Conheço bem a identidade da Nápoles do
pós-guerra, com a sua pobreza do Mezzogiorno italiano, os varais de roupa nas sacadas e janelas, a gente pobre,
gritona e espalhafatosa, que sem saber construía a identidade daquela eterna cidade nova - a designação vem de nea polis - que visitei, com a família,
atravessando as ruas com as vidraças do carro bem-cerradas, assim como haviam recomendado.
Vivendo em Roma, a cercania de Nápoles me proporcionaria rápidas
visitas, sempre em excursões familiares, e lá conhecemos o belo museu e, nos
arredores, as pedras contorcidas da longa exposição aos elementos.
Vicariamente, muito mais tarde, me enfronharia do fenômeno Elena Ferrante através de minha esposa, que já lhe devorou os quatro
livros.
Não é
só Totó, com as suas rugas, que nos traz o cenário da eterna Napoli. Se nos arriscarmos a caminhar
por suas ruelas, com os longos panos brancos, poderemos imaginar que outros
personagens da esperteza napolitana podem repontar de repente e nos levar a
carteira.
Um
tio meu de que já escrevi bastante - e que tivera a experiência da pobreza e as
suas por vezes amargas surpresas - me dizia que desconfiava um pouco da
esperteza dos locais. Se são assim tão astutos, por que a miséria? E deixava
cair as mãos, como se desejasse expressar - para isso não há jeito.
Quanto tempo levará para que se desvende o segredo da Ferrante? Posso
imaginá-la, a levantar as mãos, em o gesto do m'en fichisme, como se dissesse e chè se
n'importa?
Agora os livros
da Ferrante abrem a porta para meninas e meninos se lançarem no vicário sonho
da fama, seja efêmera, seja duradoura, dependendo da qualidade do filme e de o
que trouxer através da telona como testemunho de ser gente pobre na Itália do
Sul.
Pode ser que além da literatura e da
virtualidade efêmera do best-seller,
alguma coisa sobre, nem que seja da feérica, espalhafatosa e, por vezes
traiçoeira, miséria nella Italia del
Mezzogiorno.
( Fonte: The New York Times )
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