quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Do Complexo do Alemão e outras estórias

                             

       Esse título, leitor amigo, pode significar, no mínimo, duas situações antagônicas. Em primeiro lugar, se terá presente a ansiedade do Povo brasileiro, que deseja ver perspectivas de solução favorável dos respectivos problemas como firme indicação de que tal desejo venha a  transformar-se em realidade.
       Um exemplo dessa predisposição está na operação - com amplo suporte visual da mídia - da chamada tomada do Complexo do Alemão, realizada entre 25 e 28 de novembro de 2010.
       Esta operação conjunta, de que participaram as Forças Armadas, inclusive com blindados, assim como a PM em peso, terá recuperado o controle desse Complexo do Alemão. Para marcar a efeméride, houve içamento de bandeiras federal e estadual, e a presença tutelar do governador Sérgio Cabral sublinhava o empenho das forças de segurança, a que se agregava o próprio Exército.
       Para a opinião pública, o espetáculo midiático refletia o geral entusiasmo pela reconquista de um território por demasiado tempo entregue às sombras do tráfico e do banditismo. Como sói acontecer em tais ocasiões, se confunde desejo e virtualidade do controle como expressão de nova e permanente realidade.
       O Complexo do Alemão, por uns tempos, se transformaria em imagem virtual de uma nova dinâmica - uma presença da PM mais afirmativa e a consequente derrota da chamada entidade do 'tráfico'.
       Nesse contexto, a exuberância da mídia apresentaria a fuga multitudinária do tráfico - cerca de trezentos bandidos que acompanhados pelas câmeras da tevê debandavam pela estrada de terra que sai das alturas do Alemão e que adentra os bairros vizinhos. Outra indeterminada parcela de fora-da-lei teria igualmente escapado pela mata que contorna partes do Complexo.
       Diante da perplexidade de uma pequena parte da mídia - que se perguntou por que o Estado não se valeu da oportunidade para deter todo esse bando fora-da-lei - a resposta dos poderosos de então se limitou a um olhar cético, como se aquela operação de limpeza do Alemão constituísse uma realidade que a si própria se bastava. As forças estatais intervieram com mostra de todo o seu poder de fogo, que foi bastante para pôr em debandada aqueles que se tinham indevida e traiçoeiramente apoderado de um grande bairro, habitado na sua maioria por gente respeitadora da lei.
          Talvez pensando que os mais de trezentos meliantes que se escafederam à vista das câmeras, e para tanto se valendo de todos os veículos que imaginar-se possa, de alguma forma seriam absorvidos pela cidade grande e deixariam de importunar e, sobretudo, comandar a gente honesta do bairro do Alemão.
           Como que deitados em leito esplêndido, acreditando que os desatados fios do crime de alguma forma estavam desfeitos de forma permanente, o Estado começou a cuidar do Alemão como se a varinha de condão da operação conjunta encetada a 25 de novembro de 2010 deveria ser completada por acesso aéreo de cabinas ao bairro do Alemão, o que foi providenciado. Outras formas do abraço da urbe se sucederam como em novela da Rede Globo, igualmente situada no bairro reconquistado do Alemão.
             Toda essa fábula - que a muitos convenceu - sublinha um ponto fraco da nacionalidade. O nosso desejo por uma volta aos bons tempos em que a mala vita não era presença usual em Pindorama - ou, pelo menos, seria realidade ainda insignificante no  cômputo estatístico da vida na cidade,  esse desejo continua forte por demais e a tal ponto que nos faz esquecer pormenores relevantes no dia-a-dia.
             O que terá muita gente esquecido naquela triunfalística data de vinte e cinco de novembro de 2010, com direito à cerimônia de alça de bandeiras (federal, estadual e municipal) e a ubíqua presença da mídia - a que como insetos da luz, acorreram também as autoridades do tempo ?  Temos tanta vontade que tudo volte aos bons velhos tempos que nos esquecemos de certos pormenores para que esse desejo do eterno personagem de René Clair - que nos traz o canto das sereias de Ulísses e nos promete a volta próxima e segura desses bons velhos tempos  - que a boa gente brasileira pode parecer, com o passar impiedoso do tempo, essa peneira cruel das vãs esperanças e dos tolos propósitos, como uma simples, meretrícia ilusão...
                Hoje há gente que se pergunta, por que não se prendeu todos aqueles trezentos fora-da-lei que fugiram pelas estradas de terra que ligavam o radiante bairro do Alemão, de repente transformada como uma metáfora para a ansiedade realidade de todos?
                Não prendeu - e aí se podem elencar os poderosos de então, muitos dos quais hoje demoram em bairros longínquos, como proscritos por um Povo pelos ditames severos de esquecimento.
                Temos o hábito - tolos que somos! - de pular e abraçar o desejo hodierno como se fora a concretização da realidade.
                 Esquecemos dos pormenores e, num grande salto, abraçamos o que se pensa seja a realidade.
                 E, aí  minha gente, é que está o problema. Na nossa ânsia de chegar a Pásargada, onde o poeta é amigo do Rei, olvidamos muitos detalhes e sobretudo a aborrecida faina que as grandes, vaidosas realizações costumam exigir.

( Fontes: Rede Globo, Manuel Bandeira, Homero, René Clair)   


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