quarta-feira, 31 de março de 2010

Interessa ao Brasil estreitar relações com o Irã ?

Há certas coisas difíceis de entender em termos de política externa, de parte do governo Lula da Silva. Dentre elas, a relação amistosa – com visita presidencial marcada para maio p.f. – com o regime dos ayatollahs em Teerã.
Difícil de entender diante de um governo oriundo de eleições manifestamente fraudulentas, e que desde muito ultrapassou a defunta monarquia Pahlevi em matéria de opressão. Pois o regime iraniano – em que a presença dos chamados Guardas da Revolução (o exército) se torna sempre mais evidente – veste os trajes sombrios das mais hediondas tiranias.
Já em 2009 foram computadas pelo menos 388 execuções, sendo 112 nas oito semanas após as ‘eleições’ presidenciais de 12 de junho. Assinale-se que os cômputos de Amnesty International se cingem às penas capitais ditas oficiais, não sendo obviamente incluídas as pessoas mortas pela tortura e nos calabouços da ditadura.
No regime clérico-castrense de Teerã, corrupção e opressão se dão despejadamente as mãos. Em paroxismo da intentada intimidação, manda seus esbirros apreender simples manifestantes de passeatas, e que as masmorras transformam em ‘inimigos de Deus’ prontos para o sacrifício, chegando muitos a serem enforcados em praça pública.
As imagens de infelizes pendurados em cadafalsos de Shiraz nos parecem transportar para despotismos da noite dos tempos, quando, em verdade, refletem a obnóxia realidade de ditadura supostamente moderna. E tais visões dizem desafortunadamente muito mais do que os discursos do inexorável e inelutável progresso do homem no caminho de um futuro sempre mais radioso e promissor.
Em um mundo onde ainda pululam os autocratas, os tiranos e os que mal disfarçam a ânsia de empolgar o poder inconteste – e haverá continente que deles esteja realmente liberto ? – mais do que espanta, indigna e conturba o deslavado cinismo de Lula e seus pressurosos consortes nas suas mesuras para com os representantes do regime dos ayatollahs.
A par da discrepância com a posição do Ocidente no que tange à política nuclear de Teerã, a persistência da Administração de Lula em continuar a associar-se com um pária internacional, ao apertar-se o cerco dos Estados Unidos contra o Irã, faz pairarem nuvens sobre as relações empresariais entre Petrobrás e sua congênere iraniana.
A perplexidade aumenta defronte da vindoura Missão de empresários, encabeçada pelo Ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que além do Egito e do Líbano, tenciona visitar o Irã.
É de notar-se que, desde o governo Fernando Collor, se fala sobre as róseas perspectivas do intercâmbio com Teerã. Quanto aos resultados desse propósito, a única coisa que perdura é o incompreensível otimismo.
Por sua vez, o Presidente Barack Obama se movimenta em duas frentes no que tange ao regime dos ayatollahs. Propõe-se incrementar as pressões para que o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprove novo pacote de sanções econômicas, e, igualmente, no Congresso estadunidense se discute legislação que imponha sanções internas a empresas que mantenham negócios com Teerã (inclusive com os Guardas Revolucionários, cujo gosto pela atividade econômica tem crescido deveras ultimamente).
Nesse contexto, a Petrobrás, apesar dos desmentidos oficiais, pode ser visada, eis que mantém escritório na capital do Irã. Assinale-se que, a despeito de ser grande produtor de petróleo, o Irã não tem capacidade de refino para atender ao consumo interno, carecendo importar pelo menos 40% do total.
Por sua própria escolha, o desenvolto Zelig se encaminha para insidiosa encruzilhada. Os personagens camaleônicos neste mundo global se deparam com existência sempre mais difícil, na sua crença espertalhona de adequar a própria imagem às diversas situações.
Nas várias culturas há expressões em que se marca a entrada em cena da verdade. Entre nós, é costume referir à hora da onça beber água. Para alguns pode tardar, mas acaba sempre acontecendo.

( Fonte: O Globo )

terça-feira, 30 de março de 2010

O Brasil e o Tratado de Não-Proliferação

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem respeito intelectual e pessoalmente, pelo seu caráter democrático e pela sua produção sociológica – que lhe valeu o afastamento da cátedra – determinou ao seu então Ministro das Relações Exteriores que providenciasse a adesão do Brasil ao tratado em epígrafe.
Tal decisão poderia ser considerada coerente, se nos ativermos à orientação político-diplomática do governo do PSDB. Representou, no entanto, lamentável e traumática quebra na tradicional posição brasileira, expressa consistente e oportunamente pelos diversos antecessores do primeiro chanceler de FHC.
A diplomacia brasileira combatera nos governos pregressos o caráter exclusivista e antidemocrático do TNP, criando na ordem internacional duas classes de estados, os nucleares e os não-nucleares. Por isso – e não por precípuo escopo armamentista – o Brasil sempre rejeitara doutrinariamente o estabelecimento desse dualismo na ordem internacional.
A nossa contestação ao TNP nos levara, outrossim, a manter atitude de reserva com respeito ao Tratado para Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e Caribe, de fevereiro de 1967 (também chamado de Tlatelolco). Com a Constituição de 5 de outubro de 1988, esta posição evoluiria para a eventual dispensa disposta pelo artigo 28º do Tratado. Em não assinando a referida dispensa – pela faculdade que nos dava o parágrafo 2º do supracitado artigo – as disposições pertinentes de Tlatelolco não se aplicavam a nosso país.
No governo do Presidente Itamar Franco o Brasil por fim concedeu a famosa dispensa (D.O. de 16 de setembro de 1994). Nesse sentido, se enquadrou com a cláusula pétrea da Constituição que, consoante jurisprudência do Supremo, se acha inserida no parágrafo 2º do art. 5º, que reza: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Já em princípios do governo Lula, o Ministro Roberto Amaral (PSB), da Ciência e Tecnologia, afirma, em entrevista a reporter da BBC, que o Brasil não podia renunciar a nenhum conhecimento tecnológico, nem mesmo sobre a bomba atômica.
Boa parte da imprensa, e órgãos estrangeiros, criaram, com fins presumíveis, grande celeuma sobre o tema. O próprio Presidente Lula, em intervenção posterior, desautorizou as declarações em apreço. E, no que pode atribuir-se à consequência política, o Ministro Roberto Amaral foi substituído na pasta da Ciência e Tecnologia.
Contudo, se o alarido dos meios de comunicação lograra o seu escopo, semelha relevante repassar o que efetivamente disse o Ministro Amaral. Nos albores do primeiro mandato de Lula, em entrevista a BBC-Brasil, Roberto Amaral assevera que as áreas espacial e nuclear serão prioridades de sua pasta. Em seguida, expressa ele concordância com a ideia de que o Brasil tem de buscar o conhecimento necessário para a fabricação da bomba atômica. E com respeito a tal assertiva, apressou-se em qualificá-la: “Nós somos contra a proliferação nuclear, somos signatários do TNP, mas não podemos renunciar ao conhecimento científico” (meu o grifo).
A releitura das afirmações do conhecido e respeitado militante do PSB nos causa espécie, não por um eventual caráter impróprio da entrevista à BBC-Brasil, mas pela circunstância de serem alegadamente discutíveis observações como a prioridade à area espacial e nuclear e o imperativo de não renunciar ao conhecimento científico. Quem discorda desses princípios de orientação política, há de seguir, na verdade, objetivos obscurantistas, que consignariam o nosso país à retaguarda do conhecimento.
Como tais metas são inconfessáveis, os opositores das ideias do Ministro Amaral recorreram a métodos habituais, quais sejam a proposital confusão na referências aos tópicos criticados e a sua inserção fora do contexto lógico da breve exposição do então responsável pela pasta da Ciência e da Tecnologia.
E é deplorável que o novel Presidente Lula da Silva haja iniciado na prática o seu mandato, dissociando-se de política voltada para a progressão nas áreas espacial e nuclear. São bem conhecidos os entraves opostos ao desenvolvimento da indispensável tecnologia para que afinal alcancemos algum progresso no espaço e na matéria.
Infelizmente, o governo Lula da Silva, se não cuidou, como devera, de nossa infraestrutura viária e aeroviária, se na educação e na ciência a sua presença não é decerto conforme às dimensões de nosso país, alongaria por demais este artigo se desenvolvesse a visão panorâmica do quadro tão pouco alentador – e tão antinômico às prioridades tão oportunamente colocadas pelo Ministro Roberto Amaral – do estágio presente de nossos programas espacial e nuclear.
No grave acidente na base de Alcântara, ocorrido a 25 de agosto de 2003, às vésperas do lançamento do VLS, o foguete brasileiro, morreram 21 técnicos do Centro de Tecnologia da Aeronáutica, todos com grande participação no programa do lançamento do foguete brasileiro. As implicações para o avanço do projeto não foram, portanto, somente materiais, tendo sobretudo marcada e irreparável conotação humana, com previsíveis efeitos imediatos para a continuação do empreendimento. Não se tem indicação de que no campo espacial se haja registrado até agora um esforço de monta para a retomada do programa de forma comparável às expectativas de agosto de 2003.
Por outro lado, a fábrica de Resende, de enriquecimento de urânio, continua a provocar certas estranhezas em determinados círculos. É interessante notar que dentre os famosos BRICs [1]– os ditos emergentes – o único país que não domina a tecnologia nuclear é o Brasil. Merece louvor a nossa vocação pacifica. Ela se vê corroborada pela politica externa brasileira, em que as relações com os nossos vizinhos, não marcadas desde 1870 por qualquer conflito, constituem a caução e o fundamento para a norma constitucional.
Cometeria, não obstante, grave erro quem pautasse a política da atual oitava potência econômica, e com ambições de tornar-se a quinta, com os recursos naturais de que dispomos (neles incluídos o pré-sal), que nos resignássemos a visão de caudatarismo retrógrado, que, em nos despojando dos instrumentos do futuro, nos conduziria talvez a irresponsáveis e temerárias renúncias.
Podemos sepultar o ufanismo, com as suas visões liricas e ingênuas, mas em nossa caminhada, em um mundo de lobos, não podemos esquecer as máximas de nossos maiores. Será imprescindível, sem dúvida, adaptá-las às situações e aos desafios do século XXI. Quem ama a paz, como o Povo brasileiro, deve estar preparado para defendê-la.
[1] Acrônimo inventado pelo economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, que junta Brasil, Rússia, Índia e,China como as potências emergentes.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Notas Não - Diplomáticas

Palpite apressado e infeliz

O jornal O Globo, em sua edição de domingo, fez chamada de primeira página em que alegremente vaticinou a vitória do Fluminense em seu confronto com o Vasco da Gama. Falou e disse com a segurança da lógica: Fla e Flu, a um passo das semifinais. “ O Fluminense poder(á) garantir hoje a vaga nas semifinais da Taça Rio. (...) O tricolor jogará contra um Vasco em crise no Maracanã.”
Reli, estarrecido, a notinha. Pensei: desde quando lógica decide jogo de futebol ? O clube da Colina é uma grande equipe, tem tradição e história respeitável, não devia ser tratado como time pequeno. E. neste momento, imbuído já de uma meia-certeza, disse para os meus botões: se estivesse no lugar deles, não me arriscaria a menosprezar a força de reação do C.R.V.G.
Para o futuro, recomendo aos senhores do Globo – e da Rede Globo também – que não se apressem em seus palpites. Não transmitam impressões errôneas que podem ser eventualmente distorcidas, como se as organizações Globo não tivessem grande apreço pelo Vasco... O que seria uma grande injustiça, não é verdade?

