Não foi por certo o acaso que determinou a impugnação de quatro
deputados oposicionistas na nova Assembléia Nacional da Venezuela. Sem a supermaioria de dois terços (112 em 167
cadeiras) a Assembléia não disporia de amplas prerrogativas para legislar e
fiscalizar outros poderes da República. Dentre tais poderes, está a
possibilidade de destituir altos funcionários e reformar a Constituição, para
abreviar o mandato de Maduro.
Dado o
calamitoso estado da economia e a sólida, inatacável (in)competência do ex-caminhoneiro
Maduro no exercício da Presidência, não se carece de ser nenhum Nostradamus para prever a próxima queda
do sucessor de Hugo Chávez, que, por grande maioria popular, é havido como o
principal responsável pela monumental bagunça em que se acha a economia
venezuelana.
Tampouco é
necessário dispor de poder divinatório para ser assaltado por mais que uma
dúvida quanto às reais motivações desse raio em céu sereno que é produzido por Judiciário
notoriamente controlado pelas instâncias do chavismo ou do madurismo, se
reconhecermos a já considerável influência do Presidente Nicolás Maduro na
situação da Venezuela.
Que
coincidência miraculosa esta a da impugnação de quatro deputados da coalizão opositora MUD (Mesa da Unidade
Democrática), acusados de compra de voto por decisão do Tribunal Superior de
Justiça, que acatou ação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), para
suspender o resultado das urnas no Estado de Amazonas. A mesma resolução
igualmente afetou a eleição de um deputado do PSUV, que tampouco foi
juramentado.
Assinale-se
que, por ação de estranhíssima coincidência, a resolução do Tribunal
favoreceria o PSUV de Maduro! Sem os tais quatro deputados, a MUD não teria a
maioria de dois terços (112 em 167 cadeiras) que lhe confere amplas prerrogativas para destituir
altos funcionários e reformar a Constituição, inclusive abreviando o mandato de
Maduro.
Caso o que
aparenta ser um golpezinho do Judiciário
muy amigo do chavismo vier a ser mantido, a oposição terá menos poderes. Só
na metade final do mandato do Presidente Maduro poderia ser então convocado o
referendo revogatório, o que já começa a correr a partir de fevereiro próximo,
quando se inicia a metade final do mandato deste presidente (não há impeachment na Venezuela). Tenha-se, de
resto, presente que em tempos mais tranquilos, o caudilho Hugo Chávez logrou sobreviver a dois referendos revocatórios.
No seu
discurso de posse, o novo Presidente da Assembléia Nacional, Henry Ramos Allup, deixou
meridianamente claro que a Mesa da Unidade Democrática (vale dizer, a Oposição
unida) usará de todos os mecanismos possíveis para derrubar "de forma
constitucional" o governo Maduro.
No crescendo
de ameaças, com que o PSUV deseja inviabilizar o domínio legislativo da MUD -
logrado após 17 anos de poder hegemônico chavista - a bancada madurista fez saber que irá denunciar a oposição por desacato
à decisão judicial, e anunciou, outrossim, que poderá deixar de reconhecer a legitimidade do
Parlamento.
Diosdado
Cabello, deputado reeleito do PSUV, entregou o cargo de Presidente da
Assembléia (eis que não mais dispunha de dócil maioria para mantê-lo) e prometeu
acionar o TSJ para denunciar a medida. Não se deve esquecer que 17 anos não
passam em vão. Por ora, os chavistas dispõem de dócil, esmagadora maioria nos
tribunais. Semelha natural para o chavismo que a atual Justiça - que se pauta
pela docilidade ao Poder político do Chavismo - se torne mais do que um braço
do Executivo (o que, por ora, já é).
Seguindo na
escalada de uma descabelada e ilegal reação contra a maioria da MUD, Cabello
(sem trocadilho) pediu ao governo de Maduro, que corte verbas ao Legislativo e ignore
decisões da Assembléia.
Essa estratégia
é perigosa, e ameaça sobretudo o chavismo.
Durante a Revolução Francesa, o poder real tentara ignorar as
determinações da Assembleia Nacional.
Com o apoio popular, os defensores do Ancien Régime (antigo regime) nada lograram de positivo, aumentando
de resto as manifestações pró-Assembleia revolucionária.
Ainda na mesma
linha de desrespeito à maioria eleita pelo Povo, Cabello - que está habituado a ditar posições
e não a negociá-las, à conta da cômoda maioria de que dispunha - declarou:
"Essas pessoas não são deputadas neste momento... Ninguém vai dar a mínima
para as leis que saírem desta Assembléia Nacional. São nulas (sic)"
E como se tal não bastasse, segundo ele, as leis
aprovadas pela MUD não serão publicadas no Diário Oficial.
O Chavismo - ou
o Madurismo, porque custa crer que Hugo Chávez fosse tão canhestro a adentrar a
linha ditatorial e ilegal antecipada por Diosdado Cabello, que deve estar
nervoso, porque sobre ele pesam outras graves acusações, que o fazem temer sobremodo pela Justiça
estadunidense...
Por fim, um
vídeo recém-gravado pela oposição está causando furor nas redes sociais da
Guatemala. No filme, Ramos Allup
surge instruindo funcionários a eliminar todos os retratos de Hugo
Chávez Frias (período presidencial 1999-2013) e símbolos chavistas da sede
do Parlamento venezuelano: "Levem
essa coisas para Miraflores (o palácio presidencial), mas aqui, nada !"
( Fonte: Folha de S.
Paulo )
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