domingo, 28 de maio de 2017

A Morte de Heitor (4ª Parte) Ilíada Canto XXII (405 - 515)



Ele falou e ao divino Heitor principiou a maquinar um soez tratamento. Os tendões de ambos os pés ele os penetrou do calcanhar para o tornozelo, e os firmou com tiras de couro de boi, e os amarrou à sua biga, deixando-lhe porém a cabeça para arrastar-se no chão. Então, quando ele montara no carro e para lá levantara a gloriosa armadura, estalou o próprio chicote nos cavalos, e pronto a parelha avançou à frente. E de Heitor, a quem num arranco puxaram nuvem de poeira se levantou, ambas as largas madeixas de seus negros cabelos no ar se balançavam, enquanto por inteiro a cabeça antes tão bela se afundava na areia grossa; pois Zeus o entregara aos próprios inimigos para padecer indizíveis tratamentos na sua própria terra natal.
Então lhe conspurcaram a cabeça com a grossa e suja poeira da estrada; e sua mãe, ao deparar o próprio filho,  lançou atroante berro, arrancou os cabelos e desvencilhou-se do belo luzente véu. E a horrenda visão arrancou  fundo gemido do pai amoroso, e  à sua volta o próprio povo bradava e se lamentava por toda a cidade. Mais parecia a cena de toda a Ilios como que consumida pelo fogo. E toda a gente se esfalfava em segurar o velho pai no seu frenesi, que lutava por sair pelos portões Dardânios, enquanto se arrastava na sujeira, e pedia a cada um, a quem chamava pelo nome Contenham-se, meus amigos, e permitam que com todo o próprio amor, que eu saia sozinho da cidade, e vá às naves dos Aqueus. Lá suplicarei àquele homem sem piedade, esse obreiro da violência, e que diante de seus camaradas ele se envergonhe e tenha pena da minha idade avançada. Pois essa criatura tem um pai tanto quanto eu sou, Peleus, que o procriou e o preparou para ser o flagelo dos Troianos; mas acima de todos trouxe ele a desgraça para mim. Tantos filhos meus ele matou na flor da idade. Entretanto, para todos esses eu não lamento, apesar de meu luto, quanto por esse única, profunda dor que me levará para o Hades - sim para  o querido Heitor.  Ah, se ele houvesse morrido nos meus braços; então teríamos tomado a mancheias do amargo cálice do choro e dos gemidos lancinantes, a mãe que lhe deu a luz para sua tristeza, e a mim próprio.
(429) Assim falou, enquanto chorava, a que a gente da cidade juntou a própria lamentação. E entre as mulheres de Tróia, Hécuba encabeçou a veemente lamentação."Oh Filho, que desgraça para mim! Como viverei nessa angústia sofrida, agora que estás morto? A ti que eras o meu orgulho dia e noite na cidade, e uma benção para todos, tanto para os homens, quanto para as mulheres  de Tróia, por toda a cidade, a eles que te saudavam como se fosses um deus; pois na verdade tu eras vivo para eles  glória inefável  que a todos envolvia; mas agora a morte e o destino caíram sobre ti.
Chorando, assim ela falou. Entrementes, a mulher - a esposa de Heitor - de nada sabia por enquanto. Nenhum mensageiro de ofício viera dizer-lhe que o seu marido estivesse fora dos portões. Eis que ela estava tecendo rede na parte mais adentro da casa alta, uma rede púrpura de duplo tecido, na qual ela costurava flores de cores variadas. E ela gritou para as suas ajudantes de belas tranças que pusessem o tripé grande no fogo, de modo a preparar banho quente para ele que regressava da luta diuturna -  pobre dela, de nada sabia que longe de qualquer banho Athena dos olhos faiscantes o tinha derrubado pela mão de Aquiles. Mas eis que ela ouve gritos e gemidos vindos das muralhas, de suas mãos cai a laçadeira ao chão e tremem as suas pernas. Fala então de novo para suas servas de belas tranças: "Venham cá comigo duas de vocês. Me sigam, deixe-me ver o que está acontecendo. Era a voz da honrada mãe de meu marido, e no meu próprio peito o coração pulou para minha boca, e debaixo sinto os joelhos entorpecidos. Em verdade, e muito perto, senti alguma coisa má para os filhos de Príamo. Que esteja longe de mim tal palavra, mas estou muito temerosa que para minha tristeza que o forte Aquíles não tenha afastado da cidade o destemido Heitor, que, sozinho, tenha sido lançado para a planície, e que por ora tenha posto um fim à terrível coragem que o possuía. Pois ele nunca se deixaria ficaria cercado por multidão de homens, mas preferia avançar para a frente, não cedendo a ninguém tal privilégio.