Da Nova Camisa do Vasco

Presidente Roberto Dinamite, sei do trabalho e da dedicação que tem manifestado pelo Vasco. A sua luta pela pronta saída do time da Série B Nacional (em que fomos parar por causas bem conhecidas), e ainda por cima com o ganho de mais um troféu. Tudo isso, no entanto, Presidente, não me faz achar bonito ou apropriado o novo uniforme do Vasco.
Prefiro não discutir sobre gosto, porque os latinos já nos ensinam que é matéria que não deve ser debatida... Mas daí a aceitar para uma equipe com a tradição do Vasco da Gama, e a sua famosa camisa do Expresso da Vitória, e de tantas outras formações, inclusive aquelas em que Roberto Dinamite se tornou mais um ídolo da torcida vascaína ao lado de Ademir, Danilo, Sabará, Pinga e muitos mais...
Mostre, Roberto Dinamite, que além de amor ao Vasco, o senhor tem grandeza. Desista desse projeto infeliz de um uniforme extemporâneo !
Não nos impinja, em decisão que contraria do Conselho dos Beneméritos ao mais modesto torcedor, esta camisa que nada tem a ver com a longa tradiçao vascaína! E já imaginou se a moda pega, e se os uniformes dos outros grandes cariocas também fiquem irreconhecíveis ?

A Lei da Reforma da Saúde (Contd.)

Com a aprovação pelo Senado e pela Câmara do pacote de medidas de reconciliação fiscal – cumprindo-se dessarte o compromisso da bancada democrata no Senado de introduzir modificações no seu projeto anterior, que fora aprovado de conformidade com tal entendimento pela Câmara – e sem nenhum voto republicano, a segunda parte da Lei da Reforma da Saúde subiu à mesa presidencial, para a sanção de Barack Obama.
Há alguns aspectos que me parecem merecedores de análise. Comecemos pelos negativos.
O comportamento do Partido Republicano representou melancólica confirmação de que o G.O.P. pode ser grande e velho, mas tornou-se presa da direita radical. Ao invés do bipartidarismo do passado – porque a composição dos partidos, se é uma exceção nos costumes parlamentares, deve ocorrer pois existem matérias em que sobreleva o interesse nacional – o que hoje se nos depara na política dos republicanos é uma postura extremista, movida pela premissa de que nada de bom há de vir do lado dos democratas.
No passado recente, quando os republicanos tudo fizeram para derrubar o Presidente Clinton (com a eventual ajuda deste, pelas suas escapadas), o respeito que tinham pelo Chefe de Estado pode ser intuído pelas frases de deputado DeLay (posteriormente cassado por atos contra o decoro) que o definia como um “scum bag” (mala de nojeiras), e pelo mais atencioso Dick Armey (hoje passado para o movimento de ultra-direita Tea Party), que soía referir-se a Clinton como “seu (não dele) Presidente”.
Atualmente, as coisas se radicalizaram ainda mais. A par de haver inúmeros convictos do ‘fato’ de que Barack Hussein Obama não nasceu nos Estados Unidos, a oposição republicana se tem manifestado, como menciona o articulista Paul Krugman, de forma, digamos, ainda mais incisiva e porque não dizer inquietante. O lider da minoria republicana na Câmara, John Boehner, declarou que a aprovação da reforma sanitária tinha sido um ‘Armagedão’[1]. Já o Comitê Nacional do Partido Republicano resolveu ir além.Ao lançar apelo para coleta de fundos, incluíu retrato da Speaker Nancy Pelosi, cercada por chamas, acrescentando, só para ser mais explícito, que ela está “na linha de tiro”.
E a ambiciosa Sarah Palin – a candidata a Vice de John McCain – divulgou mapa em que legisladores democratas estão sob a alça de mira de... fuzis.
Por mais que se furungue, não há atitude equivalente do Partido Democrata, e de seus membros, mesmo no aceso da oposição a George W. Bush. Eis que, na verdade, em um país de histórico de crimes políticos e de assassínios de líderes, tais alusões e mesmo ameaças constituem comportamento fora do pálio de qualquer elementar decência e claramente irresponsável.
Passemos agora aos positivos. As tentativas, ingênuas quiçá, mas sinceras, do Presidente Obama de colher apoio dos republicanos, diante da negativa extrema do G.O.P. – com as suas denúncias e acusações bem longe do racional, mesmo em se tratando de políticos – acabou repercutindo favoravelmente junto à boa parte da opinião pública americana.
E em meio ao choro e ao ranger de dentes dos republicanos, em muitos deles principia a repontar o temor de que talvez tenham ido longe demais, ao combater uma reforma sanitária que tem defeitos e lacunas – como a de não incluir a opção pública e a de excluir o proletariado interno, i.e., os imigrantes ilegais – mas representa progresso considerável, em termos de controle dos planos de saúde, de suas práticas de recusar membros com histórico de doenças, e pela inclusão de tantos milhões de americanos na faixa da pobreza, até ontem não cobertos por nenhum plano.
Aprovando a reforma sanitária, o Presidente Obama – que, depois de algumas tergiversações, arriscou o seu prestígio – quebrou um tabu na política americana. Desde princípios do século passado, que presidentes americanos tinham a ambição de trazer a assistência sanitária pública – a exemplo de tantos outros países – para os Estados Unidos. Colocando a reforma sanitária como a sua principal prioridade interna e malgrado a oposição sem quartel e a má-fé da coalizão das direitas – lembram-se das ditas ‘camaras da morte’ que, segundo republicanos, Obama estaria manipulando ? – o Presidente conseguiu o que tanto ele, quanto Hillary Clinton se tinham comprometido, ao ensejo da refrega das primárias, em fazer afinal aprovar pelo Congresso americano.
E foi o que aconteceu. Esta reforma decerto não é perfeita. Mas é muito melhor de o que antes prevalecia, vale dizer a ‘santa aliança’ entre associações médicas, farmacêuticas e planos de saúde, todos muito bem obrigado, a fruirem das vantagens do sistema de saúde mais caro do planeta.

( Fonte: International Herald Tribune )

[1] Segundo o Livro do Apocalipse, a batalha final entre as forças do bem e do mal.

domingo, 28 de março de 2010

A BR-319

Dizia Washington Luís, o último Presidente da República Velha, que governar é abrir estradas. No limiar dos trinta, o Brasil dispunha de melhor rede ferroviária de que rodoviária, reduzida então a estradas de terra, muita vez impassáveis. As comunicações e as viagens de maior alcance nestes vastos Brasis ficavam por conta da navegação de cabotagem, de que se encarregavam os Ita, da companhia Costeira, dentre outras.
Terá sido com Juscelino Kubitschek que realmente se construíu estradas neste país continente. Em cinco anos surge rede rodoviária respeitável, de Belém até Brasília, então um canteiro de obras, da futura capital federal a Belo Horizonte, Rio e São Paulo, e daí ao Sul, JK nos deixou magnífico legado. Hoje todos sabemos como se encontram as BRs, em péssimo estado de conservação, fruto do loteamento político do Ministério dos Transportes, das inúmeras pragas que o assolam, que vão da mediocridade de seus titulares – com a benévola negligência de Lula da Silva – à falta de planejamento, e por que não dizer de vergonha, haja vista o estado das vias em que entra ano sai ano os senhores governantes permitem que continuem a deteriorar-se.
Mas voltemos à maxima do presidente paulista (de Macaé), de que a imagem mais corriqueira é a do seu rosto casmurro, ao lado do Cardeal Leme, que o viera buscar no Catete para o longo exílio, decretado pela Revolução de 1930.
Naqueles tempos se poderia visualizar a construção de rodovia em toda parte. Hoje, no entanto, só ruralistas, desmatadores e políticos de poucas luzes podem falar da suposta necessidade de estradas em certas regiões da Amazônia. Tanto o Ministro Carlos Minc, quanto a sua antecessora, Marina Silva viram, impotentes, a pasta do Meio Ambiente ser utilizada com grande desfaçatez por Lula da Silva, como espécie de gigantesco biombo – ou, se preferem, de enorme Vila Potienkin.
Já me cansaram os emocionados compromissos retóricos de Sua Excelência, de sua palavra dissociada da realidade, como se deparou na memorável performance de consumado ator no palco da Conferência de Copenhague. Nós brasileiros que sabemos do decreto das cavernas, da MP da Grilagem, e da cara de pau de prorrogar ad infinitum a não aplicação das multas por desmate além da quota permitida, como poderemos nós acreditar nos propósitos ecológicos de Lula da Silva ?
Marina Silva se afastou do ministério do meio ambiente em um quase silêncio, como se aí coubesse a deferência a quem permitia, por triste oportunismo a deixar a cancela aberta por um punhado de votos, enquanto se depredam ou somem em fumaça recursos naturais e a bio-diversidade que ainda são a inveja de tantos estrangeiros.
Minc, por sua vez, é um ministro light, que luz mais na moda dos coletes, do que na consistência política. Criatura do Governador Sérgio Cabral, o seu peso é decorrência daquele de seu padrinho, que, por sua vez, depende de Lula, seja para reeleger-se, seja para recuperar parte dos royalties do petróleo, que lhe foram surrupiados pela fênix deputado Ibsen Pinheiro, enquanto o seu amigão e protetor dormia gostosamente.
Em todas as questões ambientais que promete defender, Carlos Minc vai colecionando constrangedora série de malogros. Veja-se, por exemplo, mais este caso, em que nova derrota se apresta a entremostrar-se por trás das árvores, árvores que com a construção da BR-319 terão os dias contados.
Disso o sábio Lula não se importa. Se as suas promessas fossem escritas na pedra, se poderia sugerir que, a exemplo daquelas cidades astecas de granito, em meio a um ambiente de desolação, também os melífluos votos de fé ecológica, sejam expostos em lápides adequadas, que, com a muda eloquência dos monumentos, insinuariam aos pósteros a sua presença dentre os fautores de desastre ambiental que, de renúncia em renúncia, se vai tornando inelutável.
Rasgar o estado do Amazonas com uma estrada faz parte também daquela marcha da loucura, de que nos fala a historiadora Barbara Tuchman. Será um câncer que rápido avançará, desmatando uma área por milagre até hoje preservada. Mas como Lula poderá dizer não a reivindicações políticas, mesmo que produzam tais devastações, se carece do apoio de forças partidárias importantes, como o governador do Amazonas e o seu Ministro dos Transportes ?
Escudado seja no temor reverencial de antigos correligionários, seja nos píncaros de esmagadora popularidade, Sua Excelência há de acreditar que a sua vitoriosa caravana há de passar, malgrado os protestos de dedicados ambientalistas – que se prodigam por um projeto geral e público, do interesse maior da Nação brasileira.
Precisamos acaso de estrangeiros que aqui venham para criticar a abertura de estradas na Amazônia? Em Fórum Internacional de Sustentabilidade, realizado em Manaus, o cientista americano Thomas Lovejoy apontou o óbvio. Ao lado do governador Eduardo Braga (PMDB), que participara, segundo o figurino oficial desta campanha, da inauguração de um trecho inacabado da BR-319 (Manaus – Porto Velho), Lovejoy sinalizou que as rodovias representam impactos sérios. Como estamos na Amazônia, poder-se-ía substitui-las por hidrovias ou então ferrovias.
Respondo a minha pergunta pela afirmativa. Neste deserto ambiental em vias de ser criado, é mister envidar esforços e acolher personalidades que aqui venham dizer alto e bom som o que os ambientalistas, em sua luta diuturna, já estão roucos de repetir.
Não podemos responder saindo de mansinho, ou fazendo tonitruantes promessas, logo desfeitas pelas realidades do poder. Carecemos de aliança formada por políticos anacrônicos, que defendam o bem público e o patrimônio de nossos recursos naturais. Pela ganância, negligência e obtusidade (a lista decerto aqui não termina), os demais países não mais têm a diversidade biológica de que o doutor Lovejoy inventou o conceito.
Para eles, os outros gigantes territoriais, tudo isso é história ou quase história. Será que este também deva ser o melancólico programa de governo de nossos políticos, agora que Lula da Silva pretende nos deixar, inda que acalente o sonho de retornar em 2014?

