sábado, 6 de março de 2010

CIDADE NUA ( II )

Doris (13)

Ao invés de ir direto para casa, Almir muda de ideia. Resolve passar por um boteco na Pirajá, onde tem rodinha de amigotes e conhecidos. Não sabe ao certo se há de encontrar alguém, mas como mal passa de meio-dia, acha que é muito cedo para voltar.
Nesse bar, o balcão ocupa metade do espaço disponível. Outros famosos, como o Bracarense no Leblon, também se projetam na calçada, onde se espalham as mesas. Quando o público aumenta, os fregueses negociam rodinhas em torno de bancos, onde ficam os chopes e os tira-gostos.
Não era o caso da tendinha que frequentava. Não há mesinhas, com exceção de uma ou duas enfurnadas no fundo do corredor. Por isso, os habitués preferem encostar-se no balcão ou estar próximos dele. Em um aperto, aí depositam os copázios de chope, que alguns bebem junto com cálices da prelibada branquinha.
Se bem que não desdenhasse de um chope bem gelado, a que preferia quase sem colar, Almir dirá sempre aos apodos de Sonia – ‘bando de pinguços’ – que vinha mais pela companhia do que por biritas.
Havia gente que lá se demorava por largo, talvez demasiado tempo. Esses consumiam mais, e não raro quando se despediam, enrolavam a língua e um que outro embaraçava as pernas. Seriam, no entanto, exceções, pois a maioria deixavam os copos baixarem lentamente, e não costumavam ir além do segundo chopinho.
Dentre os fregueses, divertia a Almir a presença de um ou dois cachorrinhos. Estes se mexiam pouco, embora prestem muita atenção nos eventuais bocados de que o grupo ocasionalmente venha a servir-se. Contudo, se acaso se capacitam de que a sua extrema concentração de nada lhes aproveita, em desespero podem recorrer a duas posturas básicas, ambas com bom retrospecto : ou se sentam sobre as patinhas traseiras, enquanto estendem para a frente as perninhas dianteiras, com as patinhas voltadas para baixo, na clássica súplica canina; ou se deitam sobre o lombo, agitando as quatro perninhas, em atitude também ridícula, mas singularmente recompensada.
Se os bairros de antigamente desaparecem, nas areias movediças de modernidade sem esquinas e com profusão de shopping-malls, como restos de naufrágio não anunciado sobrevivem em cantos as mostras de uma convivialidade citadina que teima, por artes e caprichos, adiar uma sorte que parece marcada.
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