domingo, 17 de dezembro de 2017

O aeroporto de Nacala

                          

          Inaugurado em 2014, o aeroporto de Nacala se destaca em Moçambique.  Situado no norte daquele país, esse aeroporto é uma jóia arquitetônica. Saído de escritório de arquitetura em São  Paulo, é formado por um jogo de curvas e retas que levou para esse país africano o modernismo.
         No entanto,  Nacala tem um defeitoFoi realizado sem que se atendesse ao pormenor de um estudo de mercado.
         A receita é brasileira.  Foi construído pela Odebrecht e financiado pelo BNDES, a obra foi realizada sem atentar-se para um outro pequeno detalhe: o público.
           Por faltar gente, e por isso passageiros,  a obra não foi paga.  E o calote de US$ 22,5 milhões  veio parar na conta do Brasil.
            Como em outros calotes, faltou seriedade.  A pista de 3.100 m foi construída para um Boeing 747, mas é usada apenas por um Embraer 190, de cem lugares.
              Ao todo, são dois vôos por semana, das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).  Segundo dados oficiais, o aeroporto opera com 4% da própria capacidade, que seria de quinhentos mil passageiros/ano.  No entanto, como nenhum voo decola ou aterrissa com mais de cinquenta pessoas, o movimento real, com toda probabilidade, é a metade de o que diz o governo.
               Custo da obra: US$ 125 milhões, financiados pelo BNDES. Desde novembro último,  Moçambique deixou de pagar três presta-ções.  No total, o calote foi de US$ 22,5 milhões.
               A Odebrecht, que construíu o aeroporto, recebeu a dívida por meio do Seguro do Crédito à Exportação (SCE) - cobertura dada pela União contra riscos comerciais e políticos.
                Assim, para variar, a conta caíu no colo do Tesouro Nacional e virou negociação entre Maputo e Brasília.
                 Tanto o Governo de Moçambique, quanto o brasileiro defendem a obra como um "projeto de longo prazo", que aposta no crescimento do Norte de Moçambique, impulsionado pela exploração do gás natural . Um projeto da Vale também usaria a cidade como base para exportação de carvão.
                   Entretanto, os estudos de mercado existem para avaliar a demanda presente, e não um feixe de expectativas.
                    Como assinala o artigo,  enquanto o futuro não chega, Nacala continua com seus 200 mil habitantes, poucos dos quais tem recursos para pagar  um bilhete de avião da LAM -  a passagem mais barata até Maputo custa R$ 1,400.00, ida e volta.
                     Por outro lado, a capacidade de assumir compromissos de Moçambique  foi prejudicada por um escândalo creditício  - cerca de US$ 2 bilhões em empréstimos  com os bancos VTB, da Rússia, e Crédit Suisse,  tudo em segredo, feito pelo gabinete de Monsieur le Président Armando Guebuza, mas sem o aval do Parlamento, o que é inconstitucional...  Tudo isso foi feito entre 2013 e 2014, e  em janeiro, a consultoria Kroll, especializada em investigações corporativas, descobriu que o dinheiro (alegadamente para comprar barcos) fora parar em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, e depois ... sumira.
                      Sem  crédito  - com o fechamento das torneiras pelo FMI e países credores -  e o preço das commodities em queda, Moçambique entrou em crise e deixou de pagar suas dívidas ... inclusive a do aeroporto de Nacala.
                        Obras superfaturadas ou desnecessárias  não são, por certo, exclusividade de Moçambique. Tampouco a relação entre corrupção e financiamento de contratos públicos. Em acordo de leniência com o Depar- tamento de Justiça dos EUA, em dezembro de 2016, a Odebrecht reconheceu que pagou US$ 900 mil para funcionários do governo moçam-bicano  dos quais US$ 250 mil especificamente para "convencê-los a realizar um projeto de construção". Os pagamentos foram feitos entre 2011 e 2014, período da construção  do aeroporto - embora a obra não seja mencionada no acordo feito com o governo estadunidense.
                          Entre os delatores da Lava-Jato, Antonio de Castro Almeida, ex-executivo da Odebrecht, garante que uma funcionária da Camex (Câmara de Comércio Exterior) recebeu 0,1%  do valor do contrato para agilizar a aprovação do financiamente do aeroporto de Nacala. Ofi-cialmente, a empreiteira garante que está colaborando com a Justiça dos países em que atua. 
                            Nesse sentido, veja-se só o primor da nota da empresa Odebrecht enviada à reportagem do Estado de S. Paulo: "A empresa está comprometida a combater e não tolerar mais a corrupção."


( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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