segunda-feira, 29 de março de 2010

A Lei da Reforma da Saúde (Contd.)

Com a aprovação pelo Senado e pela Câmara do pacote de medidas de reconciliação fiscal – cumprindo-se dessarte o compromisso da bancada democrata no Senado de introduzir modificações no seu projeto anterior, que fora aprovado de conformidade com tal entendimento pela Câmara – e sem nenhum voto republicano, a segunda parte da Lei da Reforma da Saúde subiu à mesa presidencial, para a sanção de Barack Obama.
Há alguns aspectos que me parecem merecedores de análise. Comecemos pelos negativos.
O comportamento do Partido Republicano representou melancólica confirmação de que o G.O.P. pode ser grande e velho, mas tornou-se presa da direita radical. Ao invés do bipartidarismo do passado – porque a composição dos partidos, se é uma exceção nos costumes parlamentares, deve ocorrer pois existem matérias em que sobreleva o interesse nacional – o que hoje se nos depara na política dos republicanos é uma postura extremista, movida pela premissa de que nada de bom há de vir do lado dos democratas.
No passado recente, quando os republicanos tudo fizeram para derrubar o Presidente Clinton (com a eventual ajuda deste, pelas suas escapadas), o respeito que tinham pelo Chefe de Estado pode ser intuído pelas frases de deputado DeLay (posteriormente cassado por atos contra o decoro) que o definia como um “scum bag” (mala de nojeiras), e pelo mais atencioso Dick Armey (hoje passado para o movimento de ultra-direita Tea Party), que soía referir-se a Clinton como “seu (não dele) Presidente”.
Atualmente, as coisas se radicalizaram ainda mais. A par de haver inúmeros convictos do ‘fato’ de que Barack Hussein Obama não nasceu nos Estados Unidos, a oposição republicana se tem manifestado, como menciona o articulista Paul Krugman, de forma, digamos, ainda mais incisiva e porque não dizer inquietante. O lider da minoria republicana na Câmara, John Boehner, declarou que a aprovação da reforma sanitária tinha sido um ‘Armagedão’[1]. Já o Comitê Nacional do Partido Republicano resolveu ir além.Ao lançar apelo para coleta de fundos, incluíu retrato da Speaker Nancy Pelosi, cercada por chamas, acrescentando, só para ser mais explícito, que ela está “na linha de tiro”.
E a ambiciosa Sarah Palin – a candidata a Vice de John McCain – divulgou mapa em que legisladores democratas estão sob a alça de mira de... fuzis.
Por mais que se furungue, não há atitude equivalente do Partido Democrata, e de seus membros, mesmo no aceso da oposição a George W. Bush. Eis que, na verdade, em um país de histórico de crimes políticos e de assassínios de líderes, tais alusões e mesmo ameaças constituem comportamento fora do pálio de qualquer elementar decência e claramente irresponsável.
Passemos agora aos positivos. As tentativas, ingênuas quiçá, mas sinceras, do Presidente Obama de colher apoio dos republicanos, diante da negativa extrema do G.O.P. – com as suas denúncias e acusações bem longe do racional, mesmo em se tratando de políticos – acabou repercutindo favoravelmente junto à boa parte da opinião pública americana.
E em meio ao choro e ao ranger de dentes dos republicanos, em muitos deles principia a repontar o temor de que talvez tenham ido longe demais, ao combater uma reforma sanitária que tem defeitos e lacunas – como a de não incluir a opção pública e a de excluir o proletariado interno, i.e., os imigrantes ilegais – mas representa progresso considerável, em termos de controle dos planos de saúde, de suas práticas de recusar membros com histórico de doenças, e pela inclusão de tantos milhões de americanos na faixa da pobreza, até ontem não cobertos por nenhum plano.
Aprovando a reforma sanitária, o Presidente Obama – que, depois de algumas tergiversações, arriscou o seu prestígio – quebrou um tabu na política americana. Desde princípios do século passado, que presidentes americanos tinham a ambição de trazer a assistência sanitária pública – a exemplo de tantos outros países – para os Estados Unidos. Colocando a reforma sanitária como a sua principal prioridade interna e malgrado a oposição sem quartel e a má-fé da coalizão das direitas – lembram-se das ditas ‘camaras da morte’ que, segundo republicanos, Obama estaria manipulando ? – o Presidente conseguiu o que tanto ele, quanto Hillary Clinton se tinham comprometido, ao ensejo da refrega das primárias, em fazer afinal aprovar pelo Congresso americano.
E foi o que aconteceu. Esta reforma decerto não é perfeita. Mas é muito melhor de o que antes prevalecia, vale dizer a ‘santa aliança’ entre associações médicas, farmacêuticas e planos de saúde, todos muito bem obrigado, a fruirem das vantagens do sistema de saúde mais caro do planeta.

( Fonte: International Herald Tribune )

[1] Segundo o Livro do Apocalipse, a batalha final entre as forças do bem e do mal.

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