( Fonte: Folha de S. Paulo)

sábado, 27 de março de 2010

O ordálio do Juiz Garzón

O juiz Baltasar Garzón, pela sua ação meritória, tem sido referido, e em várias oportunidades, por este blog. Desta feita, no entanto, se uma vez mais ele se torna o objeto principal do comentário, há de intuir-se que preferiria não ter de postar este artigo.
O que seria inacreditável em qualquer outro país democrático, agora está ocorrendo na Espanha. Em uma reversão de papéis, que mais pareceria artifício novelesco em outros cenários, o corajoso juiz que tanto se assinalou no direito penal, ora enfrenta processo que lhe é movido por várias associações direitistas, e que para espanto de muitos está tomando rumo assaz desfavorável a Garzón.
Não será o juiz Baltasar Garzón o primeiro a ser perseguido não por alegados erros ou faltas, mas pelas suas qualidades. No que lhe concerne especificamente, pelo próprio esforço de que sejam julgados os crimes do franquismo contra a Humanidade.
O andamento da ação contra Garzón mostra a influência da direita – e das tendências franquistas – na Justiça espanhola. A tal propósito, semelha bastante ilustrativa a declaração de diretor da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco: “ Os tribunais espanhóis rotineiramente fracassam na investigação de alegações de horrendos crimes do passado, mas estão sendo surpreendentemente ativos em perseguir (prosecuting) um juiz que se empenhou em que sejam responsabilizados os envolvidos.”
O Primeiro Ministro José Luis Rodriguez Zapatero defendeu publicamente o juiz Garzón. Nesse sentido, autoridades governamentais apoiaram a solicitação deste magistrado, que a ação fosse tornada sem efeito.
Em vão. Apesar de o principal jornal espanhol, El País, definir como ‘acosso judicial’ o processo contra Garzón, a sua tramitação na justiça espanhola continua a avançar e não em favor de célebre juiz que indiciou Pinochet e investiga os terroristas do ETA.
A Suprema Corte espanhola, através de câmara de cinco membros, decidiu contra o apelo de Garzón para que a ação que lhe é movida seja arquivada. Os juízes não viram impedimento legal ou processual para a continuação da ação.
O caso volta para o juiz Luciano Varela da Suprema Corte. Tendo a cargo a investigação de Garzón, compete a Varela determinar se cabe a acusação. Embora a matéria esteja pendente, já em fevereiro Varela dissera que Garzón “conscientemente decidira ignorar ou contornar” a anistia promulgada em 1977 dos crimes cometidos na ditadura de Francisco Franco. A posição do juiz Garzón é a de que a anistia não se aplica aos crimes contra a Humanidade.
Se o magistrado Luciano Varela manifestar-se pelo indiciamento, Baltasar Garzón será automaticamente suspenso de suas funções.
Importa ter presente que Garzón ainda tem abertas opções de recurso, mas diante do surpreendente andamento desse estranho processo, a sua margem de atuação judiciária se vai estreitando progressivamente.
Com a conivência de muitos, a direita pode até vencer nesta ação (há ainda outra similar pendente de julgamento). A sua vantagem será no entanto provisória, porque é uma construção fundada em artifícios e vinganças burocráticas.
Mais cedo ou mais tarde, Baltasar Garzón prevalecerá. Sobre as liliputianas hostes que hoje intentam manietá-lo, para que os crimes do franquismo continuem soterrados, assim como suas tantas vítimas.

(Fonte: International Herald Tribune)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Lula, o TSE e a Imprensa

O índice de popularidade do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva terá elevado igualmente à sua estratosférica altura a capacidade presidencial de captar e processar a realidade. Nesse contexto, é conhecido o potencial de espaço com menor coeficiente de oxigênio de afetar o entendimento humano, induzindo-o a euforia e a visão existencial que apresentam muitas semelhanças com os sintomas da húbris.
A autoconfiança é atributo essencial para o êxito no desenvolvimento das diversas atividades. Sem embargo, também nesse aspecto se aplica o dito aristotélico quanto às vantagens da moderação. Sem formação acadêmica sólida, formado em grande parte por aquilo que Maxim Gorki denominara ‘a universidade das ruas’, Lula é decerto notável político, tanto pela inteligência quanto pela percepção. Com o carisma que possui, que é o agregado de longa travessia sindical e político-partidária, nosso presidente amealhou, no limiar de seu oitavo e último ano de mandato, considerável capital em termos de estatura interna e trânsito internacional.
Talvez em seu caso específico caiba o bordão por ele empregado: nunca antes neste país...
O sucesso, se colhido em porções excessivas, pode trazer consigo a própria armadilha. A sabedoria, antiga e moderna, ensina que a modéstia e mesmo a humildade são os medicamentos adequados para lidar com as insídias das visões deformadas por trajetórias cercadas por grandes aclamações.
Depois de longa hesitação, o Tribunal Superior Eleitoral ora começa a discernir o que a imprensa já apresentava há bastante tempo: no espaço de uma semana, duas punições atingem o presidente. Segundo o tribunal, Lula infringiu a lei eleitoral ao promover a pré-candidata Dilma Rousseff. Se a infração foi individuada em evento num sindicato de São Paulo, na verdade trata-se da chamada campanha antecipada, realizada em uma série de palanques, organizada em torno das sólitas ‘inaugurações políticas’, que a grande imprensa vem divulgando há diversos meses.
É comum ouvir de próceres políticos queixas contra a imprensa. Nesse sentido, o próprio pré-candidato do PSDB, José Serra, ataca os jornais que considera ‘levianos’. Engrossa, portanto, a corrente de Lula, que anteontem increpou de “má-fé” a cobertura dada pela mídia ao governo.
Anteriormente, o presidente Lula e o PT têm manifestado o que se identificaria como basilar incompreensão quanto à função do chamado ‘quarto poder’, que é a da crítica, essencial para a democracia. Nesse sentido, basta assinalar as tentativas de criação de conselho para “orientar, disciplinar e fiscalizar” a atividade do jornalismo (arquivada em 2004) e de comissão governamental para acompanhar a produção editorial de veículos de comunicação (inserida no controverso Programa de Direitos Humanos, de janeiro de 2010).
Por outro lado, dentro da ótica da “azia” que o leva a não ler blogs, sites, jornais ou revistas, se insere também o ‘conselho’ de Lula à midia, quando esta critica o chefe do governo, que tenha presente o seu índice de aprovação de 83%.
A intolerância à crítica é um dos primeiros sintomas de deficiência democrática. Dele sofre – e de forma acentuada – o caudilho Hugo Chávez, quando trancafia nas suas prisões todos aqueles que ousem contrariá-lo, como o proprietário da Tv Globovisión, Guillermo Zuloaga, e o ex-governador do estado de Zulia, Oswaldo Álvarez Paz.
No passado, seguindo o sábio conselho de seu então Ministro da Justiça, Lula não expulsou do país o correspondente do New York Times, Larry Rother. Marcou, assim, o presidente o espírito democrático do próprio governo. Por outro lado, a sua insatisfação com a crítica até hoje não ultrapassou os limites da inconformidade verbal.
Se continuar a pautar-se por essa linha, ganhará Luiz Inácio Lula da Silva mais um laurel – o de haver contribuído para que a plantinha da democracia continue a florescer no Brasil. Contidos os resmungos presidenciais, tenderá a aumentar por acréscimo tanto a aprovação contemporânea, quanto a mais importante, que é a histórica. Oxalá.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

quinta-feira, 25 de março de 2010

Deficit no Balanço de Pagamentos

De acordo com estimativa do Banco Central, o balanço de pagamentos do Brasil será deficitário em 2010. O rombo previsto está orçado em 49 bilhões de dólares.
Não é pouca coisa. Para chegar a tal cômputo, o Banco Central se baseia, entre outros elementos, no deficit de fevereiro p.p., que foi de US$3,3 bilhões no balanço de transações correntes (o resultante da balança comercial mais o balanço de serviços e rendas). Esse resultado mensal negativo foi o pior do mês, desde 1947, quando se iniciou a série estatística organizada pelo B.C.
Desde 2007, em que se registrou o último saldo positivo do balanço de transações correntes (apenas US$ 1,6 bilhão), as nossas contas com o exterior assinalam acentuado viés negativo.
Isto se deve notadamente à depreciação do dólar estadunidense, em relação ao real. O fato de o Brasil dispor de moeda apreciada quanto à principal divisa internacional, se representa dado positivo para o mercado externo, repercute negativamente na balança comercial, eis que (a) aumenta o preço em dólar de nossos produtos exportáveis e (b) barateia a cotação em moeda nacional na aquisição de bens e serviços.
Em outras palavras, encarecendo as nossas exportações, as torna menos competitivas, e, por conseguinte, tende a reduzi-las. Por sua vez, barateando as importações, o efeito sobre elas será inverso, pois as fará crescer. Por certo, não se limita a esse aspecto a sua contribuição para o incremento das despesas, eis que a depreciação relativa do dólar torna igualmente mais atraente o turismo, com a consequente pressão sobre o ítem ‘invisíveis’, e o resultante desequilíbrio no balanço de bens e serviços.
Certamente não é por acaso que a República Popular da China, mantendo artificialmente baixa a cotação do yuan renmimbi, vem coletando enormes superavits em sua balança comercial. Tampouco surpreende que os Estados Unidos venham gestionando com crescente insistência a adequação da moeda chinesa a níveis reais de mercado, de forma a diminuir a artificial vantagem usufruída pela RPC no intercâmbio com a superpotência.[1]
Há um outro dado nas previsões do B.C. que tende a tornar ainda menos favoráveis as perspectivas relacionadas com o deficit de US$ 49 bilhões. É que igualmente se antecipam investimentos estrangeiros no montante de US$ 45 bilhões durante o ano de 2010. Se as inversões estrangeiras são altas – praticamente equivalentes ao nível máximo atingido em 2008 – US$45,1 bilhões – tal montante não é suficiente para equilibrar as transações correntes.
Assim, haverá saldo negativo de US$ 4 bilhões – sempre se nos ativermos às estimativas referidas – em que o Brasil dependerá de empréstimos do setor financeiro, além de outros recursos do mercado de capitais para equilibrar a conta, o que, e é bom que se frise, não acontece desde 2001.
Esta eventual contingência de o Brasil achar-se a descoberto para realizar a indispensável equalização dos balanços terá, é verdade, importância relativa bastante inferior àquela verificada no começo da presente década. Com efeito, se em 2001, o resultado das transações correntes representava 65% de nossas reservas internacionais, o total projetado para 2010 corresponderia a 20% dessas reservas.
Tal diferença sublinha a considerável melhora na posição economico-financeira do Brasil. Sem embargo, o que preocupa no caso presente, é a tendência declinante de nossos saldos na balança comercial e o incremento da pressão deficitária na balanço de serviços e rendas. Os resultantes deficits na balança de transações correntes vinham sendo mascarados pelos investimentos estrangeiros e pelas entradas de capital de risco.
É um sinal de alerta em nossos dados macroeconômicos, a que se deve atribuir atenção maior do que aquela até o momento evidenciada pela mídia.

( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] Não é ocioso indicar que a China, em função desse desequilíbrio que lhe favorece na balança bilateral de comércio com os EUA, passou a ser a principal credora (em trilhões de dólares) de Washington.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A Censura como ferramenta das Ditaduras

Venezuela: dois pesos e duas medidas

O coronel falastrão Hugo Chávez se serve sem cerimônia da faculdade de falar através de televisão e rádio aos seus concidadãos. Ao contrário das democracias, em que os discursos dos presidentes são reservados às grandes ocasiões, com a eventual exceção de curta alocução radiofônica semanal, o caudilho venezuelano costuma ter programas de mais de hora com ‘conversas’ com o povo de seu país. Por outro lado, mediante o artifício das chamadas “cadeias nacionais”, que se repetem com farsesca frequência, todas as estações, inclusive as de cabo são obrigadas a integrar-se na grande corrente chavista.
Se o direito de falar ao eleitorado se afigura praticamente irrestrito para o presidente bolivariano, estarão mui equivocadas as personalidades políticas que, porventura, julgarem que dispõem de direito recíproco.
Acaba de acontecer naquele país mais uma demonstração do cerceamento da liberdade de expressão, que é tão característica dos regimes ditatoriais. O ex-governador do Estado de Zulia e ex-candidato à presidência da república, Oswaldo Álvarez Paz se tornou, a partir da madrugada de segunda-feira, 22 de março, mais um preso político nos domínios do coronel Chávez Frias.
Em um programa de Globovisión, o único canal de livre opinião ainda remanescente na república bolivariana, ao ensejo de entrevista, reportou-se ele a investigações divulgadas na Espanha (e referidas por este blog), que apontam membros da comunidade de inteligência venezuelana de estarem envolvidos no treinamento de guerrilheiros das Farc (Colômbia) e do grupo terrorista Eta, da região basca.
Segundo Álvarez Paz, o regime chavista possui relações com estruturas internacionais que servem ao narcotráfico (Farc e Eta). Por causa disso, o Ministério Público o indiciou por conspiração, incitação ao ódio e difusão de informação falsa (pena de oito a dezesseis anos de reclusão), e o Judiciário, que é também alinhado com o regime, determinou a prisão do ex-candidato governador e ex-candidato a presidente.
Chávez rechaçou de plano pedido do presidente do conselho espanhol, José Luis Zapatero, com a afirmação: “não damos apoio a nenhum grupo terrorista”.
Álvarez Paz continua detido na sede do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) e deverá apresentar-se hoje, em audiência, para apresentar em tribunal de Caracas a sua defesa.
Apesar da Carta Democrática da OEA, a vetusta organização até hoje não se animou a contestar os títulos democráticos do regime do coronel Chávez . Entrementes, outro recurso que acusa o presidente bolivariano de pôr em risco a liberdade de expressão, foi dirigido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), pelo Presidente do Conselho Nacional de Jornalistas (CNP), da Venezuela. Servirá para algo ?

O Contencioso Google – República Popular da China.

A contradição na China entre duas faces da liberdade - a política (censurada) e a econômica (livre, segundo as leis do mercado) – é, como se sabe, direta consequência do afastamento do então Secretário-Geral do Partido, Zhao Ziyang, por ordem do octogenário Deng Xiaoping. Em maio de 1989, Deng optou pela imposição da lei marcial, na linha sugerida pelo Premier Li Peng. A sucessiva tragédia na praça Tiananmen mostrou ao mundo o que implicava tal fatídica opção.
Colocadas as bases burocrático-autoritárias do regime chinês, em que os líderes têm mandato quinquenal, passível de uma reeleição, a receita preconizada por Deng, de liberdade econômica e absoluto controle do partido, ora restrito à faixa do poder político, tem sido aplicada com evidente êxito em termos de crescimento do PIB. Com efeito, a RPC está posicionada para ultrapassar em breve a economia japonesa, passando a ocupar o segundo lugar, inferior apenas à superpotência.
O conflito entre Google e o governo chinês, diante da decisão da multinacional de não mais conformar-se à censura na internet, evoluíu nos ultimos dias com o redirecionamento de seus milhões de usuários continentais para o site em Hong Kong.
No entanto, essa tentativa de Google de contornar a censura de Beijing através do site de Hong Kong – em que vige a democracia, por força das características do antigo território da Coroa britânica e das condições que presidiram à sua transferência para a China – não parece estar surtindo os efeitos desejados. Desrespeitando a liberdade do território de Hong Kong, as autoridades chinesas se valem da chamada muralha de fogo na internet, fazendo com que os consulentes não logrem acessar o site da Google.
A contraofensiva chinesa se subdivide em dois planos: defronte do redirecionamento de milhões de usuários chineses continentais para o seu site em Hong Kong, de imediato as operações da Google que permaneceram na RPC passaram a ser pressionadas, não só por parceiros comerciais chineses, mas também pelo próprio governo de Beijing.
Dessarte, China Mobile, a maior companhia chinesa de celular, estaria prestes a cancelar um acordo que coloca o sistema de procura da Google na ‘home page’ de seu celular (o qual é empregado por milhões de chineses diariamente). Por outro lado, a segunda maior operadora de celular na RPC, China Unicom, estaria considerando adiar ou abandonar a sua iminente introdução de aparelho celular baseado na plataforma Android da Google.
Existe, outrossim, a possibilidade de ações ainda mais drásticas de parte das autoridades, como o fechamento do serviço dessa companhia de acesso à internet chinesa, seja pelo bloqueio do acesso ao endereço continental da Google na RPC, google.cn, ou para seu site em Hong Kong, google.com.hk
Como assinala o comentário inicial do International Herald Tribune, nesta luta, tanto o governo chinês, quanto Google – duas forças dominantes no mundo moderno – se arriscam a perder prestígio (lose face), dinheiro e poder.
A escolha do autoritarismo como solução – que pareceu natural a Deng, um comunista da velha escolha – pode, na verdade, acirrar contradições e, ironicamente, tornar-se um fator complicador de inimaginável potencialidade.

( Fontes: O Globo e International Herald Tribune)

terça-feira, 23 de março de 2010

Enfim a Lei da Reforma da Saúde

A vitória do Presidente Barack Obama e do Partido Democrata não pode ser minimizada. Dada a secular dificuldade em tornar os planos de saúde nos Estados Unidos mais humanos e abrangentes, o feito alcançado pela Administração Obama – que elegera a reforma do plano de saúde como a principal meta prioritária no plano da legislação interna – não é ocasião para ser passada como se se tratasse daquelas leis que tantas vezes deparamos presidentes assinando os diversos papéis com diferentes canetas, de modo a podê-las presentear aos inúmeros legisladores que hajam julgado oportuno aparecer para a chamada foto do evento na Casa Branca.
Malgrado a míope e – por que não dizer ? – obscurantista oposição republicana – que não contribuíu com sequer um voto para a aprovação – contra o Plano Geral de Saúde, não faltou aos principais partícipes deste singular momento político a nítida consciência de estarem colaborando para a construção de um marco historicamente significativo para o povo americano. Nesse contexto, o instantâneo da Speaker Nancy Pelosi, portando o grande mortelo utilizado para a sanção do programa Medicare (auxílio médico aos mais idosos), na presidência de Lyndon Johnson (1965) não é apenas simples petrecho para sinalizar um evento.
Na verdade, desde Theodore Rooselvel, no começo do século XX, a meta de um plano geral de saúde fora inacançável para os mandatários americanos. O último malogro foi o da presidência Clinton, quando a comissão presidida pela Primeira Dama Hillary Clinton sequer conseguira obter que as comissões do Congresso mandassem para o plenário o ambicioso plano.
A votação na Câmara de Representantes – que votou o projeto de lei aprovado anteriormente pelo Senado – foi de 219 a favor e 212 contra. Nenhum republicano votou ‘sim’, a par de trinta e dois democratas que, por considerações relativas ao próprio distrito eleitoral, resolveram dissociar-se de tão relevante projeto.
Não foi à toa que a Speaker Pelosi portava o simbólico e histórico martelo cerimonial. Como os leitores deste blog verificaram, foi a Câmara de Representantes que desde cedo se empenhou, sem hesitações de parte de Nancy Pelosi, na grande campanha. Pelosi conseguiu, inclusive, que os deputados votassem o projeto senatorial, que, em muitos aspectos, é mais tímido do que o antes aprovado pela Câmara. A tal propósito, basta assinalar a sua inclusão da famosa opção pública – isto é, o Estado intervir diretamente na concessão de assistência sanitária estava prevista no plano da Câmara e não no do Senado.
Dentre os três grandes generais desta memorável campanha – a que o sectarismo republicano, dominado pela direita evangélica negou todo o apoio - carecem de ser mencionados, além de Nancy Pelosi, o líder da maioria no Senado, Harry Reid (Dem./Nevada) e Barack Obama.
Sem trepidações desde o começo, a deputada Nancy Pelosi foi quem portou o estandarte da reforma com tenaz decisão e firmeza. Quando o Presidente Barack Obama, abalado pela inesperada vitória do desconhecido Scott Brown para o assento de Ted Kennedy, passou a ouvir os conselhos do Chefe de Gabinete Rahm Emanuel de reduzir o engajamento no Plano de Saúde, foram as palavras fortes de Pelosi que o demoveram de evidenciar tal fraqueza.
Presidente e chefe da maioria democrata na Câmara, a sua presença aí faz rememorar a figura de Sam Rayburn, falecido em 1961, e que foi por dezessete anos o mestre inconteste da Câmara, obedecido por discípulos de nomeada, como o futuro presidente Lyndon Johnson. A despeito das defecções de representantes em distritos conservadores – e que temiam pela reeleição se associados com a reforma democrata – Nancy Pelosi teve a determinação e a habilidade políticas de fazer com que uma maioria da Cãmara engolisse o projeto do Senado, bastante mais moderado do que o anteriormente aprovado pelos representantes.
Também o Senador Reid demonstrou destreza ao fazer aprovar em quatro votações seguidas – com a maioria anti-filibuster de sessenta votos - o projeto do Senado, que foi inclusive deformado por emendas impostas por senadores democratas, algumas de estampo casuísta, que se valendo de peculiaridades regimentais lograram impingi-las no texto geral.
Quanto ao Presidente Obama, a princípio a respectiva liderança luziu muito débil, eis que não procurava transmitir instruções claras quanto a pontos controversos da legislação. Dando demasiada amplitude à autonomia de comitês de Senado e Câmara, os dois projetos de lei quando ultimados apresentavam marcadas diferenças.
Pode-se dizer que a longa tramitação da reforma constitui virtual aprendizado político para o Primeiro Mandatário. Perdeu demasiado tempo com reuniões e almoços na Casa Branca, com a chamada gang dos seis, que integravam Senadores republicanos do Comitê de Finanças presidido pelo Senador Max Baucus (Dem./Montana). Ingênuamente, Obama contara angariar apoio republicano. As supostas aberturas nas conversas na residência presidencial não levaram a nenhum voto favorável republicano em plenário, havendo inclusive o comensal Senador Charles E. Grassley, republicano de Iowa, se associado à absurda e difamante estória de que o projeto preconizava câmaras da morte (isto é, para decidir quem se deveria deixar morrer).
As ilusões de Barack Obama quanto à perspectiva da adesão, mesmo parcial, em moldes bipartidários, do G.O.P. se dissolveram com o recente encontro de Blair House, que foi aqui noticiado. De qualquer forma, o esforço em prol do bipartidarismo do jovem Presidente foi notado com apreço pela opinião pública, que assinalou, em pesquisas de institutos especializados, esta louvável abertura presidencial a que o Partido Republicano se recusou em participar.[1]
Dessarte, mais pelas características do Partido Republicano, que acredita que deva ser de ferrenha oposição, mesmo em projetos de evidente interesse geral e nacional, do que pelos costumes atuais da política, contar com o apoio do G.O.P. evidencia visão política decerto ambiciosa, mas empiricamente deficiente, como, aliás, o resultado dessa interminável saga amplamente corroborou.
Para felicidade geral da Nação (conquanto uma parte teime em negá-lo) o Presidente Barack Obama na fase conclusiva teve a argúcia de compreender que a posição dos lideres democratas na Câmara e no Senado representava a única possibilidade existente de tornar-se o primeiro mandatário americano a sancionar plano da amplitude e repercussão social da Reforma Geral do Sistema de Saúde.
Como sempre há muitas vozes mais inclinadas a entrever no límpido céu de uma proposta enfim aprovada longínquas mas agourentas nuvens que no raciocínio politica ou profissionalmente direcionado de uma minoria só representa receita de malefícios e da invasão do temido bicho papão do chamado ‘socialismo’ que um movimento marginal como do ‘ tea party[2] (que congrega faixa ultra-direitista do eleitorado, em geral de poucas luzes, porém com grande e enaltecedora cobertura pela rede Fox, do magnata australiano,naturalizado americano, Rupert Murdoch) os quais procuram desmerecer a terrível ameaça com argumentos que pouco têm a ver com a realidade dos fatos.
Temos visto que na imprensa brasileira há certa propensão de magnificar os obstáculos e os alegados aspectos negativos da reforma. De alguns despachos, se colhe a impressão de que estejamos sendo atualizados sobre a posição republicana na matéria. Mas dada a genérica irrelevância dessas observações, bastaria apenas esta nota esclarecedora.
De qualquer forma, com dúvidas ou não, cabe ao Presidente Obama o mérito singular de levar a termo o que nenhum antecessor seu levara adiante com êxito. O último fracasso, posto que em um plano decididamente menor e de propósitos controversos, fora de seu imediato antecessor, o republicano George W. Bush.
Obama cancelou viagem ao exterior às vésperas da votação decisiva e dirigiu-se, em alocução apaixonada, aos correligionários democratas, buscando relembrá-los da importância histórica de seu voto.
Nancy Pelosi poderá ter sido na questão em tela the power behind the throne [3], mas será o Presidente que levantou a questão e a tornou, contra vento e maré, a sua principal prioridade. Ao cabo, a foto, sancionando a reforma - que tantos seus antecessores desejaram mas não souberam efetivá-la – o distinguirá do mundo inconspícuo dos que malograram.
(a seguir)

