A vitória do Presidente Barack Obama e do Partido Democrata não pode ser minimizada. Dada a secular dificuldade em tornar os planos de saúde nos Estados Unidos mais humanos e abrangentes, o feito alcançado pela Administração Obama – que elegera a reforma do plano de saúde como a principal meta prioritária no plano da legislação interna – não é ocasião para ser passada como se se tratasse daquelas leis que tantas vezes deparamos presidentes assinando os diversos papéis com diferentes canetas, de modo a podê-las presentear aos inúmeros legisladores que hajam julgado oportuno aparecer para a chamada foto do evento na Casa Branca.
Malgrado a míope e – por que não dizer ? – obscurantista oposição republicana – que não contribuíu com sequer um voto para a aprovação – contra o Plano Geral de Saúde, não faltou aos principais partícipes deste singular momento político a nítida consciência de estarem colaborando para a construção de um marco historicamente significativo para o povo americano. Nesse contexto, o instantâneo da Speaker Nancy Pelosi, portando o grande mortelo utilizado para a sanção do programa Medicare (auxílio médico aos mais idosos), na presidência de Lyndon Johnson (1965) não é apenas simples petrecho para sinalizar um evento.
Na verdade, desde Theodore Rooselvel, no começo do século XX, a meta de um plano geral de saúde fora inacançável para os mandatários americanos. O último malogro foi o da presidência Clinton, quando a comissão presidida pela Primeira Dama Hillary Clinton sequer conseguira obter que as comissões do Congresso mandassem para o plenário o ambicioso plano.
A votação na Câmara de Representantes – que votou o projeto de lei aprovado anteriormente pelo Senado – foi de 219 a favor e 212 contra. Nenhum republicano votou ‘sim’, a par de trinta e dois democratas que, por considerações relativas ao próprio distrito eleitoral, resolveram dissociar-se de tão relevante projeto.
Não foi à toa que a Speaker Pelosi portava o simbólico e histórico martelo cerimonial. Como os leitores deste blog verificaram, foi a Câmara de Representantes que desde cedo se empenhou, sem hesitações de parte de Nancy Pelosi, na grande campanha. Pelosi conseguiu, inclusive, que os deputados votassem o projeto senatorial, que, em muitos aspectos, é mais tímido do que o antes aprovado pela Câmara. A tal propósito, basta assinalar a sua inclusão da famosa opção pública – isto é, o Estado intervir diretamente na concessão de assistência sanitária estava prevista no plano da Câmara e não no do Senado.
Dentre os três grandes generais desta memorável campanha – a que o sectarismo republicano, dominado pela direita evangélica negou todo o apoio - carecem de ser mencionados, além de Nancy Pelosi, o líder da maioria no Senado, Harry Reid (Dem./Nevada) e Barack Obama.
Sem trepidações desde o começo, a deputada Nancy Pelosi foi quem portou o estandarte da reforma com tenaz decisão e firmeza. Quando o Presidente Barack Obama, abalado pela inesperada vitória do desconhecido Scott Brown para o assento de Ted Kennedy, passou a ouvir os conselhos do Chefe de Gabinete Rahm Emanuel de reduzir o engajamento no Plano de Saúde, foram as palavras fortes de Pelosi que o demoveram de evidenciar tal fraqueza.
Presidente e chefe da maioria democrata na Câmara, a sua presença aí faz rememorar a figura de Sam Rayburn, falecido em 1961, e que foi por dezessete anos o mestre inconteste da Câmara, obedecido por discípulos de nomeada, como o futuro presidente Lyndon Johnson. A despeito das defecções de representantes em distritos conservadores – e que temiam pela reeleição se associados com a reforma democrata – Nancy Pelosi teve a determinação e a habilidade políticas de fazer com que uma maioria da Cãmara engolisse o projeto do Senado, bastante mais moderado do que o anteriormente aprovado pelos representantes.
Também o Senador Reid demonstrou destreza ao fazer aprovar em quatro votações seguidas – com a maioria anti-filibuster de sessenta votos - o projeto do Senado, que foi inclusive deformado por emendas impostas por senadores democratas, algumas de estampo casuísta, que se valendo de peculiaridades regimentais lograram impingi-las no texto geral.
Quanto ao Presidente Obama, a princípio a respectiva liderança luziu muito débil, eis que não procurava transmitir instruções claras quanto a pontos controversos da legislação. Dando demasiada amplitude à autonomia de comitês de Senado e Câmara, os dois projetos de lei quando ultimados apresentavam marcadas diferenças.
