Diante da
cena do Chefe da Nação americana com os olhos marejados em cerimônia pública em
salão da Casa Branca, a própria imprensa estadunidense descobriu-se desconcertada com o quadro.
Não há nada
mais especificado e ordenado que solenidade em sala aonde se realiza audiência
pública do Senhor Presidente. É trabalho a um tempo rotineiro, mas com
presenças especialmente convidadas, jornalistas e público selecionado.
Na grande
democracia americana, Barack Hussein
Obama é o primeiro afro-americano a ser eleito, e o quadragésimo-quarto na
série presidencial. George Washington seria o primeiro Presidente, empossado em 1789.
Quando foi eleito por unanimidade, os
Estados Unidos da América, eram ainda nação relativamente pequena, eis que
reunia as treze colônias formadoras da União Americana. Um longo caminho tem
sido percorrido por essa Nação, dentro da norma constitucional até hoje vigente
- o que decerto é incomum diante de outros países em que as Cartas magnas podem
ter vida curta. O segredo talvez da
Carta de Filadelfia foi o de cingir-se a princípios e normas genéricas,
evitando a minudência de outras, que pelas suas próprias características e a
facilidade com que são emendadas, tendem a envelhecer depressa.
A democracia americana já atravessou momentos
difíceis, mas não há registro de quebra da Carta Magna. A maior democracia do
Planeta tem enfrentado crises, mas ao contrário das restantes, não há golpes a
registrar. Desafios do porte da guerra civil, encontraram em Abraham Lincoln a
grande personalidade para conduzi-los nessa sua maior provação. E ela foi
vencida, e seu general Robert Edward Lee rendeu-se, dentro da lei.
Barack
Obama, um presidente de dois mandatos (depois de Franklin D. Roosevelt foi
emendada a Constituição para que só fosse possível uma única reeleição, sem
qualquer exceção) é o primeiro mandatário afro-americano, e também o primeiro a
enfrentar o declínio do poder estadunidense, por causa da guerra irresponsável
de George W. Bush provocada pelas inexistentes armas de destruição em massa
(WMD) tão a gosto da camarilha dos neoconservadores e do vice-presidente Dick
Cheney. A única superpotência se dessangraria em bilhões de dólares nessa expedição
para derrubar o tirano Saddam Hussein, e para implantar a democracia no Médio
Oriente.
Esse
desperdício gigantesco deixou muitas feridas e chagas abertas nos Estados
Unidos, notadamente nas suas cidadezinhas
internas, marcadas por esvaziamento econômico, em que os galpões desertos se
sucedem nas Main Street que tanto
assinalaram a pátria americana. Cunhou-se o nome de decline (declínio) para tal silenciosa ocorrência, que se marca
pela diminuição nas atividades das Main Street interioranas que Norman
Rockwell desenhara então com as cores dos bons tempos.
Obama
adentrou a Casa Branca ainda jovem e pagaria o preço da relativa inexperiência
política, com derrota nas eleições intermediárias de 2010, que ele próprio
designaria como shellacking (tunda).
A sua grande legislação - a reforma de Wall-Street, os fundos para que a economia vencesse a
Grande Recessão de 2007/08, com a falência do banco Lehman Brothers, o ACA - a
Lei da Assistência Médica para todos - só seria possível implementar no
primeiro biênio, quando os democratas dispunham de maioria nas duas Casas do
Congresso. Em 2010 se instalou o bloqueio em Washington, eis que nenhuma
legislação de peso podia mais ser aprovada, com a Câmara de Representantes
(deputados) empolgada pelo Partido Republicano. Aliás, o GOP aprendeu depressa
a lei, posto que o guerrymander a que recorreu (servindo-se do novo censo)
criaria condições para que se tornasse quase impossível quebrar a maioria
republicana na Câmara.
O GOP seria
uma dura prova para Obama, a ponto de o lider no Senado dos republicanos ter
proclamado como maior objetivo do partido a não-reeleição do 44° Presidente. A
paralísia em Washington e o radicalismo do movimento de extrema direita do Tea
Party (uma criação dos irmãos petroleiros Koch, desafetos de Obama) tornaria
possível até a queda na cotação do Tesouro americano por uma Agência de
Classificação de Risco. Como a manobra tinha as marcas digitais do GOP, acabou
prejudicando mais a Agência de Wall Street do que a Nação americana, dada a
origem sectária da iniciativa.
O jovem
presidente cresceu no exercício de seu primeiro mandato, através do duro
aprendizado e da superação dos eventuais erros. Por isso, o líder da minoria Mitch
McConnell teve de engolir o segundo mandato de Barack Obama, e a manutenção da
maioria democrata no Senado. As baixarias do Tea Party repercutiram a favor de
Obama e dos democratas. Se a Câmara está
hoje ainda escandalosamente blindada contra maioria democrata - Nancy Pelosi
desde 2010 deixou de ser a Speaker da
Câmara, sucedida pelo católico do Ohio, o republicano John Boehner - este
último acaba de ser derrubado pelos
ultras, com a eleição para Speaker de
Paul Ryan, quem fora o candidato a vice na chapa de Mitt Romney, em 2012.
Por
outro lado, Obama cresce no respeito de seu eleitorado, assim como de uma parte
de eleitores normalmente designados como indecisos. 2016 é na prática o seu
último ano na presidência, mas apesar de o Partido Democrata haver perdido a
maioria também no Senado, com as últimas eleições intermediárias, o 44°
presidente está longe de ser um figure
head (mandatário sem poder).
É a
segunda vez que Barack Obama se vale dos decretos (executive action) para
contornar o bloqueio do GOP. Lograra na imigração aprovar um projeto de lei no
Senado, com apoio de Senadores republicanos importantes, como John McCain, que
fora o candidato a presidente perdedor contra Obama em 2008. Representaria importante avanço social,
trazendo para a legalidade um grande número de imigrantes ainda hoje ilegais
nos States. A rigidez da Câmara, cuja
composição pelas graças do guerrymander não corresponde ao sentir da Nação
americana, barrou a progressão dessa lei, que foi escandalosamente engavetada
pelos deputados radicais de direita.
Nesse
contexto, Obama tenta contornar a rigidez republicana com o recurso à executive
action (decretos), cuja legalidade pode ser contestada nos tribunais. E é o que
está ocorrendo, com a reforma migratória parada pelo reacionarismo de direita
do Tea Party.
Contudo,
não há campanha em que o Presidente mais se empenhe do que no intento de criar
restrições à irresponsável facilidade com que os indivíduos podem legalmente se
armar - e que armas têm disponíveis! Com indubitável acerto e apoio de uma
parte da Sociedade Civil, Barack Obama se tem empenhado com grande vigor para
restringir a demagógica e nada responsável (em termos de controles) legislação
que permite a farra na compra de toda a espécie de armamento.
Fundado na dúbia legalidade de uma disposição constitucional - o direito
de formar milícias armadas, que é um resíduo do período pós-colonial, em que o
americano carecia de armas de fogos para proteger a respectiva fazendola ou
outra propriedade das incursões dos temíveis peles vermelhas (de que os
melancólicos e restantes sobreviventes estão hoje vivendo em reservas bastante
isoladas dos grandes centros, sendo muita vez vítimas do alcoolismo e de outras
afecções) - o Partido Republicano ( e uma parcela dos Democratas, diga-se a bem
da verdade) se opõem com inaudita rigidez e firmeza à inserção de controles na
Lei Americana, com vistas a estabelecer limitações de bom senso a esse frenesi
armamentista.
Nem
mesmo o massacre de San Bernardino, na Califórnia, perpetrado por casal
muçulmano contra inocentes membros de uma Clínica de Paternidade Responsável
foi bastante para demover os membros do GOP a introduzir qualquer emenda ao
direito sagrado do cidadão americano - ou residente nos EUA - de servir-se das
armas de alto calibre e letalidade.
A
negativa dos republicanos (e de uma parte de democratas) de sequer considerar
emendas sensatas e moderadas a esse sagrado direito de matar, que é ritualmente
defendido sob pretexto de ser um direito constitucional, vai constituindo uma
atitude que pelas suas características e pela sua disposição infensa à qualquer
mudança, mesmo perante horríveis massacres perpetrados por indivíduos
instáveis, como em Connecticut, e em tantos outros estados americanos, tudo isso agregado leva necessariamente a
suspeitar que há boa parcela de irresponsável demagogia, que não trepida em
brincar (literalmente) com fogo nesse país, mesmo sob golpes pesados como é a
sucessão de massacres por arma de fogo pelos desequilibrados de plantão.
Chega a falta de bom senso a tais extremos - eis que as negativas
ignoram o peso presente e imediato de uma série de massacres, todos eles
caracterizados pelo total desequilíbrio de quem perpetra o ato respectivo,
muito embora, em muitos casos, bastaria rápida consulta aos antecedentes do
interessado, para em atendimento ao bem público e à incolumidade que se deveria
presumir na civilização americana, que o vendedor negasse, por interesse
público, disponibilizar a um indivíduo sob suspeito de grave desequilíbrio, a
posse de instrumento letal que nada constrói e só destrói, com as benesses
dos notórios demagogos da direita republicana.
As lágrimas de Barack Obama - que pensava nas crianças vítimas da fúria
assassina de mais um desequilibrado a quem poderia ter sido negada a posse do instrumento, se se atendessem mínimas condições de bom senso.
As lágrimas de Obama são a comprovação de uma luta ingente. A mente sã
recusa aceitar esse status quo povoado de crianças em necrotérios. Que Nação é
essa que se aferra à influência da National
Rifle Association e à sua colheita maldita, como se bastasse para autorizar
a demência desses senhores a ritual e arcana reivindicação de uma emenda hoje
irremediavelmente proscrita. Se valeu para defender, real ou putativamente, das
investidas dos pele-vermelhas o colono americano, é mais do que tempo de
introduzirmos o bom senso nas salas dos senhores legisladores.
As lágrimas de Obama, à vista da Nação americana, gritam mais forte do
que todas as vozes dos portadores de arma.
Chorar perante a morte é o último recurso no macabro silêncio da câmara
mortuária.
As lágrimas de Obama gritam mais alto
que os demagogos do GOP. Pobre do Povo que for incapaz de entender o que aqui
está em jogo.
( Fontes:
Profundamente, de Manuel Bandeira; The New York Times; artigos de George
Packer, no New Yorker )
Nenhum comentário:
Postar um comentário