A revista Veja-Rio, a Vejinha, dedica a reportagem de capa desta semana à matéria sobre a Academia Brasileira de Letras, com o título “As vantagens de ser Imortal”. Na capa de Vejinha surgem três senhores envergando o chamado fardão, à esquerda, o atual presidente.
Fundada em 1897 por Machado de Assis e Joaquim Nabuco, dentre outros, a Academia é uma cópia da Académie Française, criada pelo Cardeal de Richelieu, Ministro de Luis XIII, em 1635.
A influência francesa, tão presente em nossa literatura no século XIX, se reflete, outrossim, e de maneira mais carregada, na arquitetura do prédio-sede, que é cópia do Petit Trianon.
Essa forma extrema e por vezes prosaica de homenagem, que é a imitação, será encontrada em ulteriores características da entidade. Seus membros são também denominados ‘imortais’, o que pode ser considerado um laivo do humor machadiano.
Talvez sabedor de que a cooptação nesse mágico número de quarenta não garante, a par dos alamares, a fama imorredoura, o autor de Dom Casmurro não menospreza valer-se de importados requintes à guisa de eventual substituto de atração de qualidades mais raras.
A propósito, o próprio Machado já se deparara, a seu tempo, com altissonante negativa de integrar a nova sociedade literária, na pessoa do historiador Capistrano de Abreu. Com ele se inaugura linha de intelectuais, escritores e poetas de nomeada, que, ciosos da singularidade do respectivo talento, enjeita os ouropéis e os rituais acadêmicos.
Antes de completar o retrato da atual A.B.L., semelha oportuno assinalar-lhe caracteres que informam a natureza da instituição. Como o seu modelo, a nossa Academia é instituição do Estado, ou melhor dizendo, uma projeção do poder estatal. A recente e inútil reforma ortográfica constitui desse fenômeno interessante exemplo.
Que as reformas ortográficas se sucedem em terra tupiniquim em constrangedora frequência, é algo sabido. No seu artificialismo, nos trastornos e nas perplexidades provocadas – que hão de aproveitar a uns poucos - teremos acaso o retrato de um melancólico subdesenvolvimento cultural ?
Dessarte, enquanto contemplamos a inexistência nos tempos modernos de reformas ortográficas, não só no mundo anglo-saxônico, em que a língua escrita está livre das peias estatais, mas na própria França, não obstante a mãe Academia, o que dizer desse chorrilho de reforminhas que, por obra e graça de benévola negligência do estamento político, nos impinge o multifário ativismo acadêmico ?
O patrimonialismo do Estado brasileiro também informa a Academia. Se a reportagem demonstra a opulência dos meios próprios da ABL, a ponto de que até os jogos do espírito não prescindam da monetização para que tenham maior interesse agregado, a sua presente situação favorável não teria sido possível sem o favor do Estado através das épocas.
Como a sua inspiração francesa, a Academia brasileira é uma expressão do poder. Não costuma contrariá-lo, dentro de suas possibilidades. Assim, acolheu como seu membro no Estado Novo ao Presidente Getúlio Dornelles Vargas. Durante o regime militar, a Academia recebeu, por sua poesia, o general Aurélio de Lyra Tavares, que fora Ministro da Guerra, Membro da Junta Militar e Embaixador em Paris. No entanto, mas de conformidade com a coerência política acadêmica, eis que a sua popularidade não o tornava benquisto dos generais-presidentes, Juscelino Kubitschek aí perdeu a única eleição de sua vida.
Não obstante tais aspectos e sem esquecer as críticas ferinas de Agripino Grieco, forçoso será reconhecer que o brilho e o fasto acadêmicos, inda que por vezes embaçado e postiço, continuem a motivar a muitos, inclusive personagens do porte de João Guimarães Rosa. Mineiro de Cordisburgo, quiçá o maior romancista do século XX, cedeu aos encantos da musa acadêmica, que Carlos Drummond de Andrade enjeitara. O seu frágil coração, entretanto, de que a sombria premonição postergara a posse festiva, não resistiu por muito à diáfana glória dos salões.
Por fim, um registro das vantagens oferecidas por este clube sito à avenida Presidente Wilson. Se em termos de imortalidade, está assegurado jazigo no Cemitério São João Batista, já em benefícios vitalícios se incluem, de acordo com Veja Rio, salário (representação) de três mil reais; jetons para as conferências de quinhentos reais, e de mil reais, para os chás da tarde. Há passagens aéreas para os acadêmicos que não morem no Rio, além de hospedagem. E até um plano de saúde de um mil e quatrocentos reais mensais. Por fim, existem vantagens do tipo una tantum (de caráter excepcional), como a gratificação de ‘incentivo’ à participação na missa pelo centenário da morte de Joaquim Nabuco, na Igreja da Candelária. Essa bonificação se explica, segundo a VEJA Rio, pelas dificuldades encontradas em reunir um quorum adequado para o ofício religioso dedicado ao político, escritor e diplomata fundador da Academia.
quinta-feira, 18 de março de 2010
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