sexta-feira, 29 de julho de 2016

Entre terrível e farsesco

                                    

           A mídia terá as suas razões que a própria razão desconhece. A famosa citação semelha aplicar-se como uma luva ao misto de consternado silêncio e de atônita exposição de um arrocho brutal pelo homem forte Recip T. Erdogan.
          Com efeito, a aparente confusão da mídia reflete outra realidade ainda mais grave. A falta de qualquer ação, seja de um silente Comitê de Segurança das Nações Unidas, seja da União Europeia, seja do próprio Estados Unidos.
           Nunca a liberdade de expressão e a democracia foi atropelada de forma mais brutal e cínica do que a investida do aprendiz de Tirano Erdogan.
           Nunca uma tentativa de golpe que logo mostraria a respectiva fraqueza e falta de uma ação crível em termos de pôr em perigo a situação estabelecida terá sido instrumentalizada do modo mais descarado e mesmo despudorado do que a alegada reação da 'ordem instituída' de parte do homem forte Erdogan.
            O cinismo exibido pelo Presidente da Turquia não encontra, nos tempos modernos qualquer paralelo. A desfaçatez com que instrumentaliza não só a quartelada, mas todos os pretextos no que concerne à repressão, já sequer se preocupa em colocar motivos e razões que de alguma forma guardem aparências de credibilidade.
            Nesse feroz descaramento, o entorno de países que se dizem democratas guarda sórdido silêncio, que a tudo dá a impressão de admitir sem qualquer reação, e, portanto, se iguala no que tem de rasteiro e de ofensivo ao espírito democrático e ao império da Lei, ao que poderia esperar-se de regimes opressivos e absolutistas.
            O mais revoltante é que, se uma tal reação não despertaria mossa em governos como os da Bielorrússia, da própria Rússia,  Arábia Saudita, e alguns outros cujo silêncio não espantaria - pois fazem o mesmo ou parecido com os próprios súditos - o que dizer das grandes democracias, como Washington, União Européia e algum país da América do Sul, que não se envergonhe de vocalizar a sua fé democrática?
             Que mutismo é esse que atordoa pela anti-reação, pela falta de qualquer expressão de repúdio aos brutais, cínicos processos de Erdogan de partir insolente e esfaimado contra tudo o que existe de princípios de respeito à liberdade e ao direito de cada um de ser presumido inocente, antes de ser jogado em alguma enxovia ou outro cárcere do gênero tristemente notório do chamado expresso da Meia-Noite.
         Para que se tenha alguma noção do sanhudo, cínico suposto contra-ataque do tirano Erdogan tenha-se presente que ele mandou prender ou suspender sessenta mil pessoas - militares, juízes, policiais e professores - acusadas de elo com o golpe.
         A empregar-se os próprios argumentos do Presidente turco já se tem um gigantesco e sinistro selfie dos acusados de 'ligações como o golpe'.
         Agora, pelo visto, chegou a hora de prender os havidos como 'inimigos' e aqueles mais articulados opositores do Ditador.  Assim, o denuncismo desvairado alcança sessenta mil "suspeitos", entre os quais jornalistas de nomeada como Sahin Alpay, ex-colunista do maior jornal turco (até a interdição em março) "Zaman", ligado ao desafeto Fethullah Gülen.       
          Dentro da lógica da repressão, terá ecoado em ouvidos de mercador o telefonema da Chanceler Angela Merkel, que advertia Erdogan que a reintrodução da pena de morte o afastaria da entrada na União Europeia.
          Na própria orgia  de sangue e repressão, o ditador Erdogan na sua mania persecutória  por ora prefere prosseguir no sofrimento que distribui por atacado: além do expurgo, fecha jornais, tevês e rádios.
          Em seu entorno, prefere o silêncio ou o seu pútrido similar, que são os correios que reproduzem as declarações e anúncios oficiais.  Quanto às mortes e torturas, ficam por conta da imaginação e dos temores de gente encurrulada pelo medo e as longas sombras dos agentes da ditadura.


( Fonte:  Folha de S. Paulo; Alan Parker )  

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