Há dois fios principais que na
evolução da crise política brasileira poderão vir a ligar-se, com as eventuais
consequências que visitam as conexões acidentais ou não desse tipo de vetores elétricos de carga
disruptiva.
Por
enquanto, eles correm separados. Ambos são falados, e ambos têm ameaçadora
potencialidade, no que concerne ao presente estamento sob domínio (ainda que
precarizado) petista.
O mais
falado atualmente se reporta ao processo de impeachment
contra Dilma Rousseff. Como governante, em seu primeiro mandato, foi ela pior
do que um macaco em loja de louças. Pois essa alimária, que consta ser nosso
antepassado, se deixado solto em entreposto de cristais, produzirá estragos,
mas sendo irracional, as quebras - numerosas decerto - serão debitadas ao
acaso. Já no caso de quem se intitula presidenta não foi bem assim, porque
ela se arrogava muitas ideias e projetos, que produziram enorme e triste
confusão na seara economico-financeira. Melhor seria que acreditasse entender
menos da disciplina economica, e que fosse cercada de gente com mais caráter e
personalidade. Como nenhuma dessas condicionantes terá vingado, esta senhora
resolveu faltar com a verdade para encobrir o próprio legado, o que só foi
possível pelo torniquete petista que conseguiu emudecer o direito de resposta.
Dilma mentiu, e muito, mas a conta só foi apresentada ao eleitorado depois da
eleição.
Daí, a
generalizada revolta do povão, que admite quase tudo, menos ser enganado com o
cinismo e a arrogância verificados no processo.
O senhor
chefe da Casa Civil, ex-governador Jaques Wagner, tem desenvoltura e
personalidade, como já assinalei alhures. Sobressair ao antecessor não é tarefa
hercúlea, tal a fraqueza do Ministro Mercadante. Dada a sua imagem anterior,
fica-se na dúvida se a eclipse foi acidental. De qualquer maneira, apesar do
tamanho da maioria - eleita pelo Governo petista - essa construção, sem bases
sólidas, iria esboroar-se prontamente, como se viu na eleição do Presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, e na série de pontuais derrotas no Ajuste Fiscal do
pobre Ministro da Fazenda Joaquim Levy, um grande funcionário de estado[1]
perdido no mar de sargaços da demagogia e da falta de pulso do Planalto.
Falara acima em dois fios, ambos
soltos e não recapados. O segundo - como
o leitor arguto já terá intuído - é a investigação da operação Lava-Jato (e
seus eventuais filhotes) e a atuação serena, firme e coerente do Juiz Sérgio
Moro, na Vara de Curitiba.
A justiça
costuma avançar lentamente, porque ela não se alimenta de colheitas ao
deus-dará, mas a um trabalho abrangente, coerente e firme, como têm sido os
interrogatórios e os julgamentos do Juiz competente, que vai de forma gradual e
sucessiva armando esse gigantesco quebra-cabeças, que fora adrede espalhado e
confundido pelas empreiteiras e seus até então intocáveis e inatacáveis
dirigentes, assim como por inúmeros 'comissários' do petismo, que tinham no
rosto afivelada a velha máscara da impunidade, como ora pululam os exemplos
daqueles que demoraram para cair na real, e dar-se conta de que a drummondiana
festa acabara.
O
ministério público costuma realizar seus interrogatórios além da imprensa. Já a
P.F. cujas ações tantos sobressaltos trazem a poderosos do antanho-próximo, e
que sequer podem tirar do gogó o clássico "sabe com quem está
falando?", porque o pior no caso para o réu ou testemunha é que o agente
tudo sabe sobre o interrogado, e que essa velha ameaça já não cola mais.
Os
processos atuais ganharam o aporte da chamada delação premiada, a que Dilma
Rousseff, perguntada em plagas americanas, tentou desmerecer com uma
interpretação que me pareceu, pela sua aparente obtusidade, apelar para uma
sovada saída pelos delatores na história colonial (Claudio Manuel da Costa e
até figuras inda mais sombrias como o Calabar), o que dá dor no pescoço de quem
ouve - como dizia Lord Altrincham da voz esganiçada da jovem rainha Elizabeth.
Porque a delação premiada leva o cúmplice a entregar o corrupto petista (ou de outro
partido), assim como o voto aberto nas cassações acabou com o fenômeno
Jaqueline Roriz (pegada entesourando dinheiro da Viúva ela não foi cassada da
Câmara, porque então o voto era secreto...).
Que alguém venha a confundir alhos com bugalhos, como foi aí o caso de
Dilma Rousseff, ou é burrice, ou é má-fé.
Os
interrogatórios, com a pachorra própria desta Senhora vendada, prosseguem. Essa
ferramenta adicional, conhecida há muito na terra de Tio Sam, agora vai abrindo
cofres e sobretudo mentes de delinquentes instrumentais que, através da moeda
da verdade - e com doses ocasionais de soro de galo - podem reduzir as próprias
penas, e não mais ficar com o pato entalado na garganta, como soía acontecer
com os poderosos de turno.
Há gente
poderosa que vive os transes próprios de quem pensara fosse a impunidade uma
cláusula pétrea escondida na nossa Constituição. Não há jurista, no entanto,
por mais safo e escorregadio que seja, que possa lobrigar, no articulado da
Cidadã seja o artigo, o parágrafo ou o inciso em que se encontre. Por isso, a
impunidade semelhava escrita em algum canto dos manuais a que os leguleios
podem acaso acenar a artigos que abrem aras e arcas de atingíveis alturas de
automática anistia?
Hoje, no
entanto, os poderosos - seja os que já foram, seja os que podem voltar a ser -
constituem esse tipo de fio não-recapado, que alguns funcionários e até
autoridades hesitam em questionar e em interrogar com a liberdade concedida à
autoridade pública. Pensarão acaso nos azares (e acasos da sorte) que são
caprichosos e, por vezes, inopinados e até surpreendentes?
Por
isso, o juiz Moro pode surpreender - e sempre de forma favorável - com a sua
serena aplicação da Justiça, a quem não
assusta o contraditório. Que ele seja admirado, e aplaudido como se dizia
antigamente do Oiapoque ao Chuí não há, portanto de espantar.
E é por
isso também que outros tremem com a perspectiva de uma visita da Lava-Jato, porque não desconhecerão que
às perguntas se seguirão outras, e que não se poderá excluir o contraditório, e
nem assertivas vazias serão aceitáveis, valendo por respostas plenas. Afinal -
e nisso o Juiz Sérgio Moro desempenha igualmente bem o próprio trabalho - o
respeito é da essência do processo, tornando-se portanto as mesuras dispensáveis se o interrogatório parte da
curul do juiz.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo; Carlos Drummond
de Andrade )
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