Pode-se dizer que a longa tramitação da reforma constitui virtual aprendizado político para o Primeiro Mandatário. Perdeu demasiado tempo com reuniões e almoços na Casa Branca, com a chamada gang dos seis, que integravam Senadores republicanos do Comitê de Finanças presidido pelo Senador Max Baucus (Dem./Montana). Ingênuamente, Obama contara angariar apoio republicano. As supostas aberturas nas conversas na residência presidencial não levaram a nenhum voto favorável republicano em plenário, havendo inclusive o comensal Senador Charles E. Grassley, republicano de Iowa, se associado à absurda e difamante estória de que o projeto preconizava câmaras da morte (isto é, para decidir quem se deveria deixar morrer).
As ilusões de Barack Obama quanto à perspectiva da adesão, mesmo parcial, em moldes bipartidários, do G.O.P. se dissolveram com o recente encontro de Blair House, que foi aqui noticiado. De qualquer forma, o esforço em prol do bipartidarismo do jovem Presidente foi notado com apreço pela opinião pública, que assinalou, em pesquisas de institutos especializados, esta louvável abertura presidencial a que o Partido Republicano se recusou em participar.[1]
Dessarte, mais pelas características do Partido Republicano, que acredita que deva ser de ferrenha oposição, mesmo em projetos de evidente interesse geral e nacional, do que pelos costumes atuais da política, contar com o apoio do G.O.P. evidencia visão política decerto ambiciosa, mas empiricamente deficiente, como, aliás, o resultado dessa interminável saga amplamente corroborou.
Para felicidade geral da Nação (conquanto uma parte teime em negá-lo) o Presidente Barack Obama na fase conclusiva teve a argúcia de compreender que a posição dos lideres democratas na Câmara e no Senado representava a única possibilidade existente de tornar-se o primeiro mandatário americano a sancionar plano da amplitude e repercussão social da Reforma Geral do Sistema de Saúde.
Como sempre há muitas vozes mais inclinadas a entrever no límpido céu de uma proposta enfim aprovada longínquas mas agourentas nuvens que no raciocínio politica ou profissionalmente direcionado de uma minoria só representa receita de malefícios e da invasão do temido bicho papão do chamado ‘socialismo’ que um movimento marginal como do ‘ tea party’[2] (que congrega faixa ultra-direitista do eleitorado, em geral de poucas luzes, porém com grande e enaltecedora cobertura pela rede Fox, do magnata australiano,naturalizado americano, Rupert Murdoch) os quais procuram desmerecer a terrível ameaça com argumentos que pouco têm a ver com a realidade dos fatos.
Temos visto que na imprensa brasileira há certa propensão de magnificar os obstáculos e os alegados aspectos negativos da reforma. De alguns despachos, se colhe a impressão de que estejamos sendo atualizados sobre a posição republicana na matéria. Mas dada a genérica irrelevância dessas observações, bastaria apenas esta nota esclarecedora.
De qualquer forma, com dúvidas ou não, cabe ao Presidente Obama o mérito singular de levar a termo o que nenhum antecessor seu levara adiante com êxito. O último fracasso, posto que em um plano decididamente menor e de propósitos controversos, fora de seu imediato antecessor, o republicano George W. Bush.
Obama cancelou viagem ao exterior às vésperas da votação decisiva e dirigiu-se, em alocução apaixonada, aos correligionários democratas, buscando relembrá-los da importância histórica de seu voto.
Nancy Pelosi poderá ter sido na questão em tela the power behind the throne [3], mas será o Presidente que levantou a questão e a tornou, contra vento e maré, a sua principal prioridade. Ao cabo, a foto, sancionando a reforma - que tantos seus antecessores desejaram mas não souberam efetivá-la – o distinguirá do mundo inconspícuo dos que malograram.
(a seguir)
( Fonte: International Herald Tribune)
[1] Houve apenas um voto da Senadora Olympia Snowe (Maine), favorável ao projeto, porém apenas em nível de Comitê; e na Câmara, um voto isolado de um representante republicano para o primeiro projeto. Na votação decisiva sobre o projeto da Câmara, dentre os 219 votos pró não houve nenhum republicano.
[2] Referência aos grupos de americanos revoltados com as taxações da metrópole inglese sobre o chá, e que lançaram a revolução americana jogando ao mar sacos de chá no porto de Boston.
[3] O ‘poder por trás do trono’, com a indicação de influência determinante.
terça-feira, 23 de março de 2010
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