( Fonte: International Herald Tribune)
[1] Houve apenas um voto da Senadora Olympia Snowe (Maine), favorável ao projeto, porém apenas em nível de Comitê; e na Câmara, um voto isolado de um representante republicano para o primeiro projeto. Na votação decisiva sobre o projeto da Câmara, dentre os 219 votos pró não houve nenhum republicano.
[2] Referência aos grupos de americanos revoltados com as taxações da metrópole inglese sobre o chá, e que lançaram a revolução americana jogando ao mar sacos de chá no porto de Boston.
[3] O ‘poder por trás do trono’, com a indicação de influência determinante.

quinta-feira, 18 de março de 2010

A Academia Brasileira de Letras

A revista Veja-Rio, a Vejinha, dedica a reportagem de capa desta semana à matéria sobre a Academia Brasileira de Letras, com o título “As vantagens de ser Imortal”. Na capa de Vejinha surgem três senhores envergando o chamado fardão, à esquerda, o atual presidente.
Fundada em 1897 por Machado de Assis e Joaquim Nabuco, dentre outros, a Academia é uma cópia da Académie Française, criada pelo Cardeal de Richelieu, Ministro de Luis XIII, em 1635.
A influência francesa, tão presente em nossa literatura no século XIX, se reflete, outrossim, e de maneira mais carregada, na arquitetura do prédio-sede, que é cópia do Petit Trianon.
Essa forma extrema e por vezes prosaica de homenagem, que é a imitação, será encontrada em ulteriores características da entidade. Seus membros são também denominados ‘imortais’, o que pode ser considerado um laivo do humor machadiano.
Talvez sabedor de que a cooptação nesse mágico número de quarenta não garante, a par dos alamares, a fama imorredoura, o autor de Dom Casmurro não menospreza valer-se de importados requintes à guisa de eventual substituto de atração de qualidades mais raras.
A propósito, o próprio Machado já se deparara, a seu tempo, com altissonante negativa de integrar a nova sociedade literária, na pessoa do historiador Capistrano de Abreu. Com ele se inaugura linha de intelectuais, escritores e poetas de nomeada, que, ciosos da singularidade do respectivo talento, enjeita os ouropéis e os rituais acadêmicos.
Antes de completar o retrato da atual A.B.L., semelha oportuno assinalar-lhe caracteres que informam a natureza da instituição. Como o seu modelo, a nossa Academia é instituição do Estado, ou melhor dizendo, uma projeção do poder estatal. A recente e inútil reforma ortográfica constitui desse fenômeno interessante exemplo.
Que as reformas ortográficas se sucedem em terra tupiniquim em constrangedora frequência, é algo sabido. No seu artificialismo, nos trastornos e nas perplexidades provocadas – que hão de aproveitar a uns poucos - teremos acaso o retrato de um melancólico subdesenvolvimento cultural ?
Dessarte, enquanto contemplamos a inexistência nos tempos modernos de reformas ortográficas, não só no mundo anglo-saxônico, em que a língua escrita está livre das peias estatais, mas na própria França, não obstante a mãe Academia, o que dizer desse chorrilho de reforminhas que, por obra e graça de benévola negligência do estamento político, nos impinge o multifário ativismo acadêmico ?
O patrimonialismo do Estado brasileiro também informa a Academia. Se a reportagem demonstra a opulência dos meios próprios da ABL, a ponto de que até os jogos do espírito não prescindam da monetização para que tenham maior interesse agregado, a sua presente situação favorável não teria sido possível sem o favor do Estado através das épocas.
Como a sua inspiração francesa, a Academia brasileira é uma expressão do poder. Não costuma contrariá-lo, dentro de suas possibilidades. Assim, acolheu como seu membro no Estado Novo ao Presidente Getúlio Dornelles Vargas. Durante o regime militar, a Academia recebeu, por sua poesia, o general Aurélio de Lyra Tavares, que fora Ministro da Guerra, Membro da Junta Militar e Embaixador em Paris. No entanto, mas de conformidade com a coerência política acadêmica, eis que a sua popularidade não o tornava benquisto dos generais-presidentes, Juscelino Kubitschek aí perdeu a única eleição de sua vida.
Não obstante tais aspectos e sem esquecer as críticas ferinas de Agripino Grieco, forçoso será reconhecer que o brilho e o fasto acadêmicos, inda que por vezes embaçado e postiço, continuem a motivar a muitos, inclusive personagens do porte de João Guimarães Rosa. Mineiro de Cordisburgo, quiçá o maior romancista do século XX, cedeu aos encantos da musa acadêmica, que Carlos Drummond de Andrade enjeitara. O seu frágil coração, entretanto, de que a sombria premonição postergara a posse festiva, não resistiu por muito à diáfana glória dos salões.
Por fim, um registro das vantagens oferecidas por este clube sito à avenida Presidente Wilson. Se em termos de imortalidade, está assegurado jazigo no Cemitério São João Batista, já em benefícios vitalícios se incluem, de acordo com Veja Rio, salário (representação) de três mil reais; jetons para as conferências de quinhentos reais, e de mil reais, para os chás da tarde. Há passagens aéreas para os acadêmicos que não morem no Rio, além de hospedagem. E até um plano de saúde de um mil e quatrocentos reais mensais. Por fim, existem vantagens do tipo una tantum (de caráter excepcional), como a gratificação de ‘incentivo’ à participação na missa pelo centenário da morte de Joaquim Nabuco, na Igreja da Candelária. Essa bonificação se explica, segundo a VEJA Rio, pelas dificuldades encontradas em reunir um quorum adequado para o ofício religioso dedicado ao político, escritor e diplomata fundador da Academia.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Do Petróleo e da Federação

A aprovação pela Câmara dos Deputados da emenda Ibsen Pinheiro que modifica os critérios da distribuição dos royalties do petróleo seja do pré-sal, seja da preexistente explotação do petróleo submarino, terá muitas causas. Verdade é que os malogros em política são em geral orfãos de pais, eis que os eventuais fautores, sôfregos em reivindicar quaisquer êxitos, são demasiado modestos e tímidos na hora de assumirem responsabilidade por resultados desastrosos. O dever pode ser penoso, mas a culpa, se existente, carece de ser equanimente atribuída.
De início, cabe apontar a figura do governador Sérgio Cabral Filho que não soube – ou não pôde – arregimentar as forças para contra-arrestar a manobra parlamentar contra os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Faltou-lhe presença para atalhar a insídia do golpe; e anteriormente, para lograr real empenho de seu suposto aliado, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tem o Presidente Lula sua evidente parcela de responsabilidade. Prometeu ao governador Cabral ajuda e apoio a que não deu qualquer sequência visível, pois não veio para os estados do Rio e do Espírito Santo qualquer manifestação do prestígio presidencial em termos de sufrágios de deputados. E não consta que o fundador do PT tenha dificuldades em arregimentar as respectivas fileiras.
O erro de Lula não é só político, contudo. Também tem vertente anti-federativa, ao nada fazer para que um aprendiz de feiticeiro contribua para jogar o pomo da discórdia no pacto federativo.
A lista, no entanto, dos ineptos guardiães da máxima pacta sunt servanda – os pactos devem ser cumpridos – não se detem, todavia, nessas figuras de proa. As bancadas do Rio e do Espírito Santo são co-responsáveis nesse desastre. Se tivessem agido com competência e presteza, teria a poção do ex-anão do Orçamento logrado transformar-se na corrosiva emenda ?
Onde estavam os líderes das bancadas desses dois Estados que, como rebanho de carneiros destinados ao abate, permitiram que seus deputados nada fizessem, em termos de válidos recursos legislativos, para que a hora e a vez não soasse sob a batida ardilosa e astuta dos arregimentadores das hostes adversárias, com um resultado apenas imprevisível para os néscios e os tolos ?
Acha-se agora a emenda no Senado Federal. E não é que o mensageiro de desgraças aparece no Senado brandindo suposta emenda salvadora, que transfere a conta para a União ? Decerto que esta campanha não está perdida, malgrado os estragos sofridos no primeiro embate. O Senado ou pode engavetar a obra do deputado Ibsen Pinheiro, ou modificar-lhe o texto, reparando a espoliação sofrida por Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Para lutar contra a emenda anti-federativa, o Governador Sérgio Cabral convoca para hoje passeatas no Centro e concentração na Candelária. A respeito, o colunista Janio de Freitas reporta que “o Governo Federal mexeu-se para que meios de comunicação não incentivem a participação no protesto público convocado (...) pelo governador Sérgio Cabral. E nem mesmo o apoiem em suas indignadas reações à aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto que reduz a quase zero os ‘royalties’ do Estado do Rio e do Espírito Santo”.
Esta abstenção do Governo Lula – que é a decorrência da inação anterior, que permitiu a ruinosa votação na Câmara – é presságio de muito mau agouro para o Rio de Janeiro.
A tal respeito, importa relembrar ao Presidente Lula, então vestindo roupas cariocas, a sua fremente e emocionada participação na decisão pelo Comitê Olímpico de que caibam ao Rio de Janeiro as Olimpíadas de 2016. É bom recordar-lhe o empenho de então, diante da oportuna observação do presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, que aviva a presidencial memória de que se o Estado do Rio perder os recursos dos royalties do petróleo ficará “sem condições de fazer as obras necessárias para os jogos” , e se a situação “não for remediada, representará uma quebra de contrato”.
Como é sabido, senhor Presidente, governar não é só viajar e banhar-se no aplauso de multidões, estrangeiras e nacionais. Vossa Excelência tem sabido, através de seus líderes e comandados, evitar que emendas julgadas lesivas ao governo e à União prosperem no Congresso. Cabe-lhe agora remediar o descuido havido com a famigerada emenda Ibsen Pinheiro, para que as suas perniciosas consequências tanto para Rio e Espírito Santo, quanto para o pacto federativo sejam de pronto eliminadas.

terça-feira, 16 de março de 2010

Reforma da Saúde: Sinais de Perigo na Câmara

Havendo o Presidente Barack Obama se decidido afinal a tentar aprovação final pela Câmara de Representantes do projeto de lei do Senado para a Reforma do Plano de Saúde – o que deverá verificar-se no decurso da presente semana - há um espoucar de notícias contrastantes quanto às perspectivas de tal empresa.
Depois de manifestar pessimismo, a Speaker Nancy Pelosi evoluíu para cautelosa confiança. A despeito da folgada maioria democrata na Câmara, um conjunto de fatores – e sobretudo as implicações do pleito de novembro p.f., eis que o mandato dos deputados estadunidenses é de apenas dois anos – tende a condicionar aqueles representantes com a sua reeleição ameaçada a posições mais conservadoras.
Outro elemento importante está na circunstância de que os artigos relativos à cobertura do aborto pelo plano de saúde são mais liberais no projeto de lei do Senado em relação ao da Câmara. A esse respeito, existe a promessa de que no procedimento de reconciliação fiscal a ser aplicado pelo Senado – se o seu projeto for aprovado pela Câmara – serão retirados aqueles dispositivos com que um grupo de representantes democratas não concordam.
Em um processo de votação como o da reforma da saúde – que é o mais importante cometimento no plano interno da Administração Obama – não há de surpreender não só o vezo da ênfase no pessimismo pela mídia, como a forte barragem das hostes republicanas.
Em matérias dessa relevância, a mídia mostra pronunciada tendência para magnificar os obstáculos para a aprovação. Ao fazê-lo, atende a um duplo escopo: valoriza ainda mais o suspense e, por conseguinte, o potencial de atenção do tema para o público, enquanto não descura da possibilidade de cobrir as duas possíveis eventualidades.
Nesse sentido, segundo a atual pesquisa da CNN haveria 200 votos contrários na Câmara. Como a maioria para a aprovação é de 216, se confirmada tal estimativa, a margem para a vitória democrática na Câmara baixa se afigura bastante reduzida.
Por outro lado, as bancadas republicanas de Câmara e Senado têm acentuado a guerra de nervos contra a maioria democrata nas duas Casas, batendo nas teclas de que (a) a aprovação da reforma seria mal recebida pelo eleitorado e (b) o processo da reconciliação fiscal (a ser utilizado no Senado para evitar o filibuster) teria efeito contraproducente, pela sua suposta indevida utilização para legislação da importância da reforma sanitária.
As duas teses não passam, na verdade, de instrumentalizações da minoria, eis que (a) a não aprovação da reforma implicaria, ao invés, em desastre para a Administração Obama (basta relembrar o que ocorreu com a presidência Clinton após o malogro de seu plano de saúde) e (b) a reconciliação fiscal é um instrumento legislativo empregado por ambos os partidos (ironicamente os republicanos dele se serviram mais do que os democratas).
Em suma, a aprovação da Reforma do Plano Geral de Saúde é empresa difícil, mas nesse particular o Presidente Obama e o Partido Democrata estão obrigados a intentá-la. Na verdade, as grandes empresas envolvem sempre os perigos de travessia que os antigos designavam como os de Cila e Caribde.
( Fonte: CNN )

segunda-feira, 15 de março de 2010

Chávez e a Internet

Não há decerto de surpreender que o caudilho Hugo Chávez tenha agora assestado suas baterias contra a internet. Movido pela paranóia que é característica de sua estirpe, o coronel bolivariano já inclui entre os seus alvos a imposição de restrições à internet.
Pouco lhe importa que a liberdade seja o traço distintivo desse novo meio de comunicação. Assim, neste fim de semana, o presidente venezuelano determinou à Procuradoria Geral e ao presidente da Comissão de Telecomunicações da Venezuela, que tomem medidas judiciais contra o portal ‘Noticiero Digital’, por divulgação de notícia falsa. Nessa oportunidade, Chávez encareceu maior controle sobre a internet, eis que a divulgação de falsa notícia era “um crime”.
A esse propósito, o loquaz primeiro mandatário aduziu: “a internet não pode ser algo livre onde qualquer coisa pode ser feita ou dita. Não, cada país tem que poder ter suas regras e normas.”
A despeito das críticas que tem recebido, inclusivo da própria OEA, quanto a acosso da imprensa e sobretudo de redes de televisão abertas e a cabo, inclusive com o fechamento de 34 rádios em 2009, o caudilho não acena em mudar de estratégia.
Nesse contexto, a inclusão da internet é uma decorrência natural, se encarado o fenômeno sob a ótica distorcida e autoritária do coronel presidente.
O chavismo, pela sua mátriz de índole ditatorial, não pode conviver com a liberdade de informação, na qual vê ameaça conspiratória. Nos meios livres de comunicação entrevê a sinistra possibilidade de que as mentes de ouvintes e espectadores possam ser abertas para um juízo crítico das notícias porventura veiculadas pelos dóceis órgãos oficiais.
A ‘doutrina’ do coronel não mais se limita aos confins da Venezuela. No Equador, o seu discípulo Rafael Correa se empenha em aprovar nova lei de comunicação, que prevê sanções contra jornalistas e meios de comunicação, indo de advertências e multas à cassação de licença de funcionamento.
Não estranha, de resto, que o presidente Rafael Correa engrosse o coro dos que se associam à diarquia dos Castro. É do equatoriano a seguinte pérola: “O próprio Raul Castro me informou que Zapata não era um preso político e sim um delinquente, acusado de vários delitos. Está sendo feita uma grande propaganda com a morte de um dissidente preso.”

( Fonte: O Globo )

domingo, 14 de março de 2010

Das Desvantagens de uma Posição Ambivalente

Semelha difícil entender a posição do Governo Lula da Silva quanto à intervenção diplomática em matéria de direitos humanos, em geral, e de greve de fome, em particular.
A dificuldade cresce se tivermos presente a falta de coerência na tomada de uma posição, se se analisa a questão em diversas situações através de espaço mais largo de tempo.
Atualmente Lula declara ser contra a greve de fome, acrescentando já haver recorrido a tal instrumento no passado. Mudar de opinião é um direito que decerto lhe assiste. Cabe, no entanto, examinar um pouco mais detidamente a ‘greve de fome’ de Lula. A prisão do sindicalista em 1980 durou 31 dias. Nesse espaço de tempo, recusou alimentar-se por quatro dias. A par disso, acerca da sinceridade do intento pairam algumas guloseimas que foram descobertas em seu bolso.
Na sua posição hodierna de condenação genérica da greve de fome, afora os aspectos ético e humano envolvidos, o que mais repugna é a sua insensibilidade.
De acordo com esta atitude extrema, ele não se peja de pôr no mesmo cesto greves de fome despojadas de qualquer laivo de interesse personalista (como, v.g., as do Bispo D. Luiz Cappio e a de Orlando Zapata) e aquelas realizadas por “bandidos”, com o escopo de obter a liberdade de prisão decorrente da prática de crimes comuns.
Esta aparente incoerência não é original. O que confrange no capítulo é que professando opinião desse gênero, Lula – sem dúvida por desconhecimento – repete política de que são useiros e vezeiros os regimes ditatoriais. Porventura estará esquecido que os gerontocratas do Kremlin, antecessores de Gorbachev, mandavam internar em asilos psiquiátricos os dissidentes ? Talvez sob a dúbia premissa de que não havia distinção entre um alienado mental e um opositor do comunismo soviético, se atingia a meta de controlar duas diversas ‘loucuras’, com as ‘vantagens’ agregadas da descaracterização política e do nivelamento por baixo.
Ao defender hoje a oportunidade de respeitar as legislações de outros países,Lula há de contar com o comovente reconhecimento de todos os ditadores – do Líder Supremo Ali Khamenei e seu ‘presidente’Ahmadinejad à diarquia dos Castro – na eventualidade transformados em vaquinhas de presépio, na sua gostosa aprovação de tão política compreensão. Porque o direito que se arroga o poder soberano de desrespeitar e reprimir valores universais como os princípios constantes da declaração universal dos direitos humanos é apenas um pária, uma excrescência de um passado cuja sobrevivência será sempre periclitante, similar a dos foragidos que temem a própria sombra.
Em outros temas, reportei-me a um traço da personalidade política de Luiz Inácio Lula da Silva. Como Zelig, o anti-herói de Woody Allen, por oportunismo ou deficiência de personalidade, Lula evidencia o pendor artístico de adotar opiniões e posturas segundo as conveniências dos respectivos cenários. Para dar um exemplo: em Copenhague Lula é o defensor enérgico do ambientalismo ecológico; no Palácio do Planalto, assina a MP da grilagem e perdoa, repetidamente, multas devidas por desmatadores.
Sob o pano de fundo de que não é possível servir a dois Senhores, não é crível que alguém julgue teoricamente factível a prática de política fundada em uma contradição não-acessória mas essencial. A eventual sobrevida antes da inelutável tomada de contas pode ser empurrada e precariamente estendida por declarações e cincunlóquios de devotados auxiliares diretos, como se pode observar em matérias jornalísticas.
Mas os malabarismos do Assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, e do Ministro Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, são sombras que pairam sobre uma verdade, verdade esta que continuará a crescer, aqui e alhures, e a incomodar com sua importuna presença a imagem in fieri do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

