A crise no Brasil é muito pior de o que
a própria imprensa apresenta. Por mais variada que seja, cada caso vira sinalização
isolada. A crise, sobretudo a de governo, e na sua relação com a população, surge,
então, multifacetada, como se ela fosse monstro de mil caras que tomasse o
extremo cuidado de aparecer a cada vez em uma única forma determinada. Cresce o
mal-estar circundante, mas povão, sociedade civil e elites que se crêem
dirigentes o intuem e quiçá o percebam de diferentes maneiras e nas formas entre as mais difusas e desconexas. No
ar, há uma sensação para alguns esquisita, para outras estranha, invasiva, mas
que pelas suas externalidades como que escapa a definições, ou, estranhamente,
saiba contornar-lhes as supostas designações ou até seus nomes vulgares, para
mergulhar em águas profundas, mas que exalam cheiros fétidos, sabe-se lá da
negligência de decênios em termos de saneamento básico, ou quiçá do fundo lodoso e infecto, que embora formado em
tempos ainda mais longínquos, com infinita pachorra e se valendo das muletas do
descaso de sempre, ora venha trazer-nos
nos esgares que se abrem pelas ondinhas incessantes o sopro mal-cheiroso do
abandono, do desleixo e dessa malemolência que infesta os trópicos e que muitos
chamam de negligência, quando na verdade aí se reflete nas águas turvas a desonestidade
dos maus administradores da cousa pública, os monturos da ignorância de
décadas, e a descomunal indolência que une a várias gerações de gente sem nome
e de administradores sem vergonha. Essa fedentina é face de uma descomunal preguiça de gerações. Aumenta
o mal-estar com que a negação não sabe lidar, acabando sempre por torná-lo mais
opressivo.
O cinismo não é a grande porta por que
passam os carros de abertura dos desfiles carnavalescos, mas a sanhuda,
afrontosa máscara de quem nada mais tem a expressar, senão o riso sardônico e
desaforado, com que os biltres de vários estações sociais dissimulam a
respectiva nulidade, que por caprichos da sorte lograram se aninhar em mansões,
casebres, tocas e esconderijos, que a fortuna lhes arranjou e eles sequer
tiveram força de negar ou repelir.
Nessa terra que dizem abençoada por
Deus, o que fizemos com o hall magnífico e as grandes e verdes salas de
entrada, que desde os tempos do emboaba Villegaignon tem encantado na
caprichosa formação da Natureza o olhar de tantas gerações, nos tempos
pachorrentos da navegação à vela, das naus, galeões e caravelas, que com
mastros enfunados, adentravam a esplendorosa sala de espera de mãe-natureza.
Os tempos mudaram. A grande,metafórica
mansão de um caprichoso agreste, vestido de florestas, matas, de suados
rochedos e de montanhas que os tremores antigos haviam vestido com a pujança de
florestas, em que o bicho-homem se apequenava, com fímbrias de tímida
construção que mais pareciam, vistos dos velames dos grandes barcos, como
frágeis adereços de natureza imponente.
De longe, no tempo hodierno, o quadro
pode continuar belo, mas será aconselhável ao viajante não se aventurar a
aproximar-se demasiado das decantadas praias, porque de um lado o chorume que,
por vezes, desce das favelas de Niteroi, trará mais olores e piores águas para
quem se aventure a nelas mergulhar. Não é de esquecer o caso de alto
funcionário do Rio de Janeiro que se lançou nessas obscuras águas. Instâncias
superiores lhe lamentaram o gesto, que, a seu dizer, punha em risco a própria
saúde.
Mesmo essa triste situação - que num
arroubo alguém prometera sanar - não surgiu em curto espaço de tempo. Há obras
magníficas que consumiram anos para deslumbrarem o mundo. E há outras, de
diferente espécie, que lograram, com a incúria e a malemolente displicência do
carioca hodierno, o feito, deveras surpreendente, mas tristemente deplorável
de, pela recusa e solene displicência, logram transformar em águas quase
pútridas aquelas que menino ainda se divertia, sob o olhar atento de parentes,
cobrir em braçadas alegres e despreocupadas, através das límpidas ondinhas de
uma baía ainda magnífica sala de recepção do Rio de Janeiro e entorno. Aqueles
que ali cruzavam, em nados e mergulhos, as águas claras, por vezes azuis, por
vezes esmeralda, não sabiam que se lhes preparava - mas sobretudo a seus
pósteros - uma grande surpresa, que viria vestida com os trapos de águas
turvas, que não mais brilham com o antigo fulgor sob o sol novo.
E viva o progresso!
PS. Dona Dilma está quicando de raiva
contra o seu Ministro Marcelo Castro que, além da suposta gafe de que o Brasil
está perdendo a guerra contra o Aedes
Aegypti, vetor do virus zika,da dengue e da tal chicungunha, sendo da safra peemedebista do líder Leonardo
Picciani, acumularia ratas.
Peço vênia para discordar do colunista global,
quanto ao ponto a ser corrigido. É
verdade que o ministério de Dilma não poderia ir contra a sua criadora, em
termos de visão e capacidade. Mas o ministro em causa apontou um problema que
pode ser também grave politicamente. Se os casos de microcefalia já passam de
quatro mil e se a situação dos hospitais públicos beira o caos - não havendo de
resto nenhum sinal de recuperação neste sentido, é muito provável que a tal preocupação
europeia continue a crescer.
Nessa atmosfera de falta de
verbas e de desgoverno generalizado, se o Brasil tem ambições olímpicas, é indispensável uma resposta à altura desse desafio. Como nos ensina Arnold Toynbee,
o desafio a uma civilização determinada, se não enfrentado com êxito, pode
conduzir às piores consequências.
Por outro lado, como fez e disse
Breno - o chefe gaulês que interrompeu, por curto mas nefasto período, o avanço
da jovem Roma, ao ser questionado por algum patrício romano da Justiça da
reparação que exigia - ao lançar a própria espada na balança levantada para
colher os tributos devidos pelos vencidos, a que acompanhou com o grito célebre
Vae Victis (Ai dos Vencidos!)
Não sei se o Ministro Marcelo
Castro disse algo impróprio, mas é oportuno ter presente que não se pode
esquecer o desafio presente, que é o de dar a impressão de que o Brasil e o Rio
de Janeiro estão em condições de dominar tal repto. Porque se a situação sair fora de controle, o
resultado dela é tristemente previsível.
Como diziam os nossos
antepassados, quem não tem competência, não se estabelece.
( Fontes: Brasil: Corrupção
& Burocracia, A.J. Toynbee, História de Roma, O Globo
)
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