Como
esse tipo de rationale não é,
geralmente, mencionado pela imprensa internacional, me pareceu de grande
interesse o artigo de Jonathan Freedland em The New York Review of Books, em seu
número de onze de maio corrente.
A
imprensa internacional publica como atitude fora do comum o plebiscito de 23 de junho de 2016, em que o eleitorado
britânico optou por deixar a União Europeia por um percentual de 52 a 48%.
Vencia assim e de forma surpreendente o chamado Brexit (a saída da Inglaterra - Britain - do Mercado Comum Europeu).
No entanto,
apesar do sensacionalismo da imprensa, várias tentativas no passado de outras
nações tinham feito água, por uma série de motivos: (i) em 2008 os irlandeses
se recusaram a ratificar o Tratado de Lisboa, por 53% dos votos. Esse tratado
carecia dos votos de todos os membros da UE, o que foi conseguido no ano
seguinte, com os irlandeses convencidos a mudar de ideia; (ii) algo parecido já
sucedera, com a tentativa pela U.E. de ter constituição escrita, bandeira e
hino. Tanto a França quanto a Holanda se negaram a tal, em referendos de 2005.
Por isso, Bruxelas tratou de reformular a dita 'constituição' no tratado de
Lisboa, que, em essência repaginou o que já se aprovara antes.
Sabe-se o quanto custara para o Reino Unido associar-se à U.E., graças ao sonoro não do general de Gaulle. Saído o velho herói do governo - e, pouco
depois, da morada terrestre - nova geração de políticos ingleses sucedeu no
propósito de ingressar no Mercado Comum.
Voltando,
porém, aos precedentes, parecia
plausível para os cognoscenti
presumir ao governo de Theresa May que se pudesse contornar o tal
referendo, e não deixar o fechado clube de 28 membros (uma situação inédita até
o presente). Uma das saídas seria encetar longas negociações com Bruxelas, ou
esperar as eleições na França (já ocorrida) e na Alemanha (no outono europeu). Outra versão seria a Inglaterra saindo
formalmente da UE, mas conservando a participação no mercado único europeu.
Como isso não constava da votação de junho de 2016, a Inglaterra podia ficar na UE, dessa forma.
Mas Theresa May fora Secretária do Interior (com responsabilidade
sobre a imigração por mais tempo no gabinete inglês), a maior parte desse tempo
sob as ordens de David Cameron (o que causara todo o problema, ao levantar
desnecessária e mesmo ineptamente que essa questão fosse a referendum). A May preferiu, dessarte, ignorar as duas saídas, e
mandou um diplomata do Foreign Office fazer as vezes de carteiro, para entregar
a Donald Tusk uma carta de seis páginas para desfazer tudo o que grandes
políticos britânicos tinham lutado para concretizar. Com efeito, a Inglaterra
sairia da UE, segundo o artigo 50 - que até o presente nunca fora usado - à
meia-noite de 29 de março de 2019. Como aparenta prelibar esse tipo de
coreografia, ela se levantou ao mesmo
tempo dessa tradição na Câmara dos Comuns, declarando que "é um momento
histórico do qual não haverá recuo." Esse tipo de atitude, essencialmente
vazia, nos explica como a May se
entenderia tão bem com o seu antecessor
Cameron.
May poderia ter escolhido um
Brexit macio, o que tentaria preservar o máximo das atuais vantagens fruídas
pela Inglaterra: manteria , assim, as
relações econômicas, culturais, diplomáticas e sociais com Bruxelas. Como se a
grei da U.E. fosse pesteada, preferiu
ruptura total com a UE. Dentre de dois anos, Londres estará tratando os demais membros da
UE, não como antigos parceiros, mas como estranhos.
Esta postura radical -
e pouco inteligente - da May teve grande ajuda do Partido Trabalhista.
Assumira a direção do partido de Atlee, Jeremy Corby, que era um membro sem importância
dos trabalhistas (um típico back-bencher),
que foi lançado à liderança do Labour por revolta intrapartidária, que teve o resultado de enfraquecer o Partido
Trabalhista. Mesmo com a tentativa de Corbyn de manter ordem unida, 52
trabalhistas votaram não.
Com a falta de frente pró-manutenção de relações econômicas com a UE - a Escócia continua
interessada em ser membro da UE - haveria possibilidade de forçar Theresa May a
permanecer com um pé na U.E. Mas o malogro trabalhista, retirou-lhes o tapete.
O que surpreende na
atitude de Theresa May é a sua incapacidade de refletir de modo mais
aprofundado acerca dos prováveis efeitos de sua rígida posição. O grupo que
favorecia a permanência (remainers) vê buracos de lógica na posição oficial:
apesar da linha dura comercial, o grupo
do brexit quer manter comércio livre com a Europa, dentro das melhores condições.
Querem continuar com a estreita colaboração. Querem que a Inglaterra seja um imã global, atraindo
gente de talento. Os remainers dizem a propósito: vocês tinham tudo isso, só que decidiram
jogá-lo fora.
Esse gesto do
governo de Theresa May terá muitas consequências negativas também para a Europa. O aporte na defesa será sentido. É previsível também que os membros de viés
europeu manterão a unidade para negociar com a Inglaterra. Como assinala Freedland
isso pode não ser uma vazia
promessa de Tusk. Os europeus
farão pagar a Londres um preço alto pelo que constitui um ato de secessão.
Como assinala
Freedland, talvez exagerando um tanto,
"O Brexit pode infligir graves prejuízos ao Reino Unido e pode até
arrebentar (wreck) com a U.E. Mas ele também pode unir a Europa e os europeus
de forma ainda mais forte."
( Fonte: The New York Review, May 11 2017).De
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