Tudo indica que a
proposta de Nicolás Maduro para convocar uma nova Constituinte não passe de um tosco
golpe de estado. Para respeitar o texto constitucional uma Assembléia Nacional
Constituinte (ANC) deveria incluir um referendo sobre a própria proposta, a
eleição popular dos membros da ANC e um segundo referendo para aprovar a nova
Constituição.
Em caso contrário, como explica o
Professor de Direito Constitucional Juan Manuel Raffalli, da Universidade
Católica Andrés Bello, a medida será "um novo golpe de Estado". Na opinião de Raffalli, o objetivo central do
governo Nicolás Maduro "é adiar as eleições que a oposição está
pedindo".
O professor, no entanto, concorda em
que Maduro tem o poder de convocá-la - assim como a Assembléia Nacional - mas é
necessário passar por vários processos de consulta popular, Primeiro, um
referendo sobre a iniciativa; depois a eleição dos constituintes; e por último,
um referendo sobre a nova Constituição. E devem participar todos os cidadãos e
partidos políticos. A sensação que se tem, depois das declarações do
presidente, é de que ele não quer uma ANC, mas adiar as eleições que a oposição
está exigindo. Para que uma nova Constituição, se temos a Constituição de Hugo
Chávez?
O Prof. Raffalli considera um
absurdo eleger quinhentos constituintes. Seria outro despropósito. Com Chávez foram 130 os constituintes, e
tivemos processo que durou dez meses. Imaginem com quinhentos. Está em
risco a eleição presidencial de 2018.
Por outro lado, a Constituinte
Comunal é termo não previsto na Constituição.
Se for uma Constituinte comunal, da qual participem apenas os conselhos
comunais será um golpe aberto à Constituição. Um novo golpe de Estado. O
professor Raffalli vê uma ação desesperada do Presidente, para tentar aliviar a
pressão das ruas. Mas este anúncio vai aumentar a tensão e a pressão, porque o
que os manifestantes pedem é outra coisa.
No entendimento do Professor
Raffalli, quem deve organizar o processo da ANC é o Conselho Nacional Eleitoral
(CNE), que deve estabelecer as bases da
Constituinte. O que vale dizer, se
Maduro respeitar o que diz o artigo 347 da Constituição, que o autoriza a convocar
uma ANC, quem comandará o processo é o CNE, controlado pelo Governo. E assim
todas as demais eleições que deveriam ser realizadas este ano e em 2018 serão
adiadas.
Perguntado no final a respeito de
que valor teria uma Constituinte Comunal, respondeu o Profesor: Nenhum. Seria uma Constituição desconhecida pela grande
maioria dos venezuelanos, uma Constituição ilegítima. A crise seria ainda mais profunda, mas hoje,
com um governo ilegítimo, que não cumpre a Constituição e simplesmente exerce o
poder, podemos esperar qualquer coisa.
Diante da geral oposição, Nicolás
Maduro aproveitou a megamarcha organizada
pelo chavismo para celebrar o Dia do Trabalho e anunciou a convocação de nova Assembléia Constituinte, "escolhida pelo povo e pela classe
trabalhadora", O órgão deve ser eleito em parte por membros dos Conselhos
Comunais - entidades locais de poder popular criados pelo regime pelo país.
Segundo Maduro, o objetivo da
medida é reformar o Estado e a Assembleia Nacional (AN) - atualmente controlado
pela Oposição - que acusou Maduro de promover um golpe de Estado. Foi
igualmente contestado por juristas, mergulhando o país em um grau ainda maior
de confusão e incerteza.
Convoco o Poder Constituinte
Originário para que seja o povo, com sua soberania que imponha a paz, disse
Maduro perante a multidão congregada. "Vocês são testemunha de que
convoquei setores da direita a um diálogo político. Dezesseis semanas
procurando chegar a acordos de paz por meio da palavra, mas eles se negaram. Hoje o cenário está claro: eles não vão parar
com seu plano fascista, e cabe a nós derrotá-los com as leis, com a
Constituição e com a união cívico-militar.
