sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Putin busca outra reeleição

                             

        O presidente Vladimir Vladimirovich Putin anunciou na quarta-feira que se candidatará às eleições de março de 2018. Será o seu quarto mandato como presidente, o que o manteria no poder até 2024.
         Não é que haja alguma dúvida no Povo e na mídia russos de que gospodin Putin sempre teve tal propósito em mente. Ele está no poder desde o ano 2000, quando foi convidado por Boris Ieltsin, então presidente, para tornar-se Primeiro Ministro.  Depois de livrar-se dos oligarcas, seria eleito presidente de 2004 a 2008, quando passaria a Dmitry Medvedev, seu fiel imediato, a presidência e ele ficaria como Primeiro Ministro.  Essa jogada se destinara a dar-lhe um período de pouca exposição, pelo desgaste que sofreu no primeiro periodo presidencial.  O fiel Medvedev ocupou a presidência e embora não restassem dúvidas sobre quem empolgava o poder,  Putin ficou de bom grado na penumbra, deixando a Medvedev os encargos da presidência até a primavera de 2011, quando voltou a ser presidente, reassumindo Medvedev como Primeiro Ministro.
         Agora Putin se prepara para nova reeleição. A autocracia russa é infelizmente uma tradição. Vladimir Putin, antigo KGB, estava na Alemanha Oriental (DDR) quando a estação de Dresden foi 'ameaçada' por demonstrantes alemães orientais. Ele teria defendido os arquivos dessa estação, alegadamente impedindo que os alemães deles se apossassem.  
         A sua carreira posterior seria na prefeitura de Saint Petersburg, cidade na qual nascera em 1952, quando se chamava Leningrado, e suportara o cerco mais longo de sua história, pelos exércitos invasores alemães. Masha Gessen nos fala em seu livro sobre a improvável ascensão de Vladimir Putin.O fato mais estranho dela é que as pessoas  que o elevaram ao trono pouco ou quase nada dele sabiam. Mas quando Berezovsky o considerou como um sucessor para Boris Yeltsin, "ele terá presumido que as mesmas qualidades que os tinham mantido  longe dele, tornariam Putin o candidato ideal. Sendo aparentemente despojado de personalidade e de interesse pessoal, tais 'qualidades' o fariam tão maleável, quanto disciplinado. Berezovsky não poderia estar mais equivocado."        
          E, pergunta-se Masha Gessen "o que sabia Boris Yeltsin acerca de seu sucessor a ser ungido proximamente? Ele sabia que era um dos poucos homens que tinha permanecido leal a ele. Sabia que era de geração diversa daquele dele Yeltsin, de seu inimigo Primakov, e do seu exército de governadores, e que não tinha ascendido pelas fileiras do Partido Comunista, e não teve, portanto, de mudar publicamente as próprias alianças quando do colapso da União Soviética. Ele parecia diferente de todos aqueles homens, sem exceção marcados e para sempre enrugados. Putin, ao invés, era pequeno e agora com o hábito  de ternos europeus bem cortados, e parecia por isso muito mais com a nova Rússia que Ieltsin prometera para seu povo dez anos atrás. Yeltsin também, acreditava, ou pensava que sabia, que Putin não permitiria a perseguição, judicial ou não, do próprio Yeltsin após a sua aposentadoria.  E se Yeltsin ainda possuísse mesmo uma fração de sua capacidade de sentir político, ele saberia que os russos iriam gostar desse homem que estavam herdando, e que herdaria a eles. A nove de agosto de 1999, Boris Yeltsin nomeou Vladimir Putin como Primeiro Ministro da Rússia. Uma semana mais tarde, seria confirmado por uma larga maioria da Duma: ele se mostrou tão digno de ser apreciado, ou pelo menos livre de objeções, quanto Yeltsin tinha intuído.
            Não pretendo, outrossim, cansar os leitores com as marcas que caracterizariam a trajetória ulterior de Vladimir Putin, que se ocupa, em grande parte, o livro da professora americana Karen Dawisha "A Cleptocracia de Putin". Ele nos leva até a anexação ilegal da Criméia, uma 'vingança' de Putin, na primavera de 2014. A resposta americana, tomada pessoalmente por Obama, sinalizou os cupinchas de Putin, nas suas contas e nas próprias empresas. Porque bem escolhidas, tais sanções golpearam fundo. O povo ucraniano desejava a aproximação com a União Europeia, e não com a União aduaneira com a Rússia, que era o prato oferecido por Putin e aceito pelo então presidente Viktor Yanukovych.
              O corrupto Yanukovych, que mandara prender politicamente a sua rival na eleição presidencial, e anterior Primeira Ministra Yulia Timoshenko, foi escorraçado do poder pela revolução popular da Praça Maidan, em  16 de março de 2014.
              Por força dessa revolução, Yulia Timoshenko sairia do hospital-cárcere em que fora encerrada, por julgamento político, ordenado pelo seu rival Yanukovych. Ela logo viria a Kiev, para associar-se a então já vitoriosa Maidan.  
               No própria júbilo, eis que Maidan era a manifestação política por um acordo com a União Europeia, que abrisse para a Ucrânia as perspectivas da C.E., e não o ramerrame da União aduaneira com a Rússia.
