quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Lembranças de Padrinho Chico (VIII)

                       

        Não terão durado muito os passeios matinais até a Praça da Matriz, a cargo de meu avô Romualdo. Dois anos depois do desastre aereo que vitimara meu pai, vô Romualdo iria falecer em fins de 1946. Teria 69 anos quando foi reencontrar-se com o filho José Raphael.
        Com  sua partida, minha mãe e eu nos sentimos mais sozinhos. Assim, a vinda de minhas tias Lucy e Marina a Porto Alegre ajudaria a convencê-la  a   decidir-se  em viajar de mala e cuia para o Rio, onde estava a maior parte da família Mendes.
        Na falta de vovô Romualdo, mamãe acederia ao convite das irmãs para ir morar na então capital da república. Talvez a gota d'água para  essa mudança foi dada por motivo aparentemente desimportante.
        Era costume que visitássemos a Fernandes Vieira 93, agora residência apenas de vó Lucinda e da tia Ruth, nas tardes de sábado. Depois do almoço, lá pelas três, aparecíamos  no solar da Independência.
         Foi para nós, portanto, surpresa desagradável que num desses sábados déssemos com a cara na porta. Batemos várias vezes, incrédulos diante da possibilidade de que a minha avó não estivesse a esperar-nos, como era a prática de todas as semanas.
         Não houve nenhuma explicação posterior. Sequer a filha Ruth, ou  minha avó se deram ao trabalho de avisar-nos que, por alguma razão, não estariam em casa.
         Ainda pequeno, achei estranho e minha mãe, mais ainda. Como não viria explicação e teria sido fácil para minha avó, ou Ruth, nos ter avisado, era difícil não interpretar aquela porta fechada como descortesia, ou até mesmo quase uma grosseria.
         Se éramos demais ali, minha mãe se lembrou dos repetidos convites de que nos mudássemos para o Rio de Janeiro, onde a família Mendes reclamava a nossa presença.
         Tomada a decisão, ficaríamos ainda um ano e tanto em Porto Alegre - em 1946, cursei o Roque González e em 1947, o Anchieta. Seguiríamos por volta de julho, para o Rio, em navio da Costeira. Íamos de mala e cuia, dispostos a alugar ou comprar apartamento.  Ao sair do edifício Jaguarão, deixávamos um teto que era nosso para viver arranchados com os tios Laporta e Marina, que viviam no Castelo, na Avenida Antônio Carlos.
          O projeto de mamãe era comprar um apartamento a prazo. Daria a entrada, e depois trataria das chamadas módicas prestações mensais. Problemas e preocupações essas de que, por enquanto, não participava diretamente, por ser ainda criança.

          É, no entanto, doce ilusão pensar que, em tais situações, os desconfortos e inquietudes pertençam apenas aos adultos. Morar de favor é, na verdade, condição bastante democrática, aberta a todas as idades. 

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