terça-feira, 5 de julho de 2016

As Delações premiadas sob ameaça?

                                   

       A ameaça de reação de políticos corruptos, mas poderosos, é   demasiado real, para não ser levada a sério.
        O meu recentíssimo blog - Gilmar derrapa? - se ocupa de um estranhíssimo projeto que dormia merecidamente nas gavetas do Senado, e que agora sai da hibernação pelas mãos do Senador Renan Calheiros.
         Esse projeto de lei está na contramão do interesse da Sociedade civil brasileira, mas tem o apoio de gente importante, como o próprio Presidente do Senado, e um Ministro do Supremo Tribunal Federal,  Gilmar Mendes.
         Porquê se escreve que esse projeto de lei está na contramão dos interesses da Sociedade?  Pela simples razão que o seu escopo é desencorajar a autoridade civil de investigar e punir casos de corrupção na esfera pública e na sociedade civil.
          E qual o instrumento que é utilizado para 'desincentivar' - na verdade, intimidar - a autoridade de atuar contra os corruptos e outras pessoas que estão à margem da lei? O pretexto legal seria punir os 'responsáveis' sob a figura dos 'crimes de abuso de autoridade'.
           Os cérebros que estão por trás dessa suposta reviravolta - intimidar-se o eventual acusador sob o fino, diáfano e sumamente hipócrita véu de um alegado abuso de autoridade. Como se vê, esse projetinho de 2009, relegado merecidamente às gavetas do Senado, algo retorna às luzes da ribalta com o escopo precípuo de tentar virar o feitiço contra o feiticeiro, ao chamar de abuso de autoridade a eventual denúncia de crimes realmente existentes.
          Se a origem do processo - que esse projetinho nocivo e por longo tempo dormindo o sono profundo dos papéis irrelevantes volte à cena - tal decerto não acontece por acaso. Como no caso do jabuti, alguém o botou no galho da árvore, pois jabuti não sobe em árvore, seja nanica, ou frondosa.
          Qual é a última de Renan Calheiros, que permanece na curul de Presidente do Senado, apesar de coletar processos no Supremo Tribunal Federal?  Ele defende a mudança na lei da delação, que vise a impedir que presos se tornem delatores. Só os que estão em liberdade poderiam negociar esse acordo... O instituto da delação premiada, que faz o terror dos bandidos fora da cadeia - pois permite a sua denúncia por alguém que está sendo processado, e ou está ameaçado de ir para a cadeia, ou já está nela. O quid pro quo tem que existir para que o acusado tenha interesse em desvelar um processo criminoso.
             Esse novo instituto tem sido um grande adjutório para as investigações e condenações penais. Daí, a raiva dos corruptos e de outras autoridades que se sentem ameaçadas. Lembrem-se das invectivas de Dilma Rousseff contra os delatores premiados, sob o pretexto de que não mereciam atenção das autoridades por serem criminosos... Até mesmo, ela tentava misturá-los com os traidores de nossa História, como Joaquim Silvério dos Reis, Calabar, etc. Dada a pouca sutileza da nossa Presidenta afastada, as suas observações não mereceram maior atenção. Mas a proposta de  Renan Calheiros de só permitir a delação para quem esteja em liberdade é uma dose demasiado forte de canalhice ou hipocrisia política, eis que equivaleria a matar o exitoso instituto da delação premiada. E é porque ele faz medo aos corruptos, que ele tem de ser preservado.
              Nesse contexto, julgo, portanto, muito oportuno que os Procuradores do Ministério Público venham a campo em defesa do instituto das delações, e que usem de todos os demais meios lícitos de levar avante a luta contra os corruptos.
              Assim, se deve fazer frente à insolente ação de políticos corruptos. Vejam, v.g., a audácia do Senhor Renan Calheiros, até hoje sentado na curul da presidência do Senado, a despeito de sua ficha notória: ele afirmou que deseja priorizar  o andamento da proposta que pune casos de abuso de autoridade por agentes públicos, incluindo integrantes do Judiciário e do Ministério público, para  votá-la até o próximo dia treze, antes do recesso parlamentar.
               Assinale-se, a propósito, a reação do Procurador Roberto Pozzobon, que, muito a propósito, disse: "A quem interessa o desmonte do instituto dos acordos?  A quem investiga ou a quem é investigado por meio desses acordos?". Foi o que se perguntou muito oportunamente o Procurador durante entrevista coletiva em Curitiba.
                 Nesse contexto, é importante ter presente a declaração lapidar de Pozzobon, Procurador da Força - Tarefa da Lava-Jato: "Em todas as operações, os destinatários finais eram agentes políticos. Eles estão no topo da cadeia alimentar da propina."
                  Assim, na Operação Turbulência, que investiga propinas nas obras do Rio São Francisco, as investigações compartilham provas da Lava-Jato apresentadas pelo doleiro e delator Alberto Youssef. Na Tabela Periódica, deflagrada em Goiás, que tem como alvo propinas pagas nas obras da Ferrovia Norte-Sul e da Ligação Leste-Oeste, ambas da Valec, as investigações tiveram como referência os acordos de delação de executivos da Camargo Corrêa e o Acordo de Leniência fechado pela Empreiteira.
                    No lusco-fusco parlamentar que sói acompanhar os sólitos dias de recesso dos senhores congressistas, exaustos por seu ritmo de trabalho de dia e meio por semana, urge atuar contra a ação nociva de projetos de parlamentares que favorecem o lado corrupto: assim o projeto do deputado Wadih Damous (PT-RJ), que proíbe a delação premiada se o delator estiver preso!
                      O projeto mereceu críticas do Juiz Sérgio Moro.  Para este ícone da reação em favor da honestidade e da correção,  a delação também ser vista sob a ótica do direito à ampla defesa. Nesse sentido asseverou Moro:
                     "Fico me indagando se não estamos vendo alguns sinais de uma tentativa  de retorno ao status quo  da impunidade dos poderosos."


( Fonte:  O  Globo )

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