Na sua condição de Presidente do
Supremo, cargo bienal, incumbe a Ricardo Lewandowski presidir o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). Há presidentes do STF com postura pró-ativa, que
consideram de grande relevância o papel desse Conselho, criação do Ministro Nelson Jobim. Com essa
visão mais larga e contrária à burocracia jurídica - favorecendo um controle pró-ativo dos
tribunais estaduais - também se inseriu o Presidente Joaquim Barbosa, que se assinalou
notadamente como relator da Ação Penal 470, levando a cabo o famoso processo do Mensalão. Há outros presidentes do STF, como Cezar Peluso (2010-2012),
que procurou enfraquecer o CNJ através de uma PEC (proposta de emenda
constitucional). Peluso foi juiz
conservador, com grande conhecimento jurídico, e por isso intentou reduzir as
competências do CNJ. Dada a reação da opinião pública, sua proposição não teve êxito.
Durante a presidência de Lula da Silva,
um de seus mais brilhantes ministros foi o advogado Márcio Thomaz Bastos, que
assessorou com rara oportunidade e tirocínio o presidente petista. Teve
notadamente grande papel com o enriquecimento na qualidade dos ministros
indicados para o STF. Dentre outros, sugeriu a Lula a nomeação do primeiro
afro-brasileiro para a Corte, com a feliz indicação de Joaquim Barbosa. Ao
invés de sua sucessora, elevou o nível dos ministros indicados. Além disso,
obteve do presidente a autonomia da Polícia Federal, o que lhe deu presença
mais afirmativa, como se evidenciaria com a grande operação Lava-Jato.
Mas voltemos ao Ministro Ricardo Lewandowski, cujo mandato como presidente deve
concluir-se em 8 de setembro de 2016. Faltam-lhe poucos meses para dar
sequência ao seu esforço de relativo esvaziamento do CNJ. Para que se tenha
ideia de sua postura assaz negativa quanto às funções desse Conselho - que
teve, no passado, grandes corregedores e uma atuação em prol de justiça mais
ágil, mais abrangente, menos corporativista, e, por que não dizer, mais moderna
e afastada da burocracia que emperra a
ação dos tribunais. Lewandowski favoreceu um encolhimento do Conselho. Reduziu
a duração das sessões do CNJ, e quando viaja - e Sua Excelência gosta de
viajar, tendo inclusive visitado, em audiência especial, a Rainha Elizabeth II
da Inglaterra (et al.) - toma o cuidado de não convocar reuniões, impedindo
dessarte a vice-presidente, Ministra Carmen Lúcia, de substituí-lo (como prevê
o Regimento Interno).
Nas sessões, não deixa de elogiar a
corregedora nacional, Ministra Nancy Andrighi, mas não chama a julgamento
reclamações disciplinares graves, processos cujos votos a Corregedora já
concluíu há meses.
Nesse contexto, dos 32 processos que a Corregedoria enviou
para a devida apreciação pelo plenário do Conselho, 21 ainda aguardam julgamento.
A conjura mais grave contra o CNJ
está, no entanto, na articulação por um lobby de presidentes de tribunais
estaduais, a criação, por emenda constitucional, do Conselho de Justiça
Estadual. Como se verifica desde logo, é
mais do que fundado o temor que o futuro órgão (na hipótese de sua PEC ser
aprovada pelo Congresso) venha a subtrair atribuições do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
Qual seria o escopo precípuo
dessa clara, evidente duplicação de funções? Na avaliação de ex-presidentes e
ex-corregedores do CNJ, as cortes estaduais tem sido as mais resistentes ao
controle externo (na verdade, a besta negra dos juízes conservadores) e as que
mais cometem abusos.
Como se terá verificado pela
exposição acima, não surpreende que o movimento seja apoiado pelo Ministro
Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo e do CNJ. Tem ele a intenção de dar
status constitucional ao "Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais
de Justiça do Brasil", que, na realidade, é um grupo de pressão
recentemente rebatizado com o título
"Conselho dos Tribunais de Justiça".
Atualmente, esse colégio não pertence à
estrutura formal do Poder Judiciário. Na verdade, além do pomposo título, ele
não existe. Assim, sem sede fixa, costuma se reunir em tribunais estaduais, ou,
se houver possibilidade, em resorts, com patrocínio público e privado.
Consoante assevera o juiz
trabalhista Rubens Curado - que ingressou no CNJ em 2007, tendo presença com
brilho no Conselho (juiz auxiliar da presidência, secretário-geral e membro do
colegiado).
A propósito dos comentários, o
desembargador Pedro Bitencourt Marcondes, Presidente do Conselho dos Tribunais
de Justiça (acima referidos) diz que há "preconceito". Considera
"um equívoco" imaginar que o novo órgão venha a comprometer a atuação
do CNJ.
A despeito de tais assertivas,
a movimentação - e as simpatias do atual Presidente do Supremo - não deixa
dúvidas de que está em marcha um projeto dos adversários do CNJ, uma ofensiva
dos setores mais corporativistas do Judiciário.
Até o presente as insurreições dos judiciários estaduais
malograram. Em 2005, houve a rebelião contra resolução que proibiu o nepotismo
e, em 2011, a tentativa de inibir a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça
- ambas foram frustradas pelo Supremo.
O favorecimento de
Lewandowski o levou a abrir as portas do CNJ às associações. Sem ouvir o
colegiado - portanto com dúbia legalidade - criou dois conselhos consultivos em
seu gabinete: o primeiro, formado por representantes das associações de juízes;
o outro, por presidentes do colegiado de tribunais estaduais.
Ao criar tais instâncias,
de resto não previstas no regulamento do CNJ, Lewandowski passou a ouvir os
conselhos antes de submeter as propostas de decisões ao CNJ. Com isso, passa a
impressão de que o controle estatutário pelo Conselho seria algo formal.
Como todas as tentativas
desse gênero - o que é expresso pela frase latina de Juvenal "Quis
custodiet ipsos custodes?" (quem vigiará os vigias?) - Sua Excelência R.
Lewandowski procura arar o mar. Ao cabo de seu mandato no CNJ, é de esperar-se
que as coisas voltem ao seu lugar. Corporativismos à parte, o CNJ, bem dirigido
e com Corregedor dotado da necessária confiança do Presidente, voltará a
exercer as respectivas funções, para alegria de boa parte dos cultores do
direito. A grande idéia do Ministro Nelson Jobim, que, a seu tempo a soube
conduzir à aprovação pelo Congresso e à sua entrada em funções, continuará,
como na parábola, a sua marcha, para que os eventuais abusos sejam coibidos, e
os acertos louvados.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
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