O verão helênico é
comumente associado a paradisíacas ilhas espalhadas no mar jônico, em especial
naquelas maiores, mas também ao sul, nas florestas de Ática e Peloponeso.
Mas há um detalhe nesse período
estival, que costuma irromper levando destruição e morte aos esgarçados bosques
nas montanhas e junto das pedreiras de travertino, de que tanto se serviram
para gravar textos que se sobrepunham ao tempo ou à fragilidade do papiro.
Por isso os turistas na Hellas, sejam os que se servem de carros
alugados, sejam os caminhantes que se orientam pelos textos de Pausanias,
buscam conviver com as montanhas que ainda ostentam templos das épocas arcaica e pré-clássica, como aqueles
do Peloponeso, alguns nas faldas de
montes sagrados. Ali Eolos sopra com raiva
e força, a ponto de que cercaram o antigo templo com patéticas cortinas de lona,
que lá estão para proteger as frágeis estruturas da antiguidade clássica e
mesmo pré-classica dos ventos inconstantes.
Lá os piores inimigos costumam ser
guimbas de cigarro tolamente lançadas ao capricho dos ventos. São florestas ralas e, por vezes,
desgrenhadas pelas anônimas, irresponsáveis intempéries dos milênios.
Diante das alvas fachadas dos prédios nas
avenidas de Atenas, se o olhar passasse pelo Liceu até enfurnar-se nas
desgrenhadas montanhas aonde se refugiam os galhos escassos de antigas,
despojadas florestas, poderá por vezes surpreender às vistas indiferentes os
caprichosos rolos de fumaça que se espreguiçam e alçam das profun-dezas da
rocha travertina para espalharem na longínqua vizinhança estranhos contornos
que, como maldito corredor de esquecidas
maratonas, se espoja no chão duro, gretado e pedregoso, e nos restos da
piromania do último verão.
À distância, mas com o aparente
sádico cuidado de acenar com o maldito próprio poder de arrastar-se por pedras
tão àsperas quão pontiagudas, e pelas espalhadas cinzas, o fogo, essa divindade indolente, que ora se
arrasta pelo chão, ora se lança aos pinheiros e àquela casinhola que escapou de
vulcano, para anunciar mais um
espetáculo de fogo e luzes, que os bombeiros exaustos intentem circunscrever,
que frágeis aviões teco-teco e cessnas
lançam patéticos, mas sinceros bolsões de água que semelham evaporar-se ao
misturar-se às chamas que irrompem aqui e ali, lá e acolá, na hedionda
brincadeira estival das piromanias dos deuses cruéis, cuja visita será sempre
inesperada por mais que se repita nas pedras, nas ameaças e nos perversos
acenos de uma luta maldita, que, como sacrifício a divindade infernal, jamais
acena a extinguir-se.
( Fontes: Atenas, Suddenly last summer.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário