O índice de popularidade do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva terá elevado igualmente à sua estratosférica altura a capacidade presidencial de captar e processar a realidade. Nesse contexto, é conhecido o potencial de espaço com menor coeficiente de oxigênio de afetar o entendimento humano, induzindo-o a euforia e a visão existencial que apresentam muitas semelhanças com os sintomas da húbris.
A autoconfiança é atributo essencial para o êxito no desenvolvimento das diversas atividades. Sem embargo, também nesse aspecto se aplica o dito aristotélico quanto às vantagens da moderação. Sem formação acadêmica sólida, formado em grande parte por aquilo que Maxim Gorki denominara ‘a universidade das ruas’, Lula é decerto notável político, tanto pela inteligência quanto pela percepção. Com o carisma que possui, que é o agregado de longa travessia sindical e político-partidária, nosso presidente amealhou, no limiar de seu oitavo e último ano de mandato, considerável capital em termos de estatura interna e trânsito internacional.
Talvez em seu caso específico caiba o bordão por ele empregado: nunca antes neste país...
O sucesso, se colhido em porções excessivas, pode trazer consigo a própria armadilha. A sabedoria, antiga e moderna, ensina que a modéstia e mesmo a humildade são os medicamentos adequados para lidar com as insídias das visões deformadas por trajetórias cercadas por grandes aclamações.
Depois de longa hesitação, o Tribunal Superior Eleitoral ora começa a discernir o que a imprensa já apresentava há bastante tempo: no espaço de uma semana, duas punições atingem o presidente. Segundo o tribunal, Lula infringiu a lei eleitoral ao promover a pré-candidata Dilma Rousseff. Se a infração foi individuada em evento num sindicato de São Paulo, na verdade trata-se da chamada campanha antecipada, realizada em uma série de palanques, organizada em torno das sólitas ‘inaugurações políticas’, que a grande imprensa vem divulgando há diversos meses.
É comum ouvir de próceres políticos queixas contra a imprensa. Nesse sentido, o próprio pré-candidato do PSDB, José Serra, ataca os jornais que considera ‘levianos’. Engrossa, portanto, a corrente de Lula, que anteontem increpou de “má-fé” a cobertura dada pela mídia ao governo.
Anteriormente, o presidente Lula e o PT têm manifestado o que se identificaria como basilar incompreensão quanto à função do chamado ‘quarto poder’, que é a da crítica, essencial para a democracia. Nesse sentido, basta assinalar as tentativas de criação de conselho para “orientar, disciplinar e fiscalizar” a atividade do jornalismo (arquivada em 2004) e de comissão governamental para acompanhar a produção editorial de veículos de comunicação (inserida no controverso Programa de Direitos Humanos, de janeiro de 2010).
Por outro lado, dentro da ótica da “azia” que o leva a não ler blogs, sites, jornais ou revistas, se insere também o ‘conselho’ de Lula à midia, quando esta critica o chefe do governo, que tenha presente o seu índice de aprovação de 83%.
A intolerância à crítica é um dos primeiros sintomas de deficiência democrática. Dele sofre – e de forma acentuada – o caudilho Hugo Chávez, quando trancafia nas suas prisões todos aqueles que ousem contrariá-lo, como o proprietário da Tv Globovisión, Guillermo Zuloaga, e o ex-governador do estado de Zulia, Oswaldo Álvarez Paz.
No passado, seguindo o sábio conselho de seu então Ministro da Justiça, Lula não expulsou do país o correspondente do New York Times, Larry Rother. Marcou, assim, o presidente o espírito democrático do próprio governo. Por outro lado, a sua insatisfação com a crítica até hoje não ultrapassou os limites da inconformidade verbal.
Se continuar a pautar-se por essa linha, ganhará Luiz Inácio Lula da Silva mais um laurel – o de haver contribuído para que a plantinha da democracia continue a florescer no Brasil. Contidos os resmungos presidenciais, tenderá a aumentar por acréscimo tanto a aprovação contemporânea, quanto a mais importante, que é a histórica. Oxalá.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
sexta-feira, 26 de março de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Não acredito que o autor consiga ver virtudes na campanha do presidente e seus amigos contra a imprensa. É o mesmo que dizer que o incendiário está de parabéns por não jogar gasolina no incêndio que criou. Na verdade, Lula se restringe a "resmungos" não porque queira, mas por ainda não ter conseguido minar as instituições o suficiente para dar o bote. O próprio blogueiro menciona o conselho de jornalismo e outras claras tentativas de controle. É triste ler que não ter expulsado Rohter é exemplo de democracia... Por isso quase todo tirano se vê como um grande democrata: a "democracia" é um favor pessoal seu, uma concessão que emana diretamente de sua cabeça.
Não vejo nenhuma tristeza na avaliação de que a não-expulsão de Larry Rother tenha sido um dado positivo para a democracia. No próprio artigo, está implícito que a decisão ( a contragosto ) de Lula se deveu ao Ministro Thomaz Bastos e sobretudo ao ascendente que tem sobre o Chefe do Governo.
Terá sido muito pior a efetivação da expulsão. Tenha-se presente que não entrei no mérito da questão. Aqui se trata de salvaguardar o direito da imprensa de criticar o poder e, eventualmente, apontar-lhe mazelas. Talvez Mauro não tenha lido com atenção todo o artigo. Três quartos dele representam apreciação bastante severa do Presidente. Nunca vi tão configurada a húbris como no caso de Lula. A esse propósito, leia-se a coluna de R. Noblat no Globo de hoje, 29 de março.
Obviamente, a expulsão teria sido muito pior. Mas me desculpe o autor, está em seu texto: "seguindo o sábio conselho de seu então Ministro da Justiça, Lula não expulsou do país o correspondente do New York Times, Larry Rother. Marcou, assim, o presidente o espírito democrático do próprio governo." Grande espírito democrático este: ter de ser contido para não cometer uma ilegalidade. Dada o contexto, é claro que foi o final menos danoso, mas mesmo assim minou a democracia. Melhor seria para o país se Lula simplesmente ignorasse o jornalista - mas ele viu uma oportunidade e a usou habilmente.
Não pretendo que esta troca de observações se prolongue demasiado, mas me parece relevante pedir a atenção do comentarista Mauro para, na frase citada, a expressão "marcado o espiríto democrático do próprio governo" (como não tenho o texto diante de mim pode haver alguma discrepância na citação, a qual, no entanto, não lhe afeta o sentido).
Ora, a participação de Lula no estabelecimento de um espírito democrático no Governo foi no caso em tela eminentemente passiva, acedendo às instâncias de Thomaz Bastos. A frase do blog dá um sentido geral à frase "próprio governo", sentido esse, de resto, inevitável,eis que, dadas as limitações de Lula, a sua gestão se opera forçosamente através de interpostas pessoas - 'primeiros-ministros' - como o foram José Dirceu (que chegou a, em se despedindo por causa do mensalão, reportar-se expressamente ao "meu governo") e agora Dilma Rousseff.
Postar um comentário