O Presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem respeito intelectual e pessoalmente, pelo seu caráter democrático e pela sua produção sociológica – que lhe valeu o afastamento da cátedra – determinou ao seu então Ministro das Relações Exteriores que providenciasse a adesão do Brasil ao tratado em epígrafe.
Tal decisão poderia ser considerada coerente, se nos ativermos à orientação político-diplomática do governo do PSDB. Representou, no entanto, lamentável e traumática quebra na tradicional posição brasileira, expressa consistente e oportunamente pelos diversos antecessores do primeiro chanceler de FHC.
A diplomacia brasileira combatera nos governos pregressos o caráter exclusivista e antidemocrático do TNP, criando na ordem internacional duas classes de estados, os nucleares e os não-nucleares. Por isso – e não por precípuo escopo armamentista – o Brasil sempre rejeitara doutrinariamente o estabelecimento desse dualismo na ordem internacional.
A nossa contestação ao TNP nos levara, outrossim, a manter atitude de reserva com respeito ao Tratado para Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e Caribe, de fevereiro de 1967 (também chamado de Tlatelolco). Com a Constituição de 5 de outubro de 1988, esta posição evoluiria para a eventual dispensa disposta pelo artigo 28º do Tratado. Em não assinando a referida dispensa – pela faculdade que nos dava o parágrafo 2º do supracitado artigo – as disposições pertinentes de Tlatelolco não se aplicavam a nosso país.
No governo do Presidente Itamar Franco o Brasil por fim concedeu a famosa dispensa (D.O. de 16 de setembro de 1994). Nesse sentido, se enquadrou com a cláusula pétrea da Constituição que, consoante jurisprudência do Supremo, se acha inserida no parágrafo 2º do art. 5º, que reza: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Já em princípios do governo Lula, o Ministro Roberto Amaral (PSB), da Ciência e Tecnologia, afirma, em entrevista a reporter da BBC, que o Brasil não podia renunciar a nenhum conhecimento tecnológico, nem mesmo sobre a bomba atômica.
Boa parte da imprensa, e órgãos estrangeiros, criaram, com fins presumíveis, grande celeuma sobre o tema. O próprio Presidente Lula, em intervenção posterior, desautorizou as declarações em apreço. E, no que pode atribuir-se à consequência política, o Ministro Roberto Amaral foi substituído na pasta da Ciência e Tecnologia.
Contudo, se o alarido dos meios de comunicação lograra o seu escopo, semelha relevante repassar o que efetivamente disse o Ministro Amaral. Nos albores do primeiro mandato de Lula, em entrevista a BBC-Brasil, Roberto Amaral assevera que as áreas espacial e nuclear serão prioridades de sua pasta. Em seguida, expressa ele concordância com a ideia de que o Brasil tem de buscar o conhecimento necessário para a fabricação da bomba atômica. E com respeito a tal assertiva, apressou-se em qualificá-la: “Nós somos contra a proliferação nuclear, somos signatários do TNP, mas não podemos renunciar ao conhecimento científico” (meu o grifo).
A releitura das afirmações do conhecido e respeitado militante do PSB nos causa espécie, não por um eventual caráter impróprio da entrevista à BBC-Brasil, mas pela circunstância de serem alegadamente discutíveis observações como a prioridade à area espacial e nuclear e o imperativo de não renunciar ao conhecimento científico. Quem discorda desses princípios de orientação política, há de seguir, na verdade, objetivos obscurantistas, que consignariam o nosso país à retaguarda do conhecimento.
Como tais metas são inconfessáveis, os opositores das ideias do Ministro Amaral recorreram a métodos habituais, quais sejam a proposital confusão na referências aos tópicos criticados e a sua inserção fora do contexto lógico da breve exposição do então responsável pela pasta da Ciência e da Tecnologia.
E é deplorável que o novel Presidente Lula da Silva haja iniciado na prática o seu mandato, dissociando-se de política voltada para a progressão nas áreas espacial e nuclear. São bem conhecidos os entraves opostos ao desenvolvimento da indispensável tecnologia para que afinal alcancemos algum progresso no espaço e na matéria.
Infelizmente, o governo Lula da Silva, se não cuidou, como devera, de nossa infraestrutura viária e aeroviária, se na educação e na ciência a sua presença não é decerto conforme às dimensões de nosso país, alongaria por demais este artigo se desenvolvesse a visão panorâmica do quadro tão pouco alentador – e tão antinômico às prioridades tão oportunamente colocadas pelo Ministro Roberto Amaral – do estágio presente de nossos programas espacial e nuclear.
No grave acidente na base de Alcântara, ocorrido a 25 de agosto de 2003, às vésperas do lançamento do VLS, o foguete brasileiro, morreram 21 técnicos do Centro de Tecnologia da Aeronáutica, todos com grande participação no programa do lançamento do foguete brasileiro. As implicações para o avanço do projeto não foram, portanto, somente materiais, tendo sobretudo marcada e irreparável conotação humana, com previsíveis efeitos imediatos para a continuação do empreendimento. Não se tem indicação de que no campo espacial se haja registrado até agora um esforço de monta para a retomada do programa de forma comparável às expectativas de agosto de 2003.
Por outro lado, a fábrica de Resende, de enriquecimento de urânio, continua a provocar certas estranhezas em determinados círculos. É interessante notar que dentre os famosos BRICs [1]– os ditos emergentes – o único país que não domina a tecnologia nuclear é o Brasil. Merece louvor a nossa vocação pacifica. Ela se vê corroborada pela politica externa brasileira, em que as relações com os nossos vizinhos, não marcadas desde 1870 por qualquer conflito, constituem a caução e o fundamento para a norma constitucional.
Cometeria, não obstante, grave erro quem pautasse a política da atual oitava potência econômica, e com ambições de tornar-se a quinta, com os recursos naturais de que dispomos (neles incluídos o pré-sal), que nos resignássemos a visão de caudatarismo retrógrado, que, em nos despojando dos instrumentos do futuro, nos conduziria talvez a irresponsáveis e temerárias renúncias.
Podemos sepultar o ufanismo, com as suas visões liricas e ingênuas, mas em nossa caminhada, em um mundo de lobos, não podemos esquecer as máximas de nossos maiores. Será imprescindível, sem dúvida, adaptá-las às situações e aos desafios do século XXI. Quem ama a paz, como o Povo brasileiro, deve estar preparado para defendê-la.
[1] Acrônimo inventado pelo economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, que junta Brasil, Rússia, Índia e,China como as potências emergentes.
terça-feira, 30 de março de 2010
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