à postura do tio Chico.
       Em jogos de futebol de que participasse o Corinthians, sempre ficaria  na torcida adversa, nunca deixando de externar os meus próprios sentimentos de forma a mais protagônica possível.
       Eu o fazia movido pelo mais óbvio despeito, e cuidava  de marcar a minha posição de forma a mais provocadora possível.  Era decerto maneira desastrada de afrontar o padrinho, as mais das vezes por razões com pouca ou nenhuma credibilidade.
       Diga-se em favor de meu tio que ele mostraria não pouca grandeza de temperamento ao não atentar para as minhas provocações. Ele agia como se fosse natural que eu buscasse contrariá-lo sempre que se colocasse algum  tema em que a sua opinião ou posição já fosse conhecida.
       Passado tanto tempo ainda sinto algum remoro por aquela ânsia de confrontação que o tio sempre saberia contornar, com jeito sereno. Sem o saber, ía aprendendo a lição de que a compostura sairá sempre melhor no quadro, do que a sistemática implicância, que parece pedir uma boa e definitiva lição.
        Pois o tio optaria pela contenção e a nobreza de caráter. Como não caía nas minhas rudimentares armadilhas, ele foi aos poucos pondo à nu, sem que me desse conta de início, a estultícia da minha reação.
       Meu padrinho era um descendente de italiano que não se deixava vencer por raiva e emoção. Gostava de esfregar as mãos, e com isso exorcizar as imediatas reações. Pouco a pouco,  ao pé da televisão, ele me mostrava da importância da fleuma e da frieza nas atitudes. Não que tivesse sangue de barata, como ele o demonstraria na ocasião certa.
          Soube, a propósito, e não por seu intermédio, que ele se tornara sócio do clube Pinheiros - antes Germânico, se não me engano.  Provocado pelo porteiro, que lhe pedia sistematicamente a carteira, enquanto não a solicitava dos muitos sócios de origem alemã, Chico acabou perdendo a paciência.
          "Vejo que V. tem dificuldade em me reconhecer. Como isso não ocorre com os alemães, a quem V. nunca pede a identificação, não terei problema em lhe mostrar a carteira uma vez mais, mas com uma condição: V. vai ter que pedir da mesma forma que mostrem o documento a  todos os alemães que aparecerem."
            Era assim o meu tio Chico. Temperamento calmo e controlado se o respeitassem. O que não admitia era que abusassem da autoridade, ou que menosprezassem alguém.

            Então a ascendência italiana repontava.

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