domingo, 22 de julho de 2018

Ortega não tem saída

       O  escritor Sergio Ramirez, com 73 anos,  lutou nas hostes revolucionárias dos sandinistas, que derrubaram a ditadura dos Somoza. Era bastante próximo dos líderes do sandinismo, a ponto de haver sido escolhido vice-presidente de Daniel Ortega, entre 1985 e 1990. Deixa o cargo quando percebe que a revolução se encaminhava para rumos com os quais não concordava.
 
       Já em 1996, abandona a política, ao perceber que a revolução sandinista  tomava rumos com os quais não concordava.  Dedica-se, então, por inteiro à literatura. Desde então, não hesita em denunciar o governo de seu ex-parceiro.

        Ramirez após apontar a reforma de previdência  como o estopim da crise.  Para ele, tal foi apenas uma faísca, pois existia enorme inconformidade represada, após onze anos de governo de Ortega,  intensificando-se o controle social e político.
     
        Com a manobra legal  de Ortega para lograr o terceiro mandato, aumentou o sentimento de inconformidade.  Assim, quando  o presidente propõe a reforma da previdência, e as primeiras reações contrárias se externalizam,  a repressão do poder foi brutal.   Houve mortes - filhos de policiais e  filhos de funcionários públicos abatidos.

         A violência da reação causa uma rachadura no regime,  que  Ortega  não conseguirá reparar.
         Perguntado sobre o que mudara no  Ortega que ele conhecera tão de perto, o que Ramirez descreve é a típica involução de um revolucionário que ele pensara conhecer.  O Ortega que fora seu companheiro no poder "não tinha gana de poder eterno, não pretendia controlar tudo, e tampouco pensava em concentrar o poder."    E prossegue na sua  quase idílica descrição do que era o então Presidente Ortega:  "Ele não tinha gana de poder eterno, não pretendida controlar tudo, concentrar o poder. Não seria capaz de ordenar a repressão de hoje, não era o tirano de hoje.  Para ele, a Frente Sandinista dos anos oitenta também era outra.  Havia processos internos, debates. Não existia o caudilhismo.  A partir dos ano noventa,  Ortega se  torna figura centralizadora e acaba com o equilíbrio no Partido Sandinista.

          Perguntado sobre que plano Ortega tem ao comandar a atual repressão,  Ramirez  diz o seguinte:  Quando David Frost entrevista Nixon, ele o questiona porque havia feito o que fizera. Nixon o responde dizendo: "minha mãe viveu 98 anos".  Portanto, ele teria muita vida pela frente. "Acho que Ortega acreditava, e ainda acredita, que poderá manter o poder eternamente.  Ele crê que pode manter o poder  até 2021, colocar sua mulher na presidência, e depois voltar.  Em suma, crê poder governar indefinidamente (sic). Mas há um descolamento entre o que Ortega pensa e a  realidade.  Ele já não tem o apoio que tinha."                 
           "Como se explica então que em comícios e aparições de Ortega vemos milhares de pessoas. A que se deve tal apoio ?"
             Ortega tem muito apoio ainda, sem dúvida, porque tem grande aparato repressor, e máquina estatal que consegue levar milhares às ruas. Mas as imagens que vemos de comício na tevê são enganosas.  Videos feitos pelas pessoas nas ruas, postados nas redes sociais,  mostram que a corre- lação de forças se inverteu. Há menos de um ano, não existiam protestos contra ele.  Agora dezenas de  milhares  vão às ruas protestar e não se calam mais com a dura repressão da polícia, destes para-militares, gente que cobre o rosto e está disposto a matar por Ortega.
            " Há risco de uma guerra civil ?"
             "Não quero ver isso, porque outra guerra civil seria destruidora. A população e os manifes-tantes estão mais cívicos. Muitos se lembram das feridas da guerra civil, dos bebês e crianças mor-tos, das casas queimadas. Ninguém quer isso.  Mas a resistência civil, que é legítima, está sendo re-primida sem piedade, a custo que beira as 300 mortes.Já estamos no meio de um banho de sangue."
             "O senhor acha que Ortega aceitará novas eleições?"
             "Não. Porque pelo discurso que adota, ele acredita que está ganhando a guerra. Ele está ten-tando destruir o diálogo, desacreditar os mediadores, convocou apoiadores de Cuba e Venezuela. Que ele queira ficar, não tenho dúvidas. Mas a pergunta que não se cala é pode o país voltar a ser o que era antes de abril de 2018? Não pode. Se Ortega não ceder ao apelo por eleições antecipadas ou se não encontrarmos solução democrática, o que não queremos para o país virá: uma guerra civil.  A guerra civil veio  porque Somoza fechou todas as estradas para a substituição de seu regime. Nos últimos comícios  de Ortega, as pessoas usam camisas com os dizeres "se queda".  Me lembro como se fosse hoje, nos dias que antecederam a queda de Somoza, as pessoas usavam faixas  com esta mesma frase "se queda".
                " Como seria o futuro da Nicarágua sem  Ortega?"
                " Haveria profunda instabilidade, vácuo de poder, anarquia, e isso é um problema. Acredito que a história se repetirá e a política tradicional dos Estados Unidos, que sempre teve peso enorme nos últimos dois séculos, estará presente. A verdade é que esse processo doloroso pelo qual estamos passando ocorre  porque a repressão de Ortega e sua sede de poder liberaram um gênio do mal da garrafa. Isso tem consequências para toda a sociedade sem distinções de cores políticas. E são conse -
quências imprevisíveis."

(Fonte:  O  Estado  de  S. Paulo )




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