sábado, 13 de março de 2010

O Povo não vivenciou a Crise

A Húbris é fenômeno já assinalado pelos antigos gregos, que se manifestava em determinados personagens, sobretudo aqueles elevados a posições de mando. Acreditando-se superiores ao comum dos mortais, incorriam em atitudes arrogantes e insultuosas, a ponto de que tal comportamento fosse julgado ofensivo aos deuses e, por isso, passível de severa punição.
Trata-se, portanto, de forma de alienação, em que, incensados pelo poder e seus obsequiosos servos, as personalidades são tomadas por peculiar embriaguez. Ao se julgarem em outro nível, tanto de percepção, quanto de entendimento, em relação aos demais, cometem um erro básico, do qual muitos outros se derivam.
A despeito da respectiva condição humana – e do seu caráter necessariamente falível – confundem a situação temporária em que se acham como se fora atributo inalienável e permanente. Os vapores do fasto e o fácil elogio dos áulicos são fatores determinantes dessa crescente perda da capacidade de apreender a realidade. Nesse contexto, a consciência das próprias limitações constitui auxílio prestimoso para aqueles ungidos às altas curuis do mando.
Não é estranhável que estejam mais afeitos à visão deformada de suas intrínsecas capacidades. A soberba não é característica única dos menos preparados que, por sua condição, se acham mais expostos a serem iludidos pelas melífluas promessas dos cortesãos. Por menos saberem dos percalços de seus maiores estarão mais propensos a aceitarem os untuosos encômios e os interesseiros conselhos das criaturas que vivem à sua sombra.
Em tempos recentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quiçá envaidecido por elogios dispensados também por seus iguais, tem evidenciado sintomas que não deixam de inquietar a muitos.
Ora, o chefe do governo tem diversos instrumentos para realizar o abrangente desempenho de suas atribuições. Dentre esses, deparamos o que o presidente americano Theodore Roosevelt chamou de bully pulpit (rostro do orador). Esta seria a função precípua do docente, que, pela persuasão, procura motivar os cidadãos em múltiplos aspectos de sua existência.
A respeito de declarações infelizes ou inoportunas de Sua Excelência, nesses últimos dias há de convir-se que abusa de sua humana quota de eventuais lapsos.
Na sua censura a quem oferecera a própria vida como protesto contra as ignomínias sofridas da ditadura castrista, faltaram muitas coisas a Lula. Basta, no entanto, assinalar duas: coerência e caridade. A impressão causada foi tão desconcertante, que levou antigo e distinguido companheiro de lutas a expressar-lhe palavras de espanto e revolta.
E na sua obstinada tentativa de qualificar de ‘marolinha’ o efeito da crise financeira internacional sobre o Brasil, como se há de interpretar a sua frase hodierna de que “o povo não vivenciou a crise” ? A história, esta nossa mestra de que não devemos descurar, pulula em frases, em declarações infelizes ou desastradas.
Para não aumentar demasiado o peso do juízo acerca dessa última pílula, será bom apenas lembrar que, além da queda do PIB – que o governo se esmerara em tentar mascarar como se fora progressão -, entre novembro de 2008 e janeiro de 2009, cerca de 797 mil empregos foram perdidos.
Talvez a alguns gestores pareça mais fácil personalizar a crise internacional. Depois da responsabilidade lançada aos olhos azuis do Norte, o bode expiatório da vez passa a ser os empresários nacionais.
Na verdade, graças ao dever de casa cumprido pelas administrações de Fernando Henrique e Lula da Silva, as consequências do descalabro americano e europeu foram aqui muito menores.
Mesmo às vésperas do processo eleitoral, não convém distorcer os fatos. Cumpre enfrentá-los como são e não esconder-se atrás de risíveis acusações. O compromisso com a verdade não é válvula a ser utilizada somente quando tal aproveita ao declarante.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Reforma da Saúde - Reta Final ?

A Reforma Geral da Saúde parece entrar na sua fase final. A propósito, o próprio Presidente Barack Obama declarou em discurso em St. Charles (Missouri): “Acabou o tempo das discussões; agora é tempo de votar”.
Diante da oposição republicana que já demonstrou à saciedade não estar interessada em reforma aprovada por acordo bipartidário, a liderança democrata resolveu partir para intentar a aprovação do projeto do Senado.
Esse projeto de lei seria votado inicialmente pela Câmara de Representantes, e a Speaker Nancy Pelosi está confiante em dispor da maioria de 216 votos para a sua aprovação.
Em seguida, o projeto seria reapresentado no Senado, dentro da fórmula da ‘reconciliação fiscal’, que lhe possibilita a aprovação por maioria simples (51 votos) e não pelos sessenta anteriores. Em se tratando de procedimento fiscal, só seriam abrangidos ítens orçamentários.
Em negociações com as bancadas democratas de Câmara e Senado se acertariam os projetos complementares relativos à Reforma da Saúde, que teriam o duplo escopo de satisfazer a exigências da Câmara e do Senado.
As maiores dificuldades para a aprovação estão nas disposições relativas ao aborto, em que o projeto do Senado foi mais liberal, e há deputados democratas que desejam tornar os artigos respectivos mais restritivos.
O Presidente Obama mudou de discurso. Voltou a ser o Barack Obama eloquente e incisivo da campanha eleitoral nas suas falas sobre a reforma na Pennsylvania e em Missouri. O Presidente realizará outrossim encontros com as bancadas afro-americanas e hispânicas do Congresso, para reiterar a respeito o seu empenho.
Por sua vez, o líder da maioria no Senado, Harry Reid afirmou: “estamos progredindo. Acredito que alcançaremos o objetivo da reforma de saúde a que perseguimos por tanto tempo.” Por sua vez, a Speaker Pelosi pretende reunir uma conferência geral da bancada democrata para aplainar as últimas arestas.
De seu lado, a minoria republicana tem buscado valer-se dos meios a seu dispor com vistas a impedir a temida aprovação da reforma sanitária. Além de atacar o instrumento da reconciliação fiscal – a despeito de te-lo utilizado várias vezes no passado -, a bancada republicana procura jogar com as discrepâncias nos projetos aprovados, respectivamente, por representantes democratas na Câmara, e pelos Senadores democratas na Câmara Alta.
Nesta linha, o Senador John Thune (Rep. – Dakota do Sul) : “Aconselho os representantes democratas a pensarem muito acerca do projeto do Senado, se eles não gostam dele. Pois, se votarem pelo projeto de lei aprovado pelo Senado, vocês também se tornam responsáveis pelas suas disposições”.
Depois da longa e difícil caminhada, em que se defrontaram com diversos obstáculos, as duas bancadas democratas terão de enfrentar a sua hora da verdade. A acirrada oposição republicana pode aclarar-lhes a visão de que, afinal, a reforma é necessária, e que a sua aprovação seria uma conquista do Partido Democrata e da Administração Obama. Já a derrota – o que no caso o seria por suas próprias mãos – implicaria em malogro comparável ao ocorrido com o projeto de reforma da presidência Clinton, com a consequente perda da maioria parlamentar.

( Fonte: CNN)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Da Doutrina Lula dos Direitos Humanos

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou de forma inequívoca a própria opinião quanto ao modo de procedimento do Estado brasileiro com relação às normas penais dos demais Estados.
Talvez algum especialista em direito internacional penal venha, por conseguinte, a designar a posição presidencial como ‘Doutrina Lula’.
Nesse sentido, para avivar a memória do leitor, me permito transcrever o pensamento presidencial consoante ontem publicado: “Temos de respeitar a determinação da Justiça e do Governo cubano, de deter as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem ao Brasil.”
No jornal de hoje já reponta a oportunidade de nova aplicação da doutrina Lula. A Junta Militar de Mianmar, preocupada em montar fachada democrática para a ditadura lá imperante, iniciou processo de promulgação de leis preparatórias da realização de eleições parlamentares.
A primeira a ser divulgada concerne diretamente a líder e Premio Nobel Daw Aung San Suu Kyi, que não poderá ser inscrita como candidata nas listas de seu partido. Em conjunto, se determina a proíbição a qualquer pessoa condenada de ser membro de partido político. Ora, surpresa! a disposição atinge Aung San Suu Kyi, condenada pela Justiça birmanesa a detenções e prisões domiciliares em catorze dos últimos vinte anos.
A legislação de Mianmar é bastante precisa, eis que estipula que a Sra. Aung San Suu Kyi sequer tem direito de ser membro de qualquer partido. Dessarte, no prazo de sessenta dias, os partidos devem registrar-se no novo Comitê Eleitoral (nomeado pela Junta), expurgando de suas listas todos os membros porventura condenados pela Justiça. Cessarão de existir os partidos que não se conformarem com tais regras.
A Junta Militar parece temer a prisioneira Aung San Suu Kyi. A ponto de que a maciça vitória de seu partido em 1990, nas últimas eleições livres realizadas na antiga Birmânia, foi ignorada pelo estamento castrense. Sob a benévola negligência dos países limítrofes, está coonestada a dominação pelo exército daquela Nação.
Os ditadores no mundo atual não são exatamente uma raça em extinção. Ainda existem vários com ares prósperos, a despeito das condições lastimáveis das esmagadoras maiorias que os sufragam em pleitos parecidos àquele de doze de junho p.p., em que o Supremo Líder Ali Khamenei em questão de horas cuidou da expedita proclamação da reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, malgrado as supostas evidências de fraude generalizada.
Devemos, por isso, antever um futuro brilhante para a Doutrina Lula, a do respeito ao oficialismo acima de tudo, e que ignora alegremente o Direito Internacional Penal e mais ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos ?
Afinal, esta Declaração Universal, aprovada
pelas Nações Unidas a dez de dezembro de 1948, estabelece em alguns artigos normas que não parecem se integrar na visão do estadista Lula da Silva, especialmente no que respeita aos direitos dos cidadãos de outros Estados: liberdade de opinião e expressão (art.XIX), liberdade de associação (art. XX), dentre muitas outras.
Nesse sentido, preocupam-me as perspectivas desta Doutrina – que abre janela de esperança para tantos regimes vilipendiados pela imprensa internacional – tendo em vista notadamente o seu artigo XXX, que rezaNenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado do direito de exercer qualquer atividade destinada a destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos”.
Coragem, Presidente Lula nesta sua campanha. Não sei se continuará a ser considerado “o Cara” por um que outro líder, mas o senhor terá decerto oportunidade de reunir novos comensais para os seus jantares diplomáticos.
(Fonte: International Herald Tribune)

