quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O Ocidente precisa salvar Assad?

          

           É deprimente que os Estados Unidos veja a sua recente tentativa de estabelecer em Aleppo área de não-agressão desprezada pelo ditador Bashar al-Assad.
             O acordo que foi assinado pelos Ministros Sergei Lavrov e John Kerry, que visara  suspender as hostilidades na Síria, na prática já surgiu natimorto.
             Nesse sentido, ignorando as vítimas civis, Bashar, sua aviação e tropas retomam o controle do bairro de Farafra, na área central da cidade, após semana de intensos bombardeios.
             Lixando-se para as consideráveis baixas na população civil - que é tratada como se militar fora -, as forças sírias legalistas, com óbvio apoio da Rússia, investem contra os bairros de Sa'ar e Mashhad, na área leste de Aleppo.
            Segundo  a ONG londrina Observatório Sírio de Direitos Humanos, onze pessoas morreram nesta ofensiva, a maior desde o fim do cessar-fogo na semana passada.
            Cerca de 400 pessoas foram mortas com o recrudescimento dos ataques nos últimos cinco dias. A intensidade dos ataques e dos bombardeios por forças de Bashar continua a crescer, enquanto 250 mil pessoas estão sitiadas em bairros de Aleppo dominados pelos rebeldes.
             Na confusão dos ataques, o regime sírio quer aparentar firmeza, e declara que a ofensiva continua até que os rebeldes tenham sido "varridos da cidade". Nessa grande confusão, em que a verdade desponta como a primeira vítima, a força insurgente afirma haver repelido a ofensiva síria.
              A lenta recuperação territorial do regime de al-Assad sempre contara com o apoio do Irã e da falange xiita do Hezbollah, chefiada por Hassan Nasrallah. Recentemente, foi morto em bombardeio  alto dirigente desse grupo xiita, Samir Kantar, cuja presença no Líbano representa um desestabilizador para aquele país, em que há forte comunidade cristã maronita.
               A que se deve o lento renascer da ditadura de Bashar?  Depois de atravessar o nadir de sua trajetória política - em que foi abandonado até por parte da família, e a sua perspectiva política parecia próxima do fim, enquanto crescia a probabilidade de mais um julgamento de cruento ditador pelo Tribunal Penal Internacional da Haia - salvaram Bashar - para desgraça da gente síria - a coalizão dos xiitas do Irã (a que o crédo alauita sincretista da família al-Assad a torna aliada de Teerã), e gospodin Vladimir Putin - que já investira demasiado na Síria, onde dispõe de porto marítimo e base aérea - para que corresse o risco de perder tais aquisições estratégicas, tão importante para as suas grandes ambições de recuperar o lugar de Moscou no grande jogo com o Ocidente..
                 Por isso, Bashar, na sua vigésima-quinta hora,  ressurgiria da grei infame dos mortos políticos. Mas a fortuna do ditador sírio contou igualmente com a deterioração da Liga Rebelde, a despeito do apoio das monarquias do Golfo.  Nesse sentido, as hesitações de Barack Obama terminaram por enveredar na determinante negativa de armar as forças insurgentes que lutavam contra o regime sírio.
                  Obama, para tanto, mostrou grande firmeza em negar o plano de apoio aos rebeldes costurado por Hillary Clinton, então Secretária de Estado, e que contava com a adesão de mais três comandantes militares americanos, inclusive o do Pentágono e da própria  CIA.  Obama deu preferência à presença americana no Afeganistão, esse grande cemitério de expedições do Ocidente, a partir da malograda tentativa das forças de Sua Majestade Britânica, no século XIX.
                   Dessarte, com tal negativa de apoio, o Ocidente permitiu a ressurgência do tirano Bashar e condenou o povo sírio à continuação da luta intestina empreendida por Damasco para recuperar as bases e os centros populacionais antes dominados pela Liga Rebelde.  Daí não espantará a progressão do ditador sírio recuperando o controle da costa mediterrânea, e das principais metrópoles sírias. Para quem já via a Liga Rebelde nos subúrbios de Damasco, a  recuperação de Bashar é um falso enigma, pois a grande negativa de Obama levou a três resultados adversos para Tio Sam: a ressurreição de al-Assad, um ganho político apreciável para o adversário Putin, e de cambulhada, mais fatores negativos para os EUA, com o aparecimento do Exército Islâmico, entre outras.
                       Se a Liga Rebelde houvesse recebido o apoio de que carecia, parece pouco provável que surgissem tantos inimigos do Ocidente como apareceram de repente no horizonte. Não fosse esse abandono da Liga Rebelde, que já via no próprio visor a perspectiva da queda do tirano sírio, é difícil visualizar que tantos adversários dos Estados Unidos  tivessem obtido tantos ganhos determinantes, como a própria Federação Russa, a quem foi muito proveitosa sua operação de salvar o seu aliado Bashar.           
                          Tampouco teria havido a grande e custosa confusão aprontada pelo EI, tanto no Iraque, quanto na própria Síria, aonde ainda se encontra.  Não menciono sequer os americanos que foram sacrificados pelo regime do Califa al-Baghdaadi.
                            Decerto o meio-oriente nessa área não seria ainda a terra da fartura, mas diante da negativa de Barack Obama aos seus quatro chefes de departamentos militares e de missões com interesses convergentes, a que a atual candidata a Presidente dos Estados Unidos liderava, constitui uma hipótese tentadora que a presente confusão nessa área do Oriente Médio poderia ter evitado se surgisse no lugar de Bashar um regime próximo ao Ocidente e em condições muito diversas do inferno médio-oriental que aí surgiu,  se tivermos presente todo o imenso sofrimento da população civil na área.
                              Quanto mais se reflita sobre esse gran rifiuto[1], e as pesadas consequências que teve para as povoações envolvidas, fica ainda mais árduo entender porque o Presidente americano se recusou  a  estender a mão para a união dos combatentes, que via próxima a hora última do sanguinário regime dos al-Assad. A própria situação hodierna dos Estados Unidos nessa área não pode ser comparada com a de uma Síria pacificada, sob regime simpático aos Estados Unidos, a quem deveria, senão o estabelecimento de Pax americana, um estado de coisas incomparavelmente superior em termos de qualidade existencial, do que o atual inferno aí prevalente.

( Fontes:  O  Globo; Economist )



[1] Grande recusa

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