O passado e, sobretudo, as suas visões consentidas, tem sobre o homem atração que não é pequena.
A
oportunidade de passear pelo passado foi concessão do século XIX. Há duzentos
anos atrás esse tipo de visita visual começa a exercer sobre o homem encanto
peculiar. Com a arte da fotografia, e seus antepassados como os daguerreótipos,
tempos antes inatingíveis pelo olhar, principiaram a esgueirar-se perante as
vistas curiosas dos contemporâneos.
Hão
de perguntar então o que fazer das antigas pinturas de rostos, gentes e
paisagens? Desde as cavernas, como alguns de nós lograram entrever, a presença
do pintor nos acompanha. No entanto, se a obra de arte desse pintor é capaz de
desvelar e desvendar segredos de antigas aparências, ela não pode comparar-se à objetividade da máquina fotográfica, com a
própria fria abrangência, a captar, de modo distraído até, porque não diretamente
vinculado com o querer de quem a empunha,
aparentes insignificâncias que logram escapar à atenção visual.
Hoje,
no entanto, a foto digital do celular, por precária que pareça, vulgarizou - e
nos dois sentidos - a arte da fotografia. Tudo pode ser registrado e dentro
desses parâmetros, tais fotos viram as mais das vezes quase rabiscos digitais,
que podem dar-nos sensação de perecibilidade extrema.
Perde a fotografia - aquela da máquina plantada no chão, com o seu
operador preocupado nas falsas minúcias de luz e da sombra - de alguma forma o duelo
com tais registros de celular? Se pensarmos nos grandes fotógrafos do passado,
como Atget, a resposta tem de ser
sim. Atget, como se sabe, tinha muito viva a intenção do registro. Quando via, v.g., alguma construção ameaçada, fosse
pela modernidade ao redor, fosse pela própria condição do imóvel, ele tratava,
como se fora amanuense da história urbana, de registrá-la, para que os
vindouros pudessem admirá-la, observá-la e até desprezá-la, porque para o
grande fotógrafo o relevante estava na superação do tempo. Para ele, e para
muitos, essa hostilidade - a de quem vem depois - é um dado da fria crueldade
do tempo. Ele determina, com a indiferença de quem esmaga um inseto, de quem é
vencedor, de quem será público, e daquele que se destina às geenas da história, seja grande, médio
ou pequeno.
(a
continuar)
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