quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

A Crise política na Venezuela


                                         
        Não foi por certo o acaso  que determinou a impugnação de quatro deputados oposicionistas na nova Assembléia Nacional da Venezuela.  Sem a supermaioria de dois terços (112 em 167 cadeiras) a Assembléia não disporia de amplas prerrogativas para legislar e fiscalizar outros poderes da República. Dentre tais poderes, está a possibilidade de destituir altos funcionários e reformar a Constituição, para abreviar o mandato de Maduro.

        Dado o calamitoso estado da economia e a sólida, inatacável (in)competência do ex-caminhoneiro Maduro no exercício da Presidência, não se carece de ser nenhum Nostradamus para prever a próxima queda do sucessor de Hugo Chávez, que, por grande maioria popular, é havido como o principal responsável pela monumental bagunça em que se acha a economia venezuelana.

        Tampouco é necessário dispor de poder divinatório para ser assaltado por mais que uma dúvida quanto às reais motivações desse raio em céu sereno que é produzido por Judiciário notoriamente controlado pelas instâncias do chavismo ou do madurismo, se reconhecermos a já considerável influência do Presidente Nicolás Maduro na situação da Venezuela.

         Que coincidência miraculosa esta a da impugnação de quatro deputados da coalizão opositora MUD (Mesa da Unidade Democrática), acusados de compra de voto por decisão do Tribunal Superior de Justiça, que acatou ação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), para suspender o resultado das urnas no Estado de Amazonas. A mesma resolução igualmente afetou a eleição de um deputado do PSUV, que tampouco foi juramentado.

          Assinale-se que, por ação de estranhíssima coincidência, a resolução do Tribunal favoreceria o PSUV de Maduro! Sem os tais quatro deputados, a MUD não teria a maioria de dois terços (112 em 167 cadeiras) que lhe  confere amplas prerrogativas para destituir altos funcionários e reformar a Constituição, inclusive abreviando o mandato de Maduro.

          Caso o que aparenta ser um golpezinho do Judiciário muy amigo do chavismo vier a ser mantido, a oposição terá menos poderes. Só na metade final do mandato do Presidente Maduro poderia ser então convocado o referendo revogatório, o que já começa a correr a partir de fevereiro próximo, quando se inicia a metade final do mandato deste presidente (não há impeachment na Venezuela). Tenha-se, de resto, presente que em tempos mais tranquilos, o caudilho Hugo Chávez logrou sobreviver a dois referendos revocatórios.

         No seu discurso de posse, o novo Presidente da Assembléia Nacional, Henry Ramos Allup, deixou meridianamente claro que a Mesa da Unidade Democrática (vale dizer, a Oposição unida) usará de todos os mecanismos possíveis para derrubar "de forma constitucional" o governo Maduro.

        No crescendo de ameaças, com que o PSUV deseja inviabilizar o domínio legislativo da MUD - logrado após 17 anos de poder hegemônico chavista - a bancada madurista fez saber que irá denunciar a oposição por desacato à decisão judicial, e anunciou, outrossim, que poderá  deixar de reconhecer a legitimidade do Parlamento.

       Diosdado Cabello, deputado reeleito do PSUV, entregou o cargo de Presidente da Assembléia (eis que não mais dispunha de  dócil maioria para mantê-lo) e prometeu acionar o TSJ para denunciar a medida. Não se deve esquecer que 17 anos não passam em vão. Por ora, os chavistas dispõem de dócil, esmagadora maioria nos tribunais. Semelha natural para o chavismo que a atual Justiça - que se pauta pela docilidade ao Poder político do Chavismo - se torne mais do que um braço do Executivo (o que, por ora, já é).

      Seguindo na escalada de uma descabelada e ilegal reação contra a maioria da MUD, Cabello (sem trocadilho)  pediu ao governo de Maduro, que corte verbas ao Legislativo e ignore decisões da  Assembléia.

       Essa estratégia é perigosa, e ameaça sobretudo o chavismo.  Durante a Revolução Francesa, o poder real tentara ignorar as determinações da Assembleia Nacional.  Com o apoio popular, os defensores do Ancien Régime (antigo regime) nada lograram de positivo, aumentando de resto as manifestações pró-Assembleia revolucionária.

       Ainda na mesma linha de desrespeito à maioria eleita pelo Povo,  Cabello - que está habituado a ditar posições e não a negociá-las, à conta da cômoda maioria de que dispunha - declarou: "Essas pessoas não são deputadas neste momento... Ninguém vai dar a mínima para as leis que saírem desta Assembléia Nacional. São nulas (sic)" E como se tal não bastasse, segundo ele,  as leis aprovadas pela MUD não serão publicadas no Diário Oficial.

       O Chavismo - ou o Madurismo, porque custa crer que Hugo Chávez fosse tão canhestro a adentrar a linha ditatorial e ilegal antecipada por Diosdado Cabello, que deve estar nervoso, porque sobre ele pesam outras graves acusações, que  o fazem temer sobremodo pela Justiça estadunidense...

       Por fim, um vídeo recém-gravado pela oposição está causando furor nas redes sociais da Guatemala. No filme, Ramos Allup surge instruindo funcionários a eliminar todos os retratos  de Hugo Chávez Frias (período presidencial 1999-2013) e símbolos chavistas da sede do Parlamento venezuelano: "Levem essa coisas para Miraflores (o palácio presidencial), mas aqui, nada !"

 

( Fonte: Folha de S. Paulo )

Nenhum comentário: