domingo, 11 de setembro de 2016

Lembranças do Padrinho Chico (V)

                              

         Tudo passara muito depressa. Chegados ao aeroporto de Porto Alegre, seguimos incontinente para a Rua Fernandes Vieira, no bairro Independência, onde ficava a residência de meus avós Romualdo e Lucinda Azeredo.   
         Lá me esperava a imagem mais traumática dos meus tenros anos. Chegado à casa de meus avós, sozinho em meio ao afluxo de gente - minha mãe foi pronto levada para um quarto, onde ficaria sob o trauma da hedionda visão do caixão de meu pai, no meio da sala de visitas, posto sobre cavaletes, cercado pelo profuso, sinistro verde e branco da vegetação que cerca os defuntos.
         Mamãe o viu de passagem. Como desfaleceu, a levariam para o quarto, no começo do corredor. Dormiria então, sob efeito de algum soporífero que médico presente lhe terá aplicado.
          Minha mãe não foi ao enterro. Naquele estado, como poderia ter ido? O féretro foi levado para o cemitério S.Miguel, onde estava a tumba familiar. Só anos depois a veria. Ficava em uma colina, além do bairro da Glória.
           À curta, traumática memória dessa estada em Porto Alegre, se sucederá outra viagem, de volta a São Paulo, retornando à Rua Turquia, 26, mas sob outras luzes, menos risonhas do que antes. Esse traslado não será, contudo, feito de imediato. Como ainda não tínhamos casa, nem meios para nos transferir a outra, ficamos na rua Santa Terezinha, em residência de dois andares que papai  tinha alugado. Nada me foi dito a respeito, mas penso que ele havia pago por mais de um mês, e por isso mamãe achou que deveria lá arranchar-se, enquanto não arranjasse outro paradeiro.
              Lembro-me que, uma noite, ainda cedo estávamos no quarto, no andar de cima, e ficamos assustados ao ouvir  passos de alguém que subia as escadas.
               Era algum amigo de papai, que viera trazer notícia para minha mãe. Depois que ele saíu, nos abraçamos, não sei se por causa daquela desenvolta irrupção, ou carentes do chefe da família, que tão de repente partira.
                A rua Santa Terezinha foi a última que posso associar à presença paterna. No quintal, havia muitas plantas e árvores frutíferas. Papai gostava de mexer no pomar, mas um dia terá roçado em alguma erva ruim, tanto que dele me lembro com o braço inchado. Por fortuna, seria coisa de pouca monta.
               Estávamos em plena lei do inquilinato. Meu avô Romualdo - o outro, Antônio Mendes Filho - que não conheci - morrera no Rio, de uremia, em 1930. Pois vovô Romualdo não tinha, por ora, residência em que mamãe pudesse se arranchar. Não era fácil liberar imóvel, e havia, portanto, que esperar.
           Como pelo preço do aluguel, não era factível que lá ficássemos, meu avô e mamãe terão combinado que tão logo  fosse liberado apartamento no edifício Jaguarão - que era de propriedade dele - nós regressaríamos a Porto Alegre. Entrementes, tivemos de valer-nos da hospedagem na  residência dos padrinhos Chico e Bi, na rua Turquia 26.
           Aquela casa branca na Santa Terezinha, em lugar aprazível, com um córrego passando mais adiante, e na direção do centro, o parque da Redenção, não mais estava ao nosso alcance. Carecíamos de esperar pela liberação de algum apartamento no Jaguarão - meu avô Romualdo, que era quem de nós mais cuidava, nutría fundadas esperanças disso - e por conseguinte teríamos que, mais uma vez,  por o pé na estrada e  seguir para São Paulo. Lá, esperaríamos pelo apartamento no Jaguarão. Mas quando seria, disto não sabíamos.

           Por conta disso, voltamos para a casa dos tios. Bem diversa seria desta feita a nossa reentrada naquela risonha residência da rua Turquia, 26. Não se sabia quanto tempo teríamos de ali ficar. Que diferença de antes, quando estávamos de passagem, no aguardo da breve vinda de papai !  

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