segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Na diplomacia erros não perdoam

  
                           
         França, Inglaterra e Estados Unidos convocaram reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações  Unidas, neste domingo, dia 25, e acusaram a Federação Russa  de cometer "crimes de guerra" em Aleppo, na Síria. Os três membros ocidentais do Conselho de Segurança insistiram em que Moscou interrompa os bombardeios que realiza em apoio ao regime de Bashar al-Assad.
        A embaixadora estadunidense nas Nações Unidas, Samantha Power, disse que foram registrados mais de cento e cinquenta bombardeios em Aleppo, no norte da Síria, nas últimas 72 horas, e acusou o regime sírio do ditador  al-Assad, e sua aliada, a Rússia de Vladimir Putin, de lançarem uma "ofensiva total".
         Esse 'tapete' de bombardeios, neste fim de semana, deixou pelo menos 124 mortos em áreas controladas pelos rebeldes em Aleppo. Do total das vítimas, pelo menos 26 são civis, segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos.
          Segundo o noticiário, esta ofensiva aérea russo-síria terá sido a mais letal desde o início da guerra civil, em 2011. Tal ataque, com as consequências acima descritas, torna, obviamente, a situação naquela sitiada cidade ainda mais difícil.  Note-se que lá havia mais de duzentos e cinquenta mil civis.
           Foi por causa disso mesmo que o Secretário de Estado John Kerry assinara mais um acordo de suposta trégua com o Ministro do Exterior de Putin, Sergei Lavrov, que é uma espécie de Talleyrand[1] do autócrata russo. O seu compromisso não costuma ser com a verdade, mas sim com o próprio amo. E terá sido também por causa disso que o atual Secretário de Estado não terá pesado devidamente o valor relativo das promessas e da firma  de Lavrov nos acordos.          
             Mas convém reconhecer que as vantagens no terreno de Putin se devem mais à própria coerência (o seu norte não é o interesse da Paz, mas sim a conveniência da Rússia e sobretudo do atual amo do Kremlin), do que às eventuais promessas por ele feitas ao Ocidente e aos Estados Unidos, em particular.
               Como já escrevi em outra parte, o principal erro dos Estados Unidos nessa questão é atribuível a Barack Obama. Quando os quatro chefes dos Departamentos americanos competentes para o conflito na Síria lhe propuseram um pacto - quem os encabeçava eram a então Secretária de Estado Hillary Clinton - cujo principal escopo era armar os rebeldes sírios, o Presidente Obama, o recusou. Na prática, deu preferência à guerra no Afeganistão (cujos resultados seriam previsíveis), e praticamente nada à Liga Rebelde.  Diz o velho ditado que quem planta ventos costuma colher tempestades, e é o que sucede no fim do mandato de Barack Obama.
                Qual a credibilidade de assinar acordo de cessar-fogo com Putin? Muito baixa em verdade, eis que ele é estreito aliado (na verdade, protetor) do ditador Bashar al-Assad, que a troco dessa aliança já concedeu ao homem forte da Rússia pelo menos duas bases, para as suas naves (a Rússia como sempre necessita fugir das águas frias do Mar Negro e buscar as quentes do Mediterrâneo), e também para as próprias aeronaves.
                  Putin se tem saído demasiado bem com os seus adversários americanos, porque estes não fazem o dever de casa. Bush, o jovem, o único presidente americano eleito pela Corte Suprema, se deu mal com Putin, ao tentar apoiar - sem muito cacife - a Geórgia, e deu no que deu, com mais um país atrelado ao urso russo.
                  Depois de fazer a magistral manobra de ceder o mando aparente a seu alter-ego Dmitriy Medvedev, ao elevá-lo à Presidência (2008-2012), Putin, como Primeiro Ministro, continuou com grande parte do poder, e logrou assim fazer esquecer as marcas do periodo anterior. Pôde assim retomar todo o poder até hoje.
                  Não aproveita a Obama e aos Estados Unidos que a Federação Russa assine acordos até mesmo de cessar-fogo, como foi o caso recente, se Putin está bem implantado no terreno.
                   Putin pode até não participar diretamente dos ataques aéreos. Mas só por olhar para o outro lado, deixa ao seu aliado (no antigo sentido romano da dependência estrita) o papel de atacar Aleppo e os bastiões rebeldes.  Por isso, os eventuais compromissos de paz assinados pelo seu Ministro Lavrov tem o mesmo valor de que os 'pedaços de papel' assinados por um antigo adversário da União Soviética, e que tanto mal fez à Civilização Ocidental e à própria Alemanha, em que pensara erigir o Reich de mil anos...
                     Agora o Ocidente acusa a Rússia por ataques à Síria. Por não ter outros meios, Obama - que chamara Putin de chefe de 'poder regional' - pensa valer-se no papel de acordos de cessar-fogo. Gospodin Putin, como já mostrara (e humilhara) o jovem George Bush, pode fazer o mesmo com o seu sucessor, eis que Barack Obama não poderia acreditar que com palavras empenhadas possa fazer progressos com Vladimir V.Putin. Este pelo visto, só entende uma linguagem, que é a da força.
                      Para ele, os tratados  - como para outros supostos 'realistas' no passado - só valem se solidamente apoiados em realidades tangíveis, de preferência militares. Quem não as utiliza, está condenado a sofrer-lhe as consequências.

( Fontes: The New York Times, Folha de S. Paulo )




[1] O príncipe de Benevento (1754-1838), no antigo regime, bispo de Autun, presidente da Assembléia Nacional (1790),  camaleonicamente servindo a todos os regimes da revolução, até Napoleão inclusive, se 'reconciliou' com a restauração de Luis XVIII - onde fez grande trabalho no Congresso de Viena, salvando a França dos vencedores de Napoleão. Dada a sua grande habilidade, é uma espécie de patrono da diplomacia.

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