domingo, 8 de julho de 2018

Agora May quer área de livre-comércio...


         

         Quando David Cameron, Primeiro Ministro de Sua Majestade,  teve a brilhante idéia  de realizar o plebiscito sobre a permanência do Reino Unido, várias fenômenos ocorreram: a) os esqueletos dos líderes ingleses - que haviam batalhado para ingressar na UE após o desaparecimento do rochedo de Gaulle, contra o qual suas tentativas se tinham esboroado - voltaram a agitar-se diante da estúpida proposta de mais um referendo sobre a permanência do Reino Unido na U.E.; b) enquanto apareciam novos líderes - que semelhavam ignaros de o que custara adentrar a Comunidade Europeia -  estava no governo alguém que, seja por loucura, seja por estupidez, pensara que pudesse desperdiçar a ficha da permanência na U.E., pela qual tanto tinham batalhado seus antecessores para unir-se ao mercado europeu, que a insular e velha Inglaterra  não mais sentia pudesse dispensar.
            Pois houve alguém em  10 Downing Street,  que pensara, seja por loucura, seja por imbecilidade ou pasmosa displicência, que pudesse servir-se dessa moeda valiosa no escambo dos inúteis plebiscitos, como se fora favas contadas a reconfirmação da permanência na U.E.
            Não se pode increpar um Povo de estúpido, se um morador daquele cobiçado endereço no xadrez do poder ouse colocar em risco a conquista de várias gerações. Pois David Cameron faria tal asneira e ao dar-se conta do garrafal erro, ao malbaratar a sofrida luta de seus lúcidos e pertinazes antecessores, não lhe restava outra coisa que abandonar o navio que, por sua culposa loucura, jogara nos arrecifes de plebiscito estivo, preparado às carreiras, como se fosse coisa de somenos.
            Pois mais alguém as fauces sanguinolentas do monstro despertado exigiriam.  A pobre, dedicada M.P. Jo Cox, do Partido trabalhista,  seria morta por um desses inúteis que atravessam a História, como se pudessem aí, para as paredes sombrias da própria existência, gritar com gesto cruento que, por desgraça, não passariam no fundo silêncio das mediocridades uma existência até então felizmente sem nada que deles atraísse a atenção.
              Escusado dizer, que mal preparada a consulta. e às pressas realizada em um verão que muitos hoje gostariam de esquecer, o Primeiro Ministro decide, diante de um malogro previsível, dadas as condições do inútil referendo - pois não se deve pôr em risco a conquista de várias gerações por um pífio, esdrúxulo reclamo de partidos periféricos, da espécie daqueles que salivam contestar realizações que, se mal compreendem, que dizer acaso pensem de estarem escarnecendo de obras de gente tão maior do que eles, que sequer refletem sobre o significado de conquistas que um estúpido nacionalismo de antanho os leva a tentar destruir, pela total falta de entendimento das consequências da própria loucura. E David Cameron, depois de desencadear a máquina infernal, é empurrado para a ignóbil renúncia... Tarde demais, pois o mal do próprio erro germinará para desgraça de muitos.
                A doce Theresa May agora propõe área de livre-comércio à União Europeia. Ajunta uma série de argumentos, entre evitar controles alfandegários e manter abertas as fronteiras com a Irlanda.
                O estúpido Brexit - que alguns estouvados querem preservar apesar de tudo, eles mesmos que se gabavam de poder escrever memoriais seja contra, seja a favor do dito Brexit - agora Theresa quer escanteá-lo.
                 Os erros históricos costumam capengar, se, por teimosia ou orgulho, quem os cometeu persista em tentar, senão preservá-los, ao menos dar-lhes a aparência de que são exitosos, e sem embargo a Primeira Ministra May, diante da cisão no próprio gabinete - entre os que são contra e os que apóiam a saída da União Européia - afirma agora que o seu Governo, cindido sobre a saída da União Europeia (UE)  chegou a uma posição comum quanto à criação de  Área de Livre-Comércio entre o bloco europeu e o Reino Unido, após o Brexit...
                Nesse instante, Boris Johnson, o Ministro das Relações Exteriores, irrompe na dianteira dos ditos radicais, ao propor uma saída dura e o divórcio total com os europeus. Há um termo no vulgo da língua portuguesa que não usarei, por mais que tal estouvado chanceler faça por merecê-lo.
                Como definir acerca da isenção e clareza de vistas desse indivíduo, a que já me referi, e que semelha ter absorvido o ímpeto,  mas não a razão do Povo inglês ?!
                 A História nos mostra que, nos grandes momentos de transição, há sempre o bloco dos regressistas, dos que antojam a volta dos velhos tempos - justamente aqueles que não sóem retornar, malgrado a choradeira dos que os desejariam de retorno, contra tudo e contra todos.
                   O bloco dos irresolutos da História, e daqueles que choram nostalgicamente pela volta dos chamados bons tempos, em geral aqueles de que nos falam os nossos maiores, com olhos lacrimejantes, constituem uma estranha espécie. Um grande cineasta francês, René Clair, lhes dedicou um belo filme. Eles querem o passado de volta. Mas a História, essa cruel Clio, semelha ter outras idéias, a ponto de escarnecer de os que gritam clamores e da companhia, em geral trôpega, que sói chorar lágrimas[1] sentidas pelo passado que foi poderoso e até cativante. Então a Grã-Bretanha impunha respeito e sobre as ondas mandava.

                     Que pena que esse tempo já se foi...

( Fontes: O Estado de S. Paulo, despachos de agências )



[1] O personagem será sempre representado por Michel Simon, o magnífico ator francês que com a sua carantonha nos fazia realizar a estupidez da pessoa que com maestria encarnava...

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