quarta-feira, 10 de março de 2010

O Respeito Devido

De uns tempos para cá o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dado estranhas declarações. E não me reporto àquelas de política interna, como as de extrema condescendência com abusos e transgressões do Congresso, e diante de vídeos relativos ao escândalo do governo Arruda.
Já em sua recente passagem por Cuba, diante das fotos de congraçamento explícito com os irmãos Fidel e Raul Castro, mais do que a concomitante morte, por greve de fome, de Orlando Zapata, causou estranheza a sua insensível afirmação de na casa dos carrascos culpabilizar a vítima.
Para fundamentar a sua esdrúxula condenação da greve de fome, crê oportuno assinalar ter no passado se valido desse tipo de greve. Hoje, talvez esquecido dos motivos que na ditadura militar o levaram a recorrer a essa forma limite de protesto, se acredita justificado em desmerecer de tais intentos.
Não satisfeito com o que antes expressara, o Presidente Lula julgou oportuno dizer o quanto segue:
“Eu penso que a greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos para libertar pessoas. Imagina se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade.”
E como se tal pérola não fosse bastante, completou:
“Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano, de deter as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem ao Brasil.”
A pobreza conceitual de tais lamentáveis assertivas nos constrange e nos indigna. A crueza e impropriedade dessas observações poderiam estar na boca de tiranos como os de Miamar, Irã, Bielorússia, mas não de um chefe de governo democrata e livremente eleito pelo povo.
O anacronismo de tais despautérios não se detém aí. Que legislações internas são essas que se arrogam perseguir, penalizar e sufocar os direitos humanos, internacionalmente reconhecidos ?
A ditadura cubana pode não torturar como outros regimes, mas como então definir regime que se alicerça nos alcaguetes de quarteirão, na supressão das liberdades política e de pensamento, e no triste galardão dos cárceres de prisioneiros de consciência ?
Bandidos, senhor presidente, não costumam recorrer a esta derradeira e desesperada demonstração de convicção na validade do objetivo a que colimam, a ponto de empenhar-se com o único argumento que julgam restar-lhes e que tão acima vai das considerações pessoais.
Pode-se imaginar maior altruísmo do que este, que irmana, através dos séculos, não a malfeitores, mas a líderes políticos, intelectuais e religiosos?
Presidente, o senhor é homem inteligente, e deve abandonar a suposta azia à leitura, assim como continuar a prestar ouvido a arautos do passado, que como os Bourbon nada esqueceram e nada aprenderam.

( Fonte: O Globo )

CIDADE NUA ( II )

Doris (17)

Habituado aos percalços em hospitais públicos, o atendimento dispensado a Doris de certa forma o surpreendeu. Posto que esperassem uns quarenta minutos, o encarregado demonstrou segurança.
“Ela está com intermação. Problema bastante comum nesta época, sobretudo porque as pessoas não adotam os cuidados indispensáveis.”
“ O que é necessário doutor ?”
“ Ela apanhou muito sol, está desidratada, as primeiras bolhas aparecem aqui e ali...”
“ Isso é grave ?”
“ Não, se fizermos o que é preciso.”
A aplicação do soro intravenoso tomou bastante tempo, a ponto de obrigá-lo a telefonar para Sonia.
Na volta, passam por farmácia, onde compra os produtos que lhe foram recomendados na UPA.
Ao descerem do taxi, o porteiro Eurico corre para abrir-lhes o portão.
“ Dona Sonia tava preocupada...”
“ Não é o caso. Já tinha falado com ela.”
“ Ah, bem...”
Como se não mais estivesse ali, a aguardar o elevador para a solícita abertura da porta, Almir se dirigiu à empregada, dando as costas para o porteiro:
“ Chegando em casa, lave a cabeça com água fria, tome bastante água, e passe o hidratante e o creme nas regiões mais ressecadas e doloridas... Como é que você tá se sentindo ? As tonturas e o enjoo passaram ?”
“ Tou bem, doutor.”
No elevador, subindo para o sexto andar, ele completou:
“ Quero você hoje descansando. Procure tomar líquidos, mas devagar com a comida...”
“ Seu Almir”, disse Doris, com o seu melhor sorriso, “muito, muito obrigado por tudo. O senhor foi um anjo pra mim.”

* * *

terça-feira, 9 de março de 2010

O Litígio Brasil x Estados Unidos

As notícias nos jornais de que deverão subir dentro de um mês as alíquotas tarifárias de 102 produtos importados dos Estados Unidos pelo Brasil correspondem a mais um episódio de longo processo iniciado em 2002.
Com efeito, naquela data o Brasil entrara com ação na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os Estados Unidos, sob o argumento de que os programas de subsídios americanos distorcem os preços internacionais de algodão, tirando competitividade dos exportadores brasileiros.
Em 2006 o Brasil ganhou a ação, mas os Estados Unidos não ajustaram seus programas de subsídio às exportações de algodão. Diante do flagrante descumprimento por Washington da sentença da OMC, o Brasil decidiu valer-se de seu direito de retaliação, autorizado pela Organização em fins de 2009.
Colocou-se, então, a questão de o que retaliar. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) divulgou uma lista inicial de duzentos produtos importados dos Estados Unidos que poderiam ter as tarifas elevadas.
Manifestaram-se então os empresários brasileiros no sentido de que fossem excluídos os ítens considerados necessários à produção. Em consequência, os equipamentos foram retirados da lista.
Dentre os produtos restantes que teriam as tarifas de importação elevadas, existem alguns que afetam diretamente a artigos de consumo geral, como o trigo, cujo aumento de trinta por cento repercutiria no preço do pão. Esse incremento, se aumenta a receita do Tesouro, terá efeito negativo com a elevação do preço do pão (as importações brasileiras de trigo dos Estados Unidos têm crescido pela necessidade de suplementar a queda nos fornecimentos de trigo argentino).
Existem diversos outros artigos que, em função da ‘retaliação tarifária’do Brasil, teriam os respectivos preços aumentados, entre os quais automóveis, freezers, fogões, leite em pó, medicamentos contendo paracetamol, lâminas de barbear, etc.
Ao serem inteirados da decisão do governo brasileiro de que vai passar à retaliação, os Estados Unidos se manifestaram ‘desapontados’. Como a solução da retaliação é medida que tem repercussões negativas igualmente para o país que a impõe – máxime pelo encarecimento dos produtos importados, sendo portanto fator inflacionário – há interesse de parte a parte de evitar-se esta medida através de negociação de acordo. Foi o que ocorreu entre Brasil e Canadá, na questão da aviação civil. Ao invés de sanções, Brasília e Ottawa negociaram um acordo.
Se no presente contencioso do algodão, também houver vontade política de chegar-se a um acordo bilateral, caberia ao USTR americano iniciar a negociação de entendimento com as autoridades brasileiras, através de uma contraproposta. Para tanto, dispõe do prazo de cerca de um mês, até que as novas alíquotas tarifárias brasileiras entrem em vigor.
( Fonte: O Globo)

CIDADE NUA ( II )

Doris (16 )

Só quando se debruçou sobre a mulher é que se deu conta de que não se enganara na sua intuição.
“ Doris ! o que houve contigo ?”
A moça estava sozinha, as pernas estendidas sobre as pedras. Parecendo atordoada, custou a levantar a face na sua direção.
Por momentos, olhos esgazeados o contemplam, sem dar-lhe a impressão de que o reconheciam.
“ Doris ! ‘cê tá me ouvindo ?”
E as suas mãos pousaram no queixo da moça, como se quisessem firmar-lhe a visão.
Neste instante, o véu de ausência que ela trazia na expressão se dissipa. No olhar, reponta tímido brilho.
“ Seu Almir !...”
Discreta lágrima lhe mareja os cílios.
Desde que a alcançara, confirmando o que de longe pressentira, se mantinha na mesma posição. De cócoras, procura ver se está machucada. Basta leve contato dos dedos no rosto para que sinta a sua pele acalorada.
“ Ô Doris, o que fizeram contigo...”
Ela semelha envergonhada, menos pelo seu estado físico, do que pela aparência. Os panos brancos do vestido, amarrados na cintura, no vão intento de proteger as peles expostas do maiô duas peças, beiram o grotesco.
“Ignorância minha, seu Almir...”
O aspecto da moça, a febre que lhe arde na testa, o deixam inquieto. Ainda não sabe o quê fazer. Mais a examina, mais se convence de que deve levá-la ao posto médico do bairro, para que receba o tratamento adequado.
*
Não se espantou ao ver Paulo e Diogo.
“ O que que houve, companheiro ?”
“ É a Doris, a minha empregada... pelo visto, pegou uma insolação...”
Os dois cruzaram olhares meio céticos.
“ Acho que a menina precisa de tratamento médico...”
“ De acordo !”, disse Diogo, que era do ramo. “ Leva na UPA mais próxima...”
O amigo lhe deu as coordenadas, e com a ajuda da dupla, Almir apanhou um táxi.
“ A empregadinha dele, hein, bem jeitosa, não ?”
“ Essa tua língua, ô Paulo...”
*

segunda-feira, 8 de março de 2010

Esta é a companhia que desejamos ?

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, às vésperas de sua viagem para o vizinho Afeganistão, onde se entrevistará com o Presidente Hamid Karzai, julgou oportuno proferir mais um de seus paradoxos.
Com efeito, dele já é amplamente conhecido o absurdo de sua negação do Holocausto e, por conseguinte, da morte de seis milhões de judeus, vitimados por Adolf Hitler e o regime nazista.
Dentro dessa linha esquizofrênica, sem qualquer compromisso, seja com a verdade histórica, seja com qualquer resquício de decência, Ahmadinejad, o presidente reeleito fraudulentamente em junho passado, e solícito auxiliar na teocracia iraniana do Supremo Líder Ayatollah Ali Khamenei, volta a bater na tecla das despejadas denúncias, cuja única característica comum é a total falta de fundamento e, por conseguinte, renovado acinte à inteligência de seus ouvintes.
Agora, Ahmadinejad afirma que os ataques terroristas de onze de setembro de 2001 são uma “ grande mentira”, que “se destinou a preparar o caminho para a invasão de nação dilacerada pela guerra”.
Dentro dessa lógica tresloucada, que mais parece sair de algum hospício, os ataques contra as Torres gêmeas representariam “pretexto para combater o terrorismo e colocar as bases para o envio de tropas para o Afeganistão”.
Tais salvas na mitômana artilharia do senhor Mahmoud Ahmadinejad se destinariam acaso, segundo o peculiar entendimento do presidente iraniano, para criar o necessário ambiente para a sua visita ao presidente Hamid Karzai, a realizar-se no correr desta semana ?
De qualquer forma, a agenda e o desenvolvimento dessa visita colocam questões que são da alçada de Karzai. Dependente da aliança ocidental, liderada pelos Estados Unidos, o presidente afegão terá de desenvolver malabarismos com vistas a lidar com tais despautérios no contexto da visita.
Figura de proa de um regime que para intimidar a crescente contestação interna não trepida em enforcar estudantes culpados de manifestar-se em praça pública, Ahmadinejad não semelha o interlocutor de presidente com largo trânsito junto aos principais líderes mundiais.
Envolver o Brasil em tratos e acordos com um regime pária da comunidade internacional e ainda por cima visitar-lhe a capital em maio próximo não se coaduna com os princípios e a tradição da diplomacia brasileira. Defender as vantagens do diálogo com tais personagens, faz lembrar personalidades do entre-guerras que julgavam oportuno bater à porta da Chancelaria alemã, acreditando possível evitar o conflito mundial, apelando para o bom senso de Adolf Hitler. Todos sabemos como terminou essa estória.
Depois de uma tragédia conhecida, somente os ignorantes estão destinados a repeti-la como farsa. Ainda é tempo de que pessoas com conhecimento e juízo demovam nosso Presidente de tão insensato propósito.

( Fonte: CNN )