Falando desse modo, ela atravessou correndo o hall com o coração batendo como se estivera fora de si, e com ela vieram as suas ajudantes. Mas quando ela chegou à muralha e à multidão de homens, então aí se deteve e olhou, e viu então que o arrastavam impiedosamente para as naves vazias dos Aqueus. Então sobre os seus olhos caíu a negra noite, a envolveu, e ela cai para trás, e num sopro perde a consciência. Na queda, longe de sua cabeça caem a fita brilhante, a coifa, o lenço e a bordada pulseira, e o áureo véu que lhe deu Afrodite no dia em que Heitor do elmo coruscante a levou da casa de Aetio, após ter trazidos centenas de dádivas. Em torno dela, se congregaram as irmãs de seu marido e as esposas de seus irmãos, que a levaram para junto delas, abalada como estava. Quando ela recobrou os sentidos, e seu espírito voltou a seu peito, então levantou a voz, gemendo com fundos soluços, e falou para as  Troianas: "Ah, Heitor, que desgraça para mim! para um destino, parece, nascemos, nós dois, tu em Tróia na casa de Príamo, e eu em Tebas, debaixo do bosque de Placus, na casa de Aécio, que me criou desde quando era pequeninha, pai infeliz de uma criança com cruel destino. Que Zeus não houvesse permitido que ele me gerasse. Agora, tu estás partindo para a casa do Hades debaixo das profundezas da terra, mas me deixas em amargo luto, uma viúva nos teus salões. O teu filho é ainda só um bebê, o filho nascido de ti e de mim em nosso infortúnio. Nem tu serás de alguma valia para ele, nem ele para ti, Heitor, vendo que estás morto. Mesmo se ele escapar da terrível guerra dos Aqueus, mesmo assim a sua parcela será trabalho e tristeza no tempo do depois, porque outros se apossarão de suas terras. O dia da orfandade corta  uma criança dos amigos de sua juventude; sempre  a sua cabeça se curvará mais baixo, e as suas faces estarão banhadas em lágrimas, e na sua necessidade a criança se acerca dos amigos de seu pai, a este puxando pelo manto, e aquele pela túnica; e se eles sentem piedade, um lhe passará a sua taça por um momento: os seus lábios ele molha,  mas não irá além. E alguém cujo pai e mãe  ainda vivam, o jogam para fora da festa com um golpe da mão, e ralham deles com palavras duras: "Vá embora, assim como estás! Nenhum pai teu festeja em nossa companhia." Então em lágrimas para a mãe viúva volta a criança-Astyanax, que outrora nos joelhos de seu pai comia só a carne mais tenra e a rica gordura das ovelhas; e quando o sono chegasse e ele cessasse de brincar, então ele iria adormecer nos braços de sua ama em cama macia, o coração satisfeito pelas boas coisas. Mas agora, vendo que perdeu o seu querido pai, ele vai sofrer de muitos males - meu Astyanax, a quem os troianos chamam por este nome, porque tu sozinho salvaste os seus portões e seus altos muros.   Mas agora, junto das naves pontudas e longe dos teus pais, nojentos vermes vão devorar-te, tão logo os cães estiverem com a pança cheia, enquanto jazes como um cadáver nu; no entanto, nos teus salões há belos trajes, leves e agradáveis, trabalhados por mãos de mulher. Embora a todas essas coisas eu queimarei em fogo ardente - de modo algum um proveito para ti, vendo que não estarás ali jazendo, mas que será honra para ti dos homens e mulheres de Tróia."

Assim ela falou, chorando, e a tais palavras as mulheres juntaram os seus lamentos."
                             

(Iliada, Homero, Canto XXII, tradução para o inglês de A.T. Murray)


Versão em português, do grego clássico de Homero, colacionado com a tradução em inglês, e o texto original de A.T. Murray, pelo responsável do blog

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