Capítulo
XXII (226)
A deusa Pallas Athena, para preparar o duelo entre
seu protegido, Aquiles, aparece para
Heitor, o campeão troiano do elmo
luzente, como se fosse Deiphobus, o mais querido dos seus irmãos:" Caro
irmão, em verdade meu pai e minha mãe, e também meus camaradas querem que eu
permaneça junto deles, tanto eles tremem diante de Aquiles; mas meu
coração sofria com amargo pesar. Sem
embargo, que o enfrentemos em aberta luta, e que não poupemos nossas lanças,
para que saibamos se Aquiles nos vai matar a nós dois, e carregar os nossos
restos sangrentos para as naves vazias, ou se, por fortuna, o venceremos com
tua lança."
Com tais palavras e com astúcia Athena o traz. E
quando havia chegado perto, a medida que
avançavam um contra o outro, e estão já próximos um do outro, diz ele para
Aquiles, o grande guerreiro do elmo brilhante: "Não mais, filho de Peleus,
irei fugir de ti, como por três vezes
dei voltas em torno da grande cidade de
Príamo, eis que não tinha a coragem de arrostar o teu ataque; mas agora de novo
o meu coração me comanda deter-me e
enfrentar a ti, não importa se vença ou seja vencido. Que venhas então, e invoquemos
os deuses para padrinhos.Eles serão por certo as melhores testemunhas e guardiães
de nosso acordo. Não desrespeitarei teus
restos, se Zeus conceder-me a força de te fazer frente, e de tirar-te a vida;
mas quando retirar-te a gloriosa armadura, ó Aquiles, darei o teu cadáver de
volta aos Aqueus; e assim o farás tu." Então com olhar raivoso, luzindo
debaixo das sobrancelhas, Aquiles, dos pés velozes, diz para ele :
"Heitor, não me venhas, ó infeliz, falar de acordos. Assim como entre
leões e homens não há juras de fé, nem
lobos nem cordeiros têm corações de concórdia, mas têm sempre maus
pensamentos entre si, tampouco será possível
para nós sermos amigos, nem haverá quaisquer juras entre nós, até que um ou
outro caia, e que Ares, o guerreiro com o escudo do couro rijo, vá fartar-se
com o teu sangue. Pense acerca de todos os modos de bravura: agora em verdade a
ti cabe abandonar o lanceiro e o guerreiro sem medo. Não há mais esperança para
ti, eis que Pallas Athena com a minha
lança te abaterá. Agora me pagarás de uma vez o preço inteiro por todas as
tristezas que me destes por meus camaradas, a quem mataste com a fúria de tua
lança.
Em seguida,
calado, empunha a lança da longa sombra. Entretanto, o glorioso Heitor
firmemente o encara e evita o primeiro golpe. Vendo-o a tempo, ele se agacha, e a lança de bronze o sobrevoa e finca-se
na terra. Mas Pallas Athena a apanha e a dá de volta a Aquiles, sem que Heitor,
comandante da tropa, possa vê-lo. E Heitor diz para o inigualável filho de
Peleus : "Erraste, tampouco ouviste, segundo parece, oh Aquiles igual aos
deuses, de Zeus do meu destino, malgrado
assim o penses. Embora tenhas a língua solta e astuto patife que és nas
palavras, a ponto que tomado do medo de ti possa esquecer da minha força e do meu valor. Não colocarás tua lança nas minhas costas.
Tampouco se eu te ataco a
atravessarás no meu peito, ainda
que um deus o tenha prometido. Agora trata de evitar a minha lança de bronze.
Se possível fora que a recebas inteira na tua carne! A guerra seria mais leve
para os Troianos, se tu morresses; para eles, és a maior desgraça".
Capítulo XXII (288).
Fontes: The Iliad (of Homer) Translation by A. T. Murray (second volume) The Loeb Classical Library. Versão
para o português e comentários posteriores
a cargo do responsável pelo blog.
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