domingo, 4 de setembro de 2016

A Guerra na Síria

                                                       
         Os leitores que me honram há mais tempo com as suas visitas ao blog hão de se ter perguntado por que não mais me ocupei da guerra civil da Síria. Faz realmente tempo que o acompanhamento do conflito contra Bashar al-Assad deixou de ser de uma questão prevalentemente interna, para transformar-se em algo no paradigma da guerra civil espanhola. Naquela longínqua conflagração, sua internacionalização constitui espécie de antecâmara da Segunda Guerra Mundial. Nela, notadamente, as potências do Eixo e, em especial a Alemanha nazista, despejaram a própria aviação e armas, para apressar a vitória das tropas do general Francisco Franco.
        Na Terra da Passagem[1] foi diferente, embora o embate, nascido de pacíficas passeatas em prol da democratização do regime dos Assad,  tenha levado a seguir a confrontos ao sul e na área de Damasco. Foi decerto o caráter ditatorial do regime sírio, habituado desde Hafez al-Assad a resolver desinteligências com mão de ferro, que tornaria inevitável a evolução da revolta para a guerra civil, e a conseguinte participação das duas correntes antagônicas do Islã, a Sunita e a Xiita. Dessa última a dissidência alauíta constitui aliada natural.
        Antes da guerra civil, o regime sírio observava uma rara tolerância religiosa, se cotejada com o restante do mundo árabe. Com efeito, na Arábia e no Irã, a chamada tolerância é fenômeno raro. Mesmo naqueles países em que ela existe, em momentos de comoção como no Egito, a maioria islâmica demoniza a minoria copta (que a antecedera naquelas terras) e cristãos sofrem as consequências de problemas que afetam a maioria islâmica. Com efeito, a tolerância não é característica do Islã - que o digam os cristãos caldeus, no Oriente Médio, e os próprios coptas, que são demonizados pela maioria islâmica do seu respectivo entorno.  
          No caso da Síria, a relativa paz religiosa se explicara pela ideologia da corrente alauíta, que, apesar de ter vínculos com o Xia,  pelo seu sincretismo tende mais para a composição e, por conseguinte, o respeito aos outros credos. Nesse quadro, na fase pré-revolucionária a Síria dos Assad constituíra relativo oásis de tolerância religiosa.
             Tudo isso acabou com a guerra civil, que completou um lustro de duração. Apesar de haver principiado em 2011, ainda não há sinalização confiável de que a paz, desejada pela população civil - e o seu sofrimento podemos esboçá-lo em dois momentos que ainda prevalecem: a gigantesca massa de refugiados, que a Comunidade Europeia (malgrado o grande gesto da Chanceler Angela Merkel[2])  acolhera em pequenas levas. Já regimes fascistóides como o húngaro, de Viktor Orbán, lhes fechariam as portas.  
             Até mesmo a coragem da Merkel não passaria indene nos pleitos seguintes para os Länder alemães, em que a CDU (União Cristã-Democrata), o partido da Chanceler, perderia em departamentos regionais. Sem embargo, à explosão da crise dos refugiados precederam outros momentos, em que Barack Obama prosseguiria na sua linha contraditória. Com efeito, o presidente, na véspera de seu segundo mandato, recusara a proposta de Hillary e dos outros três chefes de departamentos com responsabilidades no conflito sírio.  Obama preferiu não aceder à proposta desse quarteto, embora haja continuado no Afeganistão.
               É preciso não esquecer que por volta desse tempo Bashar al-Assad era dado como praticamente no caminho do exílio. Além de ser um provável réu do Tribunal Penal Internacional, Bashar assistia a que familiares seus debandassem para o estrangeiro, já não acreditando na sua sobrevivência política.
                Mas enquanto o semi-providente Obama negava aos revolucionários sírios da primeira hora qualquer ajuda, gospodin Vladimir Putin acederia às instantes súplicas de seu vassalo Bashar, que na hora do desespero tomara o avião, e de chapéu na mão, adentrou o Kremlin.
                  Por mais frio que seja Putin, ele sabia que não tinha escolha, senão fechar com al-Assad. Senão, como ficaria a sua base naval de águas quentes no Mediterrâneo oriental?  Tampouco  Teerã  dos ayattollahs poderia encarar a perda de sustentação de seu aliado Hassan Nasrallah, o chefe do Hezbollah, milícia guerreira - que tantas já aprontou para Israel e que é força militar não desdenhável naquele teatro. Sobretudo porquê essa milícia luta com a motivação de quem não tem outra escolha... A eventual queda de al-Assad e de seu regime, implicaria na supressão dos subsídios para essa milícia, e a enfraqueceria.
                    Por outro lado, o Kremlin tem todo interesse na preservação do regime alauíta de al-Assad, que já lhe concedeu duas bases para o apoio de sua força aérea (em Latakia), e anteriormente, em Tartus, com base naval nas águas quentes do Mediterrâneo oriental.
                    A sustentação do regime de Assad na Síria é despesa decerto gravosa para o erário russo, mas para Putin indispensável.  O escopo do autócrata russo pode sair-lhe caro, máxime para um país que apesar de grande encolheu bastante, e que tem caminho acidentado pela frente se deseja bancar todo o seu programa de enfrentamento da Aliança Militar do Atlântico Norte (NATO), assim como respaldar a Bashar na Terra da Passagem.
                     Quem não viu na mídia a foto do garotinho sírio, afogado em praia do Mediterrâneo oriental, de três anos de idade, que é a vítima símbolo, porque inocente, da crise na Síria, que deu origem a este enorme movimento de refugiados?  
                      No próximo artigo tentarei responder às indagações que essa tragédia sócio-político-militar causou para as populações civis envolvidas, que estão pagando o pesado preço, apesar de que, como de hábito, pouco ou nada tenham a ver com este gigantesco castigo.
                       Afinal, este êxodo sem paralelo na história recente, não poderia ter sido evitado? (a seguir)

( Fontes:  The New York Times; blogs anteriores )




[1] Esta designação da Síria, posto que informal, pode ser encontrada nas matérias alusivas.
[2] Angela Merkel, desconhecendo a opinião política de seus aliados políticos alemães, admitiu cerca de um milhão de refugiados sem exigir a documentação respectiva. Pagaria caro por essa generosidade.

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