segunda-feira, 1 de março de 2010

CIDADE NUA ( II )

Doris ( 8 )

Se bem que soubesse das horas mais tardias em que o casal acordava, não quis correr riscos. Bem cedo, tomou o seu café preto. Em seguida, tratou de preparar o farnel para o dia. Atarantada, não atinara a principio com esse modo simples de contornar a falta de dinheiro.
Num saquinho de pano, enfiou garrafinha com água gelada, e dois lautos sanduíches, um de mortadela, e outro com rodelas de tomate e alface. Pegou também pacotinho com biscotos maria, com que enganaria a fome até a hora da refeição.
Por fim, esgueirou-se do apartamento ainda de manhãzinha, a um tempo algariada como quem se apresta a peraltice, e um tanto inquieta pelo longo estirão em que estaria fora dos próprios domínios.
*
Quando atravessou a portaria, topou com as vistas curiosas do porteiro.
“ Cê trabalha lá com a donia Sonia no sexto andar, não é ?”
“ Sim.”
“ Ela não te deixa saí muito, né ?”
“ Tou nova no emprego...”
“ Mas ‘cê pode sair de noite, se quiser...”
Por primeira vez, ela o mediu com o olhar. Pairava de leve nos lábios sorriso de que Eurico não gostou. Parecia de mofa.
“ Com licença.”
E caminhou portão afora, sem se deter, inda que não soubesse ao certo que rumo tomar.
“ Quem é que esse estrepe pensa que é?”, resmungou entredentes, à medida que a via afastar-se, o jeito sobranceiro, o andar confiante.
*
Quando chegou ao calçadão, divertiu-se com o espetáculo. Viu que uma das pistas da avenida estava entregue aos pedestres. Não havia ainda muita gente, mas todos andavam ou corriam com cara séria, de quem está ali mais por obrigação do que por prazer. De resto, logo notou que a maioria calçava tênis, não dos fuleiros que se encontram lá pro interior, porém dos bonitos, que só de vê-los ela sentia o quanto deviam custar...
Não teve vontade, contudo, de imitar o que faziam. Preferiu sentar-se em cadeira de tenda ainda fechada, onde ficou, por um bom tempo, com as costas para o mar, contemplando todo aquele exercício. Havia pessoas de todas as idades, moços e velhos, alguns passavam inteiros, verdadeiros atletas que davam a impressão de terem mal começado a travessia, outros mostravam o esforço a pesar-lhe nos ombros e nas pernas, e mais uns poucos, com camisetas suadas e passadas irregulares, exaustos,que pareciam já nas últimas de demasiado longa corrida.

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