terça-feira, 6 de setembro de 2016

Alan Kurdi

                                 

        É provável, leitor amigo, que desconheça a quem se refere o nome acima.
        Vamos por partes. Recorda-se, por acaso, da foto que correu mundo de menino afogado, cujo corpo inanimado deu em praia da atual Turquia, e que foi descoberto por um guarda daquele país, há um ano atrás, em dois de setembro de 2015?
        Será difícil não olhar com carinho e mesmo ternura o retrato de vítima inocente dessa conflagração - que já dura por cinco anos - e  que reedita, com as previsíveis atualizações modernas, o caráter brutal,  impiedoso e cínico de guerra civil transformada em conflito internacional, em que várias potências, ou procuram tirar vantagens de o que começara por simples passeatas reivindicando mais democracia, e que se foi deteriorando em luta viciosa de que participam a Rússia de Putin, o Irã, do Ayatollah Ali Khamenei, e de outro lado, coligação da Arábia Saudita e de países sunitas. O Ocidente atua com bombardeios que visam notadamente o Estado Islâmico, o chamado 'califado' de al-Baghdaadi, que mantém a sua 'capital' em Raqqa, hoje sob ataques da coligação aérea liderada pelos Estados Unidos.[1]
          Tudo isso começou há cerca de cinco atrás, com o escopo de derrubar o ditador Bashar al-Assad, mas depois de avanço considerável da Liga Rebelde (secundada pela Liga Árabe), graças à ajuda in extremis recebida de Putin e do Irã de Khamenei, a vantagem militar retornou para o campo do ditador sírio e dos poderes que o apóiam (Rússia e Irã).
          Com isso, quem paga o preço é a população cívil, que o inferno sírio forçou ao êxodo. Na continuação do artigo que dedico a essa  questão (V. meu blog de domingo, 4 de setembro de 2016, A Guerra na Síria) tentarei juntar os fios desse escândalo internacional.
           Por que o frágil corpo do menino Alan Kurdi, afogado pelo naufrágio de algum barco superlotado perto da ilha de Cós, no Dodecaneso, foi parar em praia da Turquia, onde o descobriu e fotografou um guarda turco? Quem matou esse menino inocente? Os poderosos desse mundo dirão que foi uma fatalidade. Fatalidade? Então a atual guerra civil, reanimada pela ambição da Rússia, de Vladimir Putin, e do Irã, de Ali Khamenei, acorrendo em defesa do ditador Bashar al-Assad e sobretudo das vantagens que a sua manutenção no poder irá assegurá-los, assim como garantir para Teerã a sobrevivência política da milícia do Hezbollah, que atua no Líbano e adjacências.
          O ditador al-Assad, antes encostado na parede, foi salvo (por ora) pela intervenção dos poderes russo e islâmicos acima citados, e também pela negação de Barack Obama em aceder ao apelo  dos  quatro chefes da segurança americana (encabeçados por Hillary Clinton), e por isso se absteve de armar os rebeldes sírios. Obama preferiu continuar apenas no Afeganistão, abandonando os rebeldes na Síria.
           Esse recuo de Barack Obama não só reforçaria o campo pró-Assad, i.e., o da repressão do povo sírio, mas também tornaria infernal a vida da população civil síria, dentro do esforço do ditador de Damasco de recuperar o que antes perdera, a começar por Aleppo (de onde, aliás, provém a família do pobre Alan Kurdi).
           Por cortesia da mídia, dispomos de foto de o que resta da família de Hivrun Kurdi, tia do menino Alan Kurdi, cujo corpo afogado despertaria a tarda ternura do Ocidente. Graças à coragem política da Chanceler Angela Merkel, essa família da antiga Síria está recolhida em abrigo de Bramsche, na RFA.
           Há dúvidas por quanto tempo o governo alemão tratará com humanidade os refugiados sírios.  Os tempos hoje parecem mais pender para o homem-forte da Hungria, o Primeiro Ministro Viktor Orban - que fecha as portas com grades para não acolher refugiados.    


( Fonte: The New York Times )




[1] A situação da Síria hodierna é uma espécie de reedição da Guerra Civil Espanhola, que foi um dos conflitos precursores da II Guerra Mundial.

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