Dizia Washington Luís, o último Presidente da República Velha, que governar é abrir estradas. No limiar dos trinta, o Brasil dispunha de melhor rede ferroviária de que rodoviária, reduzida então a estradas de terra, muita vez impassáveis. As comunicações e as viagens de maior alcance nestes vastos Brasis ficavam por conta da navegação de cabotagem, de que se encarregavam os Ita, da companhia Costeira, dentre outras.
Terá sido com Juscelino Kubitschek que realmente se construíu estradas neste país continente. Em cinco anos surge rede rodoviária respeitável, de Belém até Brasília, então um canteiro de obras, da futura capital federal a Belo Horizonte, Rio e São Paulo, e daí ao Sul, JK nos deixou magnífico legado. Hoje todos sabemos como se encontram as BRs, em péssimo estado de conservação, fruto do loteamento político do Ministério dos Transportes, das inúmeras pragas que o assolam, que vão da mediocridade de seus titulares – com a benévola negligência de Lula da Silva – à falta de planejamento, e por que não dizer de vergonha, haja vista o estado das vias em que entra ano sai ano os senhores governantes permitem que continuem a deteriorar-se.
Mas voltemos à maxima do presidente paulista (de Macaé), de que a imagem mais corriqueira é a do seu rosto casmurro, ao lado do Cardeal Leme, que o viera buscar no Catete para o longo exílio, decretado pela Revolução de 1930.
Naqueles tempos se poderia visualizar a construção de rodovia em toda parte. Hoje, no entanto, só ruralistas, desmatadores e políticos de poucas luzes podem falar da suposta necessidade de estradas em certas regiões da Amazônia. Tanto o Ministro Carlos Minc, quanto a sua antecessora, Marina Silva viram, impotentes, a pasta do Meio Ambiente ser utilizada com grande desfaçatez por Lula da Silva, como espécie de gigantesco biombo – ou, se preferem, de enorme Vila Potienkin.
Já me cansaram os emocionados compromissos retóricos de Sua Excelência, de sua palavra dissociada da realidade, como se deparou na memorável performance de consumado ator no palco da Conferência de Copenhague. Nós brasileiros que sabemos do decreto das cavernas, da MP da Grilagem, e da cara de pau de prorrogar ad infinitum a não aplicação das multas por desmate além da quota permitida, como poderemos nós acreditar nos propósitos ecológicos de Lula da Silva ?
Marina Silva se afastou do ministério do meio ambiente em um quase silêncio, como se aí coubesse a deferência a quem permitia, por triste oportunismo a deixar a cancela aberta por um punhado de votos, enquanto se depredam ou somem em fumaça recursos naturais e a bio-diversidade que ainda são a inveja de tantos estrangeiros.
Minc, por sua vez, é um ministro light, que luz mais na moda dos coletes, do que na consistência política. Criatura do Governador Sérgio Cabral, o seu peso é decorrência daquele de seu padrinho, que, por sua vez, depende de Lula, seja para reeleger-se, seja para recuperar parte dos royalties do petróleo, que lhe foram surrupiados pela fênix deputado Ibsen Pinheiro, enquanto o seu amigão e protetor dormia gostosamente.
Em todas as questões ambientais que promete defender, Carlos Minc vai colecionando constrangedora série de malogros. Veja-se, por exemplo, mais este caso, em que nova derrota se apresta a entremostrar-se por trás das árvores, árvores que com a construção da BR-319 terão os dias contados.
Disso o sábio Lula não se importa. Se as suas promessas fossem escritas na pedra, se poderia sugerir que, a exemplo daquelas cidades astecas de granito, em meio a um ambiente de desolação, também os melífluos votos de fé ecológica, sejam expostos em lápides adequadas, que, com a muda eloquência dos monumentos, insinuariam aos pósteros a sua presença dentre os fautores de desastre ambiental que, de renúncia em renúncia, se vai tornando inelutável.
Rasgar o estado do Amazonas com uma estrada faz parte também daquela marcha da loucura, de que nos fala a historiadora Barbara Tuchman. Será um câncer que rápido avançará, desmatando uma área por milagre até hoje preservada. Mas como Lula poderá dizer não a reivindicações políticas, mesmo que produzam tais devastações, se carece do apoio de forças partidárias importantes, como o governador do Amazonas e o seu Ministro dos Transportes ?
Escudado seja no temor reverencial de antigos correligionários, seja nos píncaros de esmagadora popularidade, Sua Excelência há de acreditar que a sua vitoriosa caravana há de passar, malgrado os protestos de dedicados ambientalistas – que se prodigam por um projeto geral e público, do interesse maior da Nação brasileira.
Precisamos acaso de estrangeiros que aqui venham para criticar a abertura de estradas na Amazônia? Em Fórum Internacional de Sustentabilidade, realizado em Manaus, o cientista americano Thomas Lovejoy apontou o óbvio. Ao lado do governador Eduardo Braga (PMDB), que participara, segundo o figurino oficial desta campanha, da inauguração de um trecho inacabado da BR-319 (Manaus – Porto Velho), Lovejoy sinalizou que as rodovias representam impactos sérios. Como estamos na Amazônia, poder-se-ía substitui-las por hidrovias ou então ferrovias.
Respondo a minha pergunta pela afirmativa. Neste deserto ambiental em vias de ser criado, é mister envidar esforços e acolher personalidades que aqui venham dizer alto e bom som o que os ambientalistas, em sua luta diuturna, já estão roucos de repetir.
Não podemos responder saindo de mansinho, ou fazendo tonitruantes promessas, logo desfeitas pelas realidades do poder. Carecemos de aliança formada por políticos anacrônicos, que defendam o bem público e o patrimônio de nossos recursos naturais. Pela ganância, negligência e obtusidade (a lista decerto aqui não termina), os demais países não mais têm a diversidade biológica de que o doutor Lovejoy inventou o conceito.
Para eles, os outros gigantes territoriais, tudo isso é história ou quase história. Será que este também deva ser o melancólico programa de governo de nossos políticos, agora que Lula da Silva pretende nos deixar, inda que acalente o sonho de retornar em 2014?
( Fonte: Folha de S. Paulo)
domingo, 28 de março de 2010
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