domingo, 10 de janeiro de 2016

Colcha de Retalhos D 2


                                               

Base Nacional Comum Curricular

 

       Marco Antonio Villa publica em O Globo de cinco de janeiro corrente, mais do que um artigo, um alerta. Sem qualquer preaviso, sem assomo de exame para valer, a turma do PT, com a assinatura do então Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro - posteriormente afastado sem qualquer cerimônia por Dilma para dar guarida a Aloizio Mercadante, que precisava ser escanteado da Casa Civil, com vistas a fazer lugar para Jaques Wagner - e "sob o disfarce de consulta pública, pretende até junho aprovar uma radical mudança nos currículos dos ensinos fundamental e médio - antigos primeiro e segundo grau".

      Como sublinha Villa, "nem a União Soviética teve coragem de fazer uma mudança tão drástica como a 'Base Nacional Comum Curricular' ".

      A arrogância intelectual ou talvez melhor, a ligeireza conceitual dos senhores comissários culturais do PT - talvez sob o signo da urgência de brusca interrupção que já seja discernível no previsível curto prazo de sua localização na 'stanza dei bottoni'[1] da governança - assumem tarefa de arrogância intelectual sem parâmetros, como se fossem colonizadores a dispor das errôneas bases da cultura programática de algum soba em África.

      E é com a desenvoltura dos ignorantões - aqueles que se lixam para o saber de outrem,  legado de nossos antepassados e que não saberiam identificar conexões como 'a última flor do Lácio, inculta e bela' - que se propõem uma 'reforma' reminiscente dos vândalos ou, nos tempos contemporâneos, do anticulturalismo do Exército Islâmico para quem a vinda do Profeta é sinônimo do começo dos tempos. Tudo o mais, história antiga (Egito, Mesopotâmia, Grécia, Roma) é jogado como se fora inço, para as grandes fogueiras da ignorância.

     Para esses burros dinâmicos são demasiado fáceis esses largos gestos que dispõem de um passado que ignoram. Tampouco terão presente que tudo aquilo que não apreenderam, muita vez estarão condenados a repetir, como diz de que se utilizam pela rama. Já tenho minhas dúvidas sobre os alicerces do conhecimento desse senhor. Que apedeutas, como Lula da Silva, e trapalhonas culturais, como a 'economista' Dilma aprovem sem pensar tais bestialógicos, não deve surpreender.

     Querem substituir com uma larga espadanada um legado que desconhecem. Sabem, por acaso, esses ignoramus que eles se propõem denegar uma herança tão sólida, a ponto de que não conseguirão pronunciar um parágrafo sequer de nossa língua sem nele inserir termos de origem helênica? E como Monsieur Jourdain estarão, sem o saber, falando em prosa ?

       Não há nada de mais danoso para um povo que se deixa dominar por um grupelho de supostos de ideólogos de esquerda, quando na verdade não passam de ignorantes com o boné frígio de largos, vandálicos gestos que semelham odiar o patrimônio de nossos maiores, pelo simples fato de serem dominados pelo desejo de mudar da mesma forma hoje praticada pelo E.I. Põem abaixo as ruinas das civilizações antigas, pelo simples fato de antecederem o que consideram a única revelação. Essa cultura da ignorância é o endeusamento da negação do saber, e só conduz ao deserto da intolerância.

           Como não é aconselhável que nos ponhamos a discutir com energúmenos, essa negação da História que é o propósito dessa anti-reforma não merece o nosso tempo. Pois como disse um dos shamanes do comunismo, quem ignora o passado, está condenado a repeti-lo.  A dinâmica ignorância desses comissários - cujas 'propostas' refere o artigo de Marco Antonio Villa - deveriam ser lançadas à lata de lixo da História, dentro dessa apósita idéia de intelectual famoso que, talvez por sê-lo em demasia, o Comissário Stalin mandou mais tarde matar por um capanga seu.

 

As Reformas Ortográficas

 

             O português vem sofrendo iterados ataques de parte de suas 'academias de letras'.  Esse afã de mudar a ortografia constitui uma sarna que semelha difícil  determinar-lhe as causas, quando na verdade elas sabem bem simples, corriqueiras mesmo, à altura de quem as pratica com tanto afã.

             Como se verificou na ultimíssima reforma - que são sempre empreendidas a pretexto de adequar o vernáculo a um modelo comum - na verdade, por mais empenhados que estejam os senhores reformadores, eles não lograrão atingir o próprio objetivo, dada a impossibilidade prática.

              Diz-se por exemplo que se fala o português em Angola, quando na verdade a língua se adapta aos dialetos tribais. Assim, por mais que se esforcem as Academias respectivas, o que se fala em África - e não adianta valermo-nos da velha e procrusteana cama para exibir a  própria conformação - tudo não passará de um cumprimento superficial aos vezos de culturas que podem ser irmãs, mas que guardam inegáveis diferenças.

              Como se viu na última 'reforma' de que se encarregou a nossa Academia de enfiar-nos goela abaixo, cada vez essas propaladas revoluções culturais tratam de menos como se fora o mais.

              Os governos civis de turno - quiçá porque o exercício lhes pareça despropositado, mas esotérico - dão autonomia às instâncias das Academias - tanto a nossa, quanto a lusa - para que levem a cabo a reforma. O poder civil se curva ao suposto conhecimento das instâncias acadêmicas, e o que vemos é que esses senhores, sob o pomposo título de reforma ortográfica, legislam cada vez em menor tempo de intervalo sobre questiúnculas que, amiúde, sequer mereceriam uma nota de pé-de-página introduzida por secretário perpétuo dessas academias.

               O português parece um réptil que tem de se livrar de formas ortográficas que, supostamente, seriam errôneas ou, o que é ainda pior, cediças. Tenho para mim que menos de um truque para viajar a ultramar, tais reformas surgem como ânsia de glória acadêmica para as diretorias respectivas, embora a lusa venha mostrando muito mais comedimento do que os seus estouvados êmulos em além-mar.

               Se os governos civis, ao invés do menosprezo de turno - deixe que se ocupem de tais ninharias - tivessem presente que esse mudancismo só ocorre com intermédio de gerações nos grandes idiomas, as chamadas línguas franca (o inglês nos dias que correm, como o foi o francês no passado - e fiquemos por aí, malgrado não desconheçamos os parentes ilustres - que já tiveram maior presença - como alemão, italiano, latim e grego) poderiam constituir o padrão a ser seguido, e não essa ânsia de estulto reformismo que cada vez semelha mais inapropriado, por cobrir um campo de aplicação cada vez menor.

              E não é que existe mesmo gente que explica essa sarna do reformismo como decorrente da vontade de viajar das instâncias acadêmicas, ao inventar esse poder que em outras plagas é tratado com tanto bom senso e respeito ao patrimônio linguístico dos respectivos antepassados.

              Ao baratear esse reformismo de ocasião, nós, os cultores da última flor do Lácio,  estamos condenando à multiplicação não dos pães, mas dos dicionários e a gordura das editoras, trabalhando cada vez mais sobre o que é menor, desvelando o respectivo provincianismo cultural.

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, Olavo Bilac )



[1] Stanza dei bottoni (a câmara dos botões) é o modo com que os partidos italianos designam as  instâncias do poder.

Um comentário:

Maria Dalila Bohrer disse...

Extremamente oportuna a abordagem crítica sobre as modificações previstas, tanto na Base Nacional Curricular, como no Sistema Ortográfico Brasileiro.
Ninguém é contra adequações ou alterações na base curricular do ensino brasileiro, desde que representem evoluções, novas abordagens, tendo sempre, na valorização e reconhecimento do passado, a base para olhares futuros.