domingo, 7 de maio de 2017

Lições da ascensão de Hitler

                         

       O artigo de Christopher R. Browning sobre a recente publicação da tradução da nova biografia de Volker Ullrich - A ascensão de Hitler (1889-1939)  assinala que quando esse livro foi publicado na Alemanha em 2013, a atual situação política nos Estados Unidos sequer era concebível.
       No entanto, como assinala Browning, se a recepção de um livro muita vez transcende as intenções do autor e as próprias circunstâncias em que foi escrito, nunca tal se verificará de forma tão dramática quanto neste caso.
       Nesses primeiros meses de 2017 é impossível para um americano ler a recém-publicada tradução inglesa deste livro sem cair na sombra do novo presidente americano.
       Para começar, Browning assevera de modo enfático que Trump não é Hitler, e a República Americana nos inícios do XXI século não é Weimar. Existem muito fortes diferenças entre esses dois homens, e as condições históricas nas quais ambos subiram ao poder. Não obstante, há áreas bastante de semelhança em alguns aspectos para tornar o livro algo assustador e com visão não só do passado mas também do presente.
       Se Hitler cresceu enfrentando grandes dificuldades (perdas dos pais, pobreza, sem rumo e sem apoio), tal não foi a situação de Trump, que a riqueza do progenitor destinou aos melhores colégios e situações.
         Já na tomada do poder, as semelhanças não são poucas. Se Hitler criou o próprio partido e se valeu do apoio conservador - que pensava poder controlá-lo - Trump tomou conta pelo mecanismo das primárias (e a fraqueza de seus concorrentes ) da estrutura do GOP, que lhe dariam a vitória, sem ignorar a sorte que acompanhou o cabo austríaco e, no caso de Trump, a estranhíssima intervenção de última hora do diretor do FBI -republicano de boa cepa, a quem o carente Barack Obama achou oportuno para o bipartidismo nomear para tal posto de grande relevância para a política. O próprio James B. Comey veio a confirmar, até com um certo cinismo, no que tange a que voltasse nos dias terminais da eleição presidencial a relevantar o espantalho de um possível crime de Hillary Clinton (inexistente como a realidade iria reconfirmá-lo, mas suficiente para iludir os eleitores antecipados e dar a vitória a Donald Trump). 
       Se há muitas diferenças entre a Alemanha do primeiro pós-guerra e os Estados Unidos de agora, não se pode ignorar os  fatos básicos a seguir: Trump, como Hitler, é um aventureiro, que se valeu das primárias do Partido Republicano, e da mediocridade de seus concorrentes. De candidato do verão, além de trazer para a própria candidatura, com o discurso do muro e dos estupradores mexicanos,  Trump lograria  motivar e arrebanhar  número suficiente de adeptos para afinal arrebatar a nomination, diante da mediocridade de seus concorrentes. Por sua vez, o cabo austríaco instrumentalizou os temores da alta-burguesia, e do velho, já esclerosado, Marechal presidente da República de Weimar  Paul von Hindenburg. Ajudado por Fritz von Papen, Adolf Hitler teria a oportunidade de apossar-se do poder, e o restante da estória é conhecido, embora não se possa comparar a condição quase inerte da República de Weimar, e do seu temor dos comunistas, com a situação atual dos Estados Unidos, ainda que enfraquecidos pela ruinosa guerra de George W. Bush para trazer enfim a democracia ao Oriente Médio, como queriam os neo-conservadores, e o consequente desastre no Iraque, com o resultante declínio americano.
        Tomadas as necessárias precauções quanto ao exagero nas semelhanças,  há certos aspectos que ficam no quadro: por diversa que seja a situação nas duas nações, grande números de americanos e alemães se defrontavam com muitas crises de estagnação política, fracasso econômico, humilhações no exterior, e decadência moral e cultural nos respectivos países. Tanto Hitler, quanto Trump afirmaram que Alemanha e América eram 'perdedores' e se ofereceram como a única confiável solução para tais crises, e se comprometeram a um retorno para as glórias de um imaginário passado de áureo prestígio. Hitler prometeu grande 'renovação' para a Alemanha, e Trump fazer com que a América se tornasse de novo grande. Ambos os personagens desafiaram as velhas normas e inventaram maneiras sem precedente de realizar as próprias campanhas políticas. Ambos desenvolveram relação carismática com suas 'bases', que favorecem a grandes comícios. Ambos enfatizaram a sua condição de 'outsider'  e invectivaram contra o   stablishment, as elites privilegiadas e os interesses especiais e corruptos. Ambos vocalizaram queixas contra inimigos (os "criminosos de novembro"  e os judeus bolcheviques, e, de parte de Trump, "os imigrantes clandestinos mexicanos", o terror radical islâmico, e a imprensa "desonesta". E ambos os personagens se beneficiaram ao serem seriamente subestimados por expertos e rivais.
          Sem embargo, apesar de os dois homens criarem coalizões de descontentes, as suas massas de apoio eram bastante diferentes. Os primeiros grupos a serem arrebanhados pelas maiorias nazistas foram as organizações estudantis nos campus universitários. Além disso, os nazistas atraíram a  maioria dos votantes de classe média, assim como o voto feminino acompanhou o masculino na mesma proporção.
          Mas não é por acaso que essa comparação no artigo Christopher Browning não obteve muitos ecos na imprensa americana. Não há dúvida que há certa semelhança no surgimento dessas duas candidaturas, mas quando se passa aos finalmente esse tiro dá chabu, eis que por mais desastrada que seja a primeira presidência Trump é muito difícil, senão impossível que ela possa ser de longe comparada com o que foi o trágico governo de Adolf Hitler.


( Fonte: The New York Review, 20 April 2017 ) 

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