sexta-feira, 13 de abril de 2018

O estranho papel de Jim Comey


                                   
        Mais um livro de um protagonista - ainda que efêmero - da Administração Trump e do final da de Barack Obama.
         Como todo livro desse gênero, nota-se o esforço de Michiko Kakutani, a crítica a quem incumbe avaliar o trabalho de Comey para os leitores do New York Times, de proceder a um ato de equilibrismo entre os dois principais personagens da estória de que o autor participa.
         Dessarte, Kakutani sublinha que tanto na sua tese universitária de 1982, sobre religião e política, quanto na presente memória se assinala até que ponto o trabalho  de Reinhold Niebuhr penetra na sua obra.
          Assim, ela  assinala longas passagens no trabalho universitário de Comey  dedicados aos dois tipos de orgulho  que, segundo Niebuhr, podem afetar ao ser humano: tanto o orgulho moral, quanto o espiritual, que podem conduzir ao pecado do auto-convencimento moral.  E no seu livro, "Uma Lealdade mais alta" Comey dá ao leitor um inventário de seus defeitos, afirmando que ele pode ser "teimoso, orgulhoso, super confiante e levado pelo próprio ego".
            Tais características podem algumas vezes - e infelizmente - serem notadas na sua narração acerca do tratamento dado por ele à investigação dos emails de Hillary Clinton. Nessa conferência de imprensa, de julho de 2016, quem sabe movido por tais imperativos morais, ele se permitiu descrever, de uma forma muito próxima da grosseira, o seu (de Hillary) manuseio  como "extremamente descuidado" de "informação altamente confidencial e muito sensível