domingo, 21 de maio de 2017

Desconstruindo o Brexit

                        

        Como esse tipo de rationale não é, geralmente, mencionado pela imprensa internacional, me pareceu de grande interesse o artigo de Jonathan Freedland em The New York Review of Books, em seu número de  onze de maio corrente.
        A imprensa internacional publica como  atitude fora do comum o plebiscito  de 23 de junho de 2016, em que o eleitorado britânico optou por deixar a União Europeia por um percentual de 52 a 48%. Vencia assim e de forma surpreendente o chamado Brexit (a saída da Inglaterra - Britain - do Mercado Comum Europeu).
          No entanto, apesar do sensacionalismo da imprensa, várias tentativas no passado de outras nações tinham feito água, por uma série de motivos: (i) em 2008 os irlandeses se recusaram a ratificar o Tratado de Lisboa, por 53% dos votos. Esse tratado carecia dos votos de todos os membros da UE, o que foi conseguido no ano seguinte, com os irlandeses convencidos a mudar de ideia; (ii) algo parecido já sucedera, com a tentativa pela U.E. de ter constituição escrita, bandeira e hino. Tanto a França quanto a Holanda se negaram a tal, em referendos de 2005. Por isso, Bruxelas tratou de reformular a dita 'constituição' no tratado de Lisboa, que, em essência repaginou o que já se aprovara antes.
             Sabe-se o quanto custara para o Reino Unido associar-se  à U.E., graças ao sonoro não do general de Gaulle. Saído o velho herói do governo - e, pouco depois, da morada terrestre - nova geração de políticos ingleses sucedeu no propósito de ingressar no Mercado Comum.
              Voltando, porém,  aos precedentes, parecia plausível  para  os cognoscenti presumir ao governo de Theresa May que se pudesse contornar o tal referendo, e não deixar o fechado clube de 28 membros (uma situação inédita até o presente). Uma das saídas seria encetar longas negociações com Bruxelas, ou esperar as eleições na França (já ocorrida) e na Alemanha (no outono europeu).  Outra versão seria a Inglaterra saindo formalmente da UE, mas conservando a participação no mercado único europeu. Como isso não constava da votação de junho de 2016,  a Inglaterra podia ficar na UE, dessa forma.
                   Mas Theresa May fora  Secretária do Interior (com responsabilidade sobre a imigração por mais tempo no gabinete inglês), a maior parte desse tempo sob as ordens de David Cameron (o que causara todo o problema, ao levantar desnecessária e mesmo ineptamente que essa questão fosse a referendum). A May preferiu, dessarte, ignorar as duas saídas, e mandou um diplomata do Foreign Office fazer as vezes de carteiro, para entregar a Donald Tusk uma carta de seis páginas para desfazer tudo o que grandes políticos britânicos tinham lutado para concretizar. Com efeito, a Inglaterra sairia da UE, segundo o artigo 50 - que até o presente nunca fora usado - à meia-noite de 29 de março de 2019. Como  aparenta prelibar esse tipo de coreografia,  ela se levantou ao mesmo tempo dessa tradição na Câmara dos Comuns, declarando que "é um momento histórico do qual não haverá recuo." Esse tipo de atitude, essencialmente vazia, nos explica como a May  se entenderia tão bem com o seu antecessor  Cameron.
                      May poderia ter escolhido um Brexit macio, o que tentaria preservar o máximo das atuais vantagens fruídas pela Inglaterra: manteria , assim,  as relações econômicas, culturais, diplomáticas e sociais com Bruxelas. Como se a grei da  U.E. fosse pesteada, preferiu ruptura total com  a UE.  Dentre de dois anos,  Londres estará tratando os demais membros da UE, não como antigos parceiros, mas como estranhos.
                      Esta postura radical - e pouco inteligente - da May teve grande ajuda do Partido Trabalhista. Assumira a direção do partido de Atlee, Jeremy Corby, que era um membro sem importância dos trabalhistas (um típico back-bencher), que foi lançado à liderança do Labour por  revolta intrapartidária,  que teve o resultado de enfraquecer o Partido Trabalhista. Mesmo com a tentativa de Corbyn de manter ordem unida, 52 trabalhistas votaram não.
                          Com a falta de  frente pró-manutenção de relações econômicas com a UE - a Escócia continua interessada em ser membro da UE - haveria possibilidade de forçar Theresa May a permanecer com um pé na U.E. Mas o malogro trabalhista, retirou-lhes o tapete.
                           O que surpreende na atitude de Theresa May é a sua incapacidade de refletir de modo mais aprofundado acerca dos prováveis efeitos de sua rígida posição. O grupo que favorecia a permanência (remainers) vê buracos de lógica na posição oficial: apesar da linha dura comercial,  o grupo do brexit quer manter comércio livre com a Europa, dentro das melhores condições. Querem continuar com a estreita colaboração. Querem  que a Inglaterra seja um imã global, atraindo gente de talento. Os remainers dizem a propósito: vocês tinham tudo isso, só que decidiram jogá-lo fora.
                         Esse gesto do governo de Theresa May terá muitas consequências negativas também para a Europa.  O aporte na defesa será sentido.  É previsível também que os membros de viés europeu manterão a unidade para negociar com a Inglaterra. Como assinala  Freedland  isso pode não ser uma vazia  promessa de Tusk.  Os europeus farão pagar a Londres um preço alto pelo que constitui um ato de secessão.
                          Como assinala Freedland, talvez exagerando um tanto,  "O Brexit pode infligir graves prejuízos ao Reino Unido e pode até arrebentar (wreck) com a U.E. Mas ele também pode unir a Europa e os europeus de  forma ainda mais forte."  


( Fonte: The New York Review, May 11 2017).De

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