Foi veiculada ontem pela imprensa a notícia de que o Presidente Lula, dentro da titânica luta pela eleição de sua candidata de algibeira, tencionava licenciar-se da presidência nos meses de agosto e setembro, até às vésperas portanto do primeiro turno presidencial, marcado para três de outubro.
Embutida no mesmo vazamento a revelação de que o presidente do Senado Federal, José Sarney, por ser o único dos sucessores constitucionais do Presidente da República que não tem de enfrentar as urna neste outubro, assumiria como presidente interino.
Esse aventado licenciamento presidencial – como outros procedimentos do Planalto que o Tribunal Superior Eleitoral vem tolerando – dificilmente se acordaria, senão com a letra, decerto com o espírito da legislação eleitoral, cujo óbvio escopo é o de colocar em paridade de condições na disputa os candidatos ao cargo presidencial.
Licença tirada com tal objetivo é um risco de giz, que dificilmente impedirá o exercício na prática das atribuições inerentes ao primeiro magistrado da República. Ao invés da isenção que antecessores seus respeitaram em passadas eleições, teríamos um presidente formalmente licenciado, mas na realidade com laços (e poderes) inextricáveis do inerente mandato em pleno vigor.
O vazamento-sondagem faz igualmente água de parte do eventual designado substituto. Sarney é um ex-Presidente da República que se assinala pelo próprio respeito ao que chama de liturgia do cargo. Dentro dessa linha coerente de pensamento, o senador José Sarney rejeitou a ideia, com argumento, nas palavras de Merval Pereira, imbatível, eis que um ex-presidente não pode voltar ao cargo como interino de ninguém.
Dessarte, o apoio incondicional de Lula ao Senador José Sarney, durante a crise que lhe ameaçara seriamente a manutenção na presidência da Câmara Alta, não terá demovido o aliado de sua negativa, por motivos de princípio e biografia, em prestar-lhe esse providencial agrado, no esforço presidencial de fazer Dilma Rousseff sua sucessora.
Dada a repercussão nos meios políticos e quem sabe além, o propósito de Lula ressurge demasiado marcado de suspicácias e de eventuais possibilidades de contestações mais graves, para que possa ser considerado como vencendo o primeiro teste nesta informal porém muito veraz sondagem.
Não cabem decerto incertezas quanto à férrea e comovente determinação de Sua Excelência. Palmilhando inclusive veredas que outros predecessores seus, por motivos vários, jamais se animaram em adentrar, pretende tudo fazer para que Dilma Rousseff, sua dileta e direta auxiliar, jamais antes provada por qualquer pleito, se torne a sua legítima sucessora, prolongando por mais quatro anos a presença do PT no Palácio do Planalto.
No seu afã de levar a cabo a tarefa ingente e de tantos méritos, ter-se-á acaso o nosso primeiro Presidente operário se detido um instante na rememoração dos sucessos históricos, em que a criatura, uma vez ungida com os petrechos do ofício, incorre na humana reação de entronizar o criador enquanto dele tenta distanciar-se, tangida pela também humana necessidade de pessoal afirmação ?
sexta-feira, 5 de março de 2010
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