terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Lewandowski e o CNJ


                                        

         Na sua condição de Presidente do Supremo, cargo bienal, incumbe a Ricardo Lewandowski presidir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Há presidentes do STF com postura pró-ativa, que consideram de grande relevância o papel desse Conselho,  criação do Ministro Nelson Jobim. Com essa visão mais larga e contrária à burocracia jurídica -  favorecendo um controle pró-ativo dos tribunais estaduais - também se inseriu o Presidente Joaquim Barbosa, que se assinalou notadamente como relator da Ação Penal 470, levando a cabo  o famoso processo do Mensalão. Há outros presidentes do STF, como Cezar Peluso (2010-2012), que procurou enfraquecer o CNJ através de uma PEC (proposta de emenda constitucional).  Peluso foi juiz conservador, com grande conhecimento jurídico, e por isso intentou reduzir as competências do CNJ. Dada a reação da opinião pública,  sua proposição não teve êxito.

        Durante a presidência de Lula da Silva, um de seus mais brilhantes ministros foi o advogado Márcio Thomaz Bastos, que assessorou com rara oportunidade e tirocínio o presidente petista. Teve notadamente grande papel com o enriquecimento na qualidade dos ministros indicados para o STF. Dentre outros, sugeriu a Lula a nomeação do primeiro afro-brasileiro para a Corte, com a feliz indicação de Joaquim Barbosa. Ao invés de sua sucessora, elevou o nível dos ministros indicados. Além disso, obteve do presidente a autonomia da Polícia Federal, o que lhe deu presença mais afirmativa, como se evidenciaria com a grande operação Lava-Jato.

         Mas voltemos ao Ministro Ricardo  Lewandowski, cujo mandato como presidente deve concluir-se em 8 de setembro de 2016. Faltam-lhe poucos meses para dar sequência ao seu esforço de relativo esvaziamento do CNJ. Para que se tenha ideia de sua postura assaz negativa quanto às funções desse Conselho - que teve, no passado, grandes corregedores e uma atuação em prol de justiça mais ágil, mais abrangente, menos corporativista, e, por que não dizer, mais moderna e afastada  da burocracia que emperra a ação dos tribunais. Lewandowski favoreceu um encolhimento do Conselho. Reduziu a duração das sessões do CNJ, e quando viaja - e Sua Excelência gosta de viajar, tendo inclusive visitado, em audiência especial, a Rainha Elizabeth II da Inglaterra (et al.) - toma o cuidado de não convocar reuniões, impedindo dessarte a vice-presidente, Ministra Carmen Lúcia, de substituí-lo (como prevê o Regimento Interno).

           Nas sessões, não deixa de elogiar a corregedora nacional, Ministra Nancy Andrighi, mas não chama a julgamento reclamações disciplinares graves, processos cujos votos a Corregedora já concluíu há meses.

             Nesse contexto, dos 32 processos que a Corregedoria enviou para a devida apreciação pelo plenário do Conselho, 21 ainda aguardam  julgamento.         

             A conjura mais grave contra o CNJ está, no entanto, na articulação por um lobby de presidentes de tribunais estaduais, a criação, por emenda constitucional, do Conselho de Justiça Estadual.  Como se verifica desde logo, é mais do que fundado o temor que o futuro órgão (na hipótese de sua PEC ser aprovada pelo Congresso) venha a subtrair atribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

              Qual seria o escopo precípuo dessa clara, evidente duplicação de funções? Na avaliação de ex-presidentes e ex-corregedores do CNJ, as cortes estaduais tem sido as mais resistentes ao controle externo (na verdade, a besta negra dos juízes conservadores) e as que mais cometem abusos.

              Como se terá verificado pela exposição acima, não surpreende que o movimento seja apoiado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo e do CNJ. Tem ele a intenção de dar status constitucional ao "Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil", que, na realidade, é um grupo de pressão recentemente rebatizado  com o título "Conselho dos Tribunais de Justiça".

               Atualmente, esse colégio não pertence à estrutura formal do Poder Judiciário. Na verdade, além do pomposo título, ele não existe. Assim, sem sede fixa, costuma se reunir em tribunais estaduais, ou, se houver possibilidade, em resorts, com patrocínio público e privado.

               Consoante assevera o juiz trabalhista Rubens Curado - que ingressou no CNJ em 2007, tendo presença com brilho no Conselho (juiz auxiliar da presidência, secretário-geral e membro do colegiado).

               A propósito dos comentários, o desembargador Pedro Bitencourt Marcondes, Presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça (acima referidos) diz que há "preconceito". Considera "um equívoco" imaginar que o novo órgão venha a comprometer a atuação do CNJ.

                A despeito de tais assertivas, a movimentação - e as simpatias do atual Presidente do Supremo - não deixa dúvidas de que está em marcha um projeto dos adversários do CNJ, uma ofensiva dos setores mais corporativistas do Judiciário.

                 Até o presente as insurreições dos judiciários estaduais malograram. Em 2005, houve a rebelião contra resolução que proibiu o nepotismo e, em 2011, a tentativa de inibir a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça - ambas foram frustradas pelo Supremo.

                    O favorecimento de Lewandowski o levou a abrir as portas do CNJ às associações. Sem ouvir o colegiado - portanto com dúbia legalidade - criou dois conselhos consultivos em seu gabinete: o primeiro, formado por representantes das associações de juízes; o outro, por presidentes do colegiado de tribunais estaduais.

                     Ao criar tais instâncias, de resto não previstas no regulamento do CNJ, Lewandowski passou a ouvir os conselhos antes de submeter as propostas de decisões ao CNJ. Com isso, passa a impressão de que o controle estatutário pelo Conselho seria algo formal.

                     Como todas as tentativas desse gênero - o que é expresso pela frase latina de Juvenal "Quis custodiet ipsos custodes?" (quem vigiará os vigias?) - Sua Excelência R. Lewandowski procura arar o mar. Ao cabo de seu mandato no CNJ, é de esperar-se que as coisas voltem ao seu lugar. Corporativismos à parte, o CNJ, bem dirigido e com Corregedor dotado da necessária confiança do Presidente, voltará a exercer as respectivas funções, para alegria de boa parte dos cultores do direito. A grande idéia do Ministro Nelson Jobim, que, a seu tempo  a soube conduzir à aprovação pelo Congresso e à sua entrada em funções, continuará, como na parábola, a sua marcha, para que os eventuais abusos sejam coibidos, e os acertos louvados.

 

( Fonte: Folha de S. Paulo )

 

Nenhum comentário: