O artigo de Christopher R. Browning
sobre a recente publicação da tradução da nova biografia de Volker Ullrich - A
ascensão de Hitler (1889-1939) assinala
que quando esse livro foi publicado na Alemanha em 2013, a atual situação
política nos Estados Unidos sequer era concebível.
No entanto, como assinala Browning, se a
recepção de um livro muita vez transcende as intenções do autor e as próprias
circunstâncias em que foi escrito, nunca tal se verificará de forma tão
dramática quanto neste caso.
Nesses primeiros meses de 2017 é
impossível para um americano ler a recém-publicada tradução inglesa deste livro
sem cair na sombra do novo presidente americano.
Para começar, Browning assevera de modo
enfático que Trump não é Hitler, e a República Americana nos inícios do XXI
século não é Weimar. Existem muito fortes diferenças entre esses dois homens, e
as condições históricas nas quais ambos subiram ao poder. Não obstante, há
áreas bastante de semelhança em alguns aspectos para tornar o livro algo assustador
e com visão não só do passado mas também do presente.
Se Hitler cresceu enfrentando grandes
dificuldades (perdas dos pais, pobreza, sem rumo e sem apoio), tal não foi a
situação de Trump, que a riqueza do progenitor destinou aos melhores colégios e
situações.
Já
na tomada do poder, as semelhanças não são poucas. Se Hitler criou o próprio
partido e se valeu do apoio conservador - que pensava poder controlá-lo - Trump
tomou conta pelo mecanismo das primárias (e a fraqueza de seus concorrentes )
da estrutura do GOP, que lhe dariam a
vitória, sem ignorar a sorte que acompanhou o cabo austríaco e, no caso de
Trump, a estranhíssima intervenção de última hora do diretor do FBI -republicano
de boa cepa, a quem o carente Barack
Obama achou oportuno para o bipartidismo nomear para tal posto de grande
relevância para a política. O próprio James B. Comey veio a confirmar, até com
um certo cinismo, no que tange a que voltasse nos dias terminais da eleição
presidencial a relevantar o espantalho de um possível crime de Hillary Clinton (inexistente
como a realidade iria reconfirmá-lo, mas suficiente para iludir os eleitores
antecipados e dar a vitória a Donald Trump).
Se há muitas diferenças entre a Alemanha
do primeiro pós-guerra e os Estados Unidos de agora, não se pode ignorar os fatos básicos a seguir: Trump, como Hitler, é
um aventureiro, que se valeu das primárias do Partido Republicano, e da
mediocridade de seus concorrentes. De candidato do verão, além de trazer para a
própria candidatura, com o discurso do muro
e dos estupradores mexicanos, Trump lograria
motivar e arrebanhar número
suficiente de adeptos para afinal arrebatar a nomination, diante da mediocridade de seus concorrentes. Por sua
vez, o cabo austríaco instrumentalizou os temores da alta-burguesia, e do
velho, já esclerosado, Marechal presidente da República de Weimar Paul von Hindenburg. Ajudado por Fritz von
Papen, Adolf Hitler teria a oportunidade de apossar-se do poder, e o restante
da estória é conhecido, embora não se possa comparar a condição quase inerte da
República de Weimar, e do seu temor dos comunistas, com a situação atual dos
Estados Unidos, ainda que enfraquecidos pela ruinosa guerra de George W. Bush
para trazer enfim a democracia ao Oriente Médio, como queriam os
neo-conservadores, e o consequente desastre no Iraque, com o resultante declínio americano.
Tomadas as necessárias precauções
quanto ao exagero nas semelhanças, há
certos aspectos que ficam no quadro: por diversa que seja a situação nas duas
nações, grande números de americanos e alemães se defrontavam com muitas crises
de estagnação política, fracasso econômico, humilhações no exterior, e
decadência moral e cultural nos respectivos países. Tanto Hitler, quanto Trump
afirmaram que Alemanha e América eram 'perdedores' e se ofereceram como a única
confiável solução para tais crises, e se comprometeram a um retorno para as
glórias de um imaginário passado de áureo prestígio. Hitler prometeu grande
'renovação' para a Alemanha, e Trump fazer com que a América se tornasse de
novo grande. Ambos os personagens desafiaram as velhas normas e inventaram
maneiras sem precedente de realizar as próprias campanhas políticas. Ambos
desenvolveram relação carismática com suas 'bases', que favorecem a grandes
comícios. Ambos enfatizaram a sua condição de 'outsider' e invectivaram
contra o stablishment, as elites
privilegiadas e os interesses especiais e corruptos. Ambos vocalizaram queixas
contra inimigos (os "criminosos de novembro" e os judeus bolcheviques, e, de parte de
Trump, "os imigrantes clandestinos mexicanos", o terror radical
islâmico, e a imprensa "desonesta". E ambos os personagens se
beneficiaram ao serem seriamente subestimados por expertos e rivais.
Sem embargo, apesar de os dois homens
criarem coalizões de descontentes, as suas massas de apoio eram bastante
diferentes. Os primeiros grupos a serem arrebanhados pelas maiorias nazistas
foram as organizações estudantis nos campus universitários. Além disso, os
nazistas atraíram a maioria dos votantes
de classe média, assim como o voto feminino acompanhou o masculino na mesma
proporção.
Mas não é por acaso que essa comparação no artigo Christopher Browning
não obteve muitos ecos na imprensa americana. Não há dúvida que há certa
semelhança no surgimento dessas duas candidaturas, mas quando se passa aos finalmente esse tiro dá chabu, eis que
por mais desastrada que seja a primeira presidência Trump é muito difícil,
senão impossível que ela possa ser de longe comparada com o que foi o trágico
governo de Adolf Hitler.
( Fonte: The New York
Review, 20 April 2017 )
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