sábado, 19 de maio de 2018

Preito venezuelano


                                   

          Não, caro leitor, não se trata de erro tipográfico ou simples engano. Se amanhã é o dia da eleição, diante de um figurante e Nicolás Maduro, trata-se realmente de uma manifestação, ainda que sem esperança.
          Maduro é um ditador, incompetente e corrupto. Desse mato não sairá outro coelho,  e o pleito é pro-forma. Com a situação como está, ele há de invectivar contra os demônios da vez. O protetor Chávez e o afilhado aprontaram uma boa para o povo venezuelano.
           Como toda ditadura, contemplamos um senhor presidente gordo e sorridente. Preside a um povo a que sai mais barato ficar no próprio casebre dormindo, do que pagar a condução para o trabalho.
            De acordo também com o figurino, arranjou um figurante, depois de afastar todos aqueles que poderiam fazer-lhe sombra.
             Por isso, amanhã é uma eleição sem esperança. E no dia seguinte, à  Venezuela caberá mais do mesmo. A hiperinflação continuará, a sopa do governo  ficará mais rala, o nédio Maduro cumprirá o ritual dos ditadores, e o cordão dos puxa-sacos (daquela marchinha carnavalesca, lembram-se?) seguirá firme, à espera...  Porque é comovente a devoção dos áulicos... Eles só faltam quando a vaca vai pro brejo e a onça aparece...
               A Venezuela - e tenho poucas dúvidas de que esse señor não ficará muito tempo naquele palácio que o seu protetor, o tenente-coronel Hugo Chávez tentara invadir na ausência do presidente Carlos Andrès Pérez, que gostava muito de viajar, e a partir daquela infausta data tudo começou a sair errado para a Terra de Bolívar... E tenham em mente que Venezuela e Colômbia, na longa noite das ditaduras militares na América do Sul, tinham sido as duas solitárias democracias...
                E agora, José?  Perdão, Nicolás, a festa ainda não acabou, mas só um daqueles nojentos puxa-sacos diria hoje que Su Excelencia tem ainda mucho tiempo...
                 Os ditadores costumam pensar que a redoma em que vivem é daquelas fabricadas na Alemanha, que duram muito... Lamento dizer-lhe que, além de todas as desgraças que o Señor causou para esse povo triste, que toma a penosa estrada do exílio e a pé!, para escapar desse inferno, que nem é de Dante, sendo sul-americano legítimo, tenho a impressão que o dia em que o sofrido Povo venezuelano o verá pelas costas não está assim tão longe...
                 Aproveite, portanto, os elogios dos cortesãos. Os tiranos fingem que os menosprezam, mas na verdade carecem deles. Se achar oportuno, arranje um gravador discreto para registrar o que dizem. Menos a fita, tudo é falso, mas talvez, quem sabe?, no desterro ou na prisão, possam ser espécie de cantiga de ninar para quem entra nesse eterno palácio de los señores dictadores...

( Fonte: Carlos Drummond de Andrade )

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