Consoante Maduro, serão
eleitos quinhentos representantes que formarão a assembléia "popular,
cidadã e trabalhadora", responsável por redigir a Carta Magna, que
substituirá a Constituição de 1999 - elaborada já com o coronel Hugo Chávez no
poder.
Será uma Constituinte eleita
com voto direto do povo: duzentos ou duzentos e cinquenta pela base da classe
operária. As comunas, missões, os movimentos sociais, movimentos de pessoas com
deficiência, indígenas e pensionistas vão ter seus constituintes próprios
eleitos (segundo detalhou Maduro). Os demais constituintes vão ser eleitos em
um sistema territorializado, com caráter municipal e local.
Maduro designou o Ministro do
Poder Popular para a Educação, Elias Jaua, como presidente da Comissão
presidencial para a Consulta de Bases, e afirmou que nomes de alto escalão do chavismo também
integrarão o órgão. A ver pelo unilateralismo de tais decisões, o advogado
constitucionalista Pedro Alfonso del
Pino, tal medida de Maduro deixa o país "à beira da ditadura",
De acordo com del Pino "o mais importante não é somente se o governo
convocará a Constituinte ou não, mas sim se haverá votação." Em
entrevista televisiva, disse del Pino: "O mais importante não é somente se
o Governo convocará a Constituinte ou não, mas sim se haverá votação."
E acrescentou del Pino:" uma AN que não surja do sufrágio direto e
substitua o Parlamento atual seria uma fraude."
Maduro prometeu assinar,
horas depois do discurso, um decreto sobre a nova Constituinte. Ontem, o deputado Júlio Borges, presidente da
AN, afirmou que Maduro havia "consumado seu contínuo golpe de Estado
contra a Constituição e a Democracia". Borges acusou o presidente,
outrossim, de "propor uma fraude para fugir do voto universal, direto e
secreto do Povo", e convocou Forças Armadas e poderes públicos a se
pronunciarem em defesa dos valores constitucionais.
Outro importante membro da "Mesa
de Unidade Democrática" (MUD) e governador do estado de Miranda, Henrique
Capriles, convocou opositores a se mobilizarem contra a medida, classificando a
nova Constituinte como "uma loucura" e o presidente Maduro de
"ditador". Já Henry Ramos Allup,ex-presidente da AN, afirmou que
Maduro não convocou uma nova Constituinte, e sim uma "prostituinte".
O caráter ditatorial e, por
conseguinte, excludente e antidemocrático dessa fantasmagórica convocação de
uma Constituinte Comunal, foi oportunamente acentuado por José Vicente Haro,
professor da Universidade Central da
Venezuela (UCV): " O principal problema é que o presidente está convocando
uma Constituinte excludente,onde só participariam organizações em geral vinculadas
ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)" - afirmou ao Globo José
Vicente Haro, professor da Universidade
Central da Venezuela (UCV). "Parece que Maduro quer acabar com o único
elemento que temos para lutar por nossa democracia".
O professor Luis Pedro España,
da Universidade Católica Andrés Bello, foi ainda mais contundente: "Esta é
uma invenção de Maduro, um golpe ainda mais grave. Querem substituir o voto
direto por um sistema de voto nas comunas, uma loucura", disse ele.
"Temos um governo que não está disposto a negociar nada e uma sociedade
farta. O desfecho se tornou ainda mais imprevisível."
O que se está
caracterizando é a fuga generalizada do poder chavista diante do
processo eleitoral. No fim do ano
passado, a Venezuela deveria ter realizado eleições para governadores e
parlamentos regionais. Foi tudo adiado por tempo indeterminado. Apesar de
declarações em contrário do ditador, apesar de se dizer "ansioso" por
uma nova vitória eleitoral, a oposição teme que a medida impeça não somente as
eleições regionais, mas também as municipais, marcadas para este segundo
semestre.
Pela comprovada
incapacidade do Governo de Maduro, a Venezuela vê aprofundar-se a crise
econômica geral e uma inflação que deve chegar, segundo o FMI, ao nível
hiperinflacionário de 2.200%.
Em abril passado, 29
pessoas morreram em protestos contra o governo. Por força da pressão internacional,
a Venezuela se desligou da Organização dos Estados Americanos.
( Fonte:
O Globo )
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