              O que os patriotas ucranianos não contavam seria a violenta reação do Senhor do Kremlin, que desencadearia, em curto intervalo, um processo de "espontânea insurreição" nas províncias orientais e nas áreas limitrófes com o urso russo. Por ver-se livre de um governante corrupto, e que nada via senão a união com Moscou, o povo ucraniano pagaria um alto preço a gospodin Putin, eis que logo irromperia com uma hitleriana gana um "processo revolucionário" que reviveria velhos e esquecidos planos de revoltas secessionistas no oriente ucraniano.
             A cynosure[1] deste projeto estava, na realidade, na Crimeia, para a qual o Kremlin organizou, no estilo nazista, uma invasão militar, supostamente a pedido de quislings locais, por um estranhamente descaracterizado exército russo. Por essa cínica conquista, a ONU - que não pode condená-la pelo Conselho de Segurança, porque a Rússia vetaria - sô pôde cingir-se a uma recomendação da Assembléia Geral das Nações Unidas. Nesse particular a diplomacia do Itamaraty, sob as ordens de Dilma Rousseff, ignara tanto da Constituição, quanto da tradição de nossa política externa, manchou a própria memória abstendo-se - e não votando contra, como devera - da absurda anexação manu militari da Crimeia pela Federação Russa. Tristemente, o que as nossas instâncias competentes deveriam ter afirmado, e pela instância das Nações Unidas, só constou de relevante artigo "Os perigos do revisionismo territorial", publicado em O Globo de 3 de maio de 2014, e da pena dos professores Monica Herz e João Nogueira (do Instituto de Relações Internacional da PUC-Rio): "A complacência brasileira diante da intervenção na Crimeia em abril compromete a credibilidade de uma política externa que, tradicionalmente, se pauta pela defesa dos princípios da igualdade e da não intervenção."  
            Na terra do Barão do Rio Branco e de Alexandre de Gusmão, por temores ou abjetos interesses, os representantes de então só puderam seguir, ou melhor, rastejar nas supostas conveniências do chavascal que se lhes deparava. 
            Gospodin Putin defende uma ideologia que mal esconde a sua tendência de afirmar a própria força junto aos paises, que com a Federação Russa tem talvez a má-sorte de colindar. 
             Tal é especialmente sentido pelos seus vizinhos, sobretudo os menores, como já se verificou em muitos exemplos que aqui não cabe elencar. Existe no idioma russo uma expressão que levanta suspicácias nos países com que mantém fronteiras comuns.  É a expressão estrangeiro próximo, que abre a possibilidade de disposições legais ou administrativas, que tendem a constar das relações, seja administrativas, seja políticas, seja consulares, com tais nações vizinhas.
               Mas esse despretensioso artigo já se estende demasiado, e ainda não tratou de aspectos relevantes. Esse quarto mandato, que a eleição prevista para março de 2018 representa o Rubicon a ser cruzado, e lhe daria a possibilidade de ficar 25 anos no poder, vale dizer, no Kremlin.
                O grande adversário de Putin é Alexis Navalny, a quem não falta coragem para enfrentar o Presidente. A situação atual já cuidou, à maneira soft do Kremlin, de inviabilizar a candidatura de Navalny - cuja popularidade é indubitável -  pela suposta via judiciária (esse ramo do poder estatal, nominalmente autônomo, que não o é no regime legal-autoritário, instituído por Putin).
               Por sua coragem - assinale-se que vários adversários putativos do Senhor do Kremlin já desapareceram, em geral através de contract-killers - Alexis Navalny é uma figura popular e carismática.  Participou de muitas manifestações em Moscou e alhures, mas agora as autoridades democráticas russas tornaram proibitivo esse gênero de protesto.
              Quanto à condenação, por um tribunal de província, de uma suposta transação faltosa de Navalny, há poucas dúvidas de que se trata de acusação forjada. Por essa alegada improbidade administrativa, o candidato Navalny foi condenado a cinco anos de prisão. A pena está suspensa, por que na verdade, o que interessa para o Poder é ela ser aplicada no caso de querer concorrer com o presidente. E o leque da autocracia se abre ainda mais com várias condenações por fomentar protestos.
               Há poucas dúvidas quanto ao estágio de corrupção na Federação Russa. O seu longo braço  - em um Estado tradicionalmente caracterizado pela força - estará sempre disponível, no caso de que uma eventual ameaça de um candidato numericamente forte para ameaçar o poder de alguém que, se não tem estatura de gigante - tem presença marcante em uma terra que só conhece regimes democráticos, em breves clarões, que logo são sucedidos por autocracias ou, como afirma a experta em Rússia, a professora Karen Dawisha, na contra-capa de seu livro "A Cleptocracia de Putin" : "Jornalistas russos escreveram parte  dessa história quando a mídia russa ainda era livre. Muitos deles morreram por causa desta história, e o seu trabalho foi apagado em grande parte da Internet, e até das bibliotecas russas. Mas uma parte desse trabalho permanece."

( Fontes: Putin's Kleptocracy - Who owns Russia?, de Karen Dawisha; "The Unlikely Rise of Vladimir Putin", Masha Gessen;  O Estado de S. Paulo.)    

[1] centro de atração ou interesse.

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