1. A
Associação Cruz Verde atende a 204 pacientes que nele moram em caráter
permanente. É um prédio arejado e
iluminado, de paredes claras e equipe sorridente.
2. Os
pacientes na verdade são moradores - crianças, adolescentes e adultos - todos
portadores de paralisia cerebral e microcefalia graves. São submetidos a
diversos tratamentos: fisioterapia, fonoterapia, hidroterapia e terapia ocupacional.
3. Nenhum dos 204 pacientes consegue
caminhar. Todos usam fraldas e a maioria não pode engolir. Por isso, são
alimentados por sondas. Muito poucos podem falar.
4.
Cerca de 70% dos pacientes da Cruz Verde foram abandonados pelas
famílias. Por isso, estão fadados a viverem no hospital até a liberação pela
morte.
5.
A paralisia cerebral por um acidente (fumaça inalada de um incêndio,
v.g.). R. tinha dez anos de idade quando a casa onde morava pegou fogo. Era o
responsável pelos três irmãos menores, enquanto a mãe trabalhava. Talvez o
instinto de conservação o tenha feito sair da casa em chamas, mas se arrependeu
e voltou para tentar salvar os seus três irmãos.
Logrou então salvar os irmãozinhos, mas inalou grande quantidade de
fumaça, sofreu parada cardiorrespiratória que lhe causou grave paralisia
cerebral.
Ainda no
hospital, R. foi abandonado pela família que salvara. Ocupa há oito anos um dos
berços de uma ala da Cruz Verde. Não fala, nem anda. Contudo, segue o
interlocutor com o olhar.
R. nunca recebeu
visita ou foi procurado por alguém.
6. Aos 12 anos L.que nasceu com paralisia cerebral, pesava
apenas 12 kg. quando foi internada no hospial, com extrema desnutrição, depois
de ter sido retirada da família por maus tratos.
Ela depende de
uma traqueostomia e um respirador para se manter viva.
7. J. uma simpática menina
de dois anos que distribui sorrisos quando alguém chega perto de seu leito,
nasceu de uma mulher que teve crises de epilepsia durante a gestação, e teve o
cérebro lesionado. A mãe, que a deixou, raramente a visita.
Quando a mãe dá
as caras, ela diz "isso eu não quero na minha casa".
8. As pessoas não querem cuidar, mal querem olhar, há muito
preconceito. Temo que o aumento de casos de microcefalia provoque um surto de
abandonos. É o que afirma a neuro-pediatra, especialista em paralisia cerebral,
Adriana Ávila de Espíndola.
9. Por sua vez,
nem todas as pessoas sãs tem essa atitude de rejeição extrema. Fernanda Silva
Costa, com 38 anos, conheceu dentro de casa a dor da rejeição. Ela é mãe de A.,
de três anos, que nasceu com microcefalia e paralisia cerebral. A criança não
enxerga, não fala, não anda e não consegue se sentar sozinha, não engole nenhum
alimento que não seja pastoso. Ela e o
marido se desdobram nos cuidados com o menininho, os quais incluem uma extensa
agenda médica. A mãe de Fernanda,e avó de A. no entanto se recusa a chegar
perto da criança.
Segundo
conta Fernanda, "ela (a avó) não o pega no colo, arruma desculpas para não
acompanhar no médico, parece que sente nojo dele. Isso machuca muito. Agora
estamos tentando matriculá-lo em alguma escola, mas nenhuma delas aceita, dizem
que não têm condições. Os pais não deixam suas crianças chegarem perto do
A. Não querem deixá-lo entrar na sociedade.
É isso que
conta a mãe Fernanda, que leva o filho para tratamento na Cruz Verde.
10. É de
notar-se, outrossim, que além do preconceito, as mães enfrentam a falta de
terapias e opções médicas no SUS para tratar suas crianças. Pacientes com paralisia cerebral precisam de
estimulação contínua para terem u'a maior qualidade de vida.
11. O custo operacional da Cruz Verde de
quinze milhões de reais por ano a força a equilibrar-se diante da escassez de
verba pública - o SUS custeia 50% das
despesas - e a necessidade de doações de mais de 50 empresas para continuar
funcionando
12. A
incidência do nascimento de bebês com microcefalia, resultante de infecções por
zika virus - de que o vetor é o Aedes Aegypti se se confirmarem os temores de
nova epidemia, causada notadamente pelas precárias condições de higiene (água
pútrida parada, mas também poças de água limpa) e previsão, que por um conjunto
de ignorância, displicência e também, a fortiori, falta de intervenção de
agentes de saúde (em número compativel com a ameaça), a par de omissão de
campanha incessante do poder público para conscientizar o Povo e as donas de
casa onde estiverem da necessidade de se porem mãos a obra.
13. Até o presente se tem a impressão de que os
secretários de saúde de prefeituras e estados, e até o Ministro competente acham
ser bastante e suficiente um anúncio isolado falando que é só um mosquito o que
nos ameaça a todos. Só um? E a apatia geral, disfarçada por trás do anúncio
bonitinho, que aparece de quando em vez, será mesmo que pensam que ela vai ser
suficiente?
Tenho a impressão que essa gente não tem noção de o que está em jogo.
Pensam que criar dezenas, até centenas de Cruz
Verdes vai resolver ?
( Fonte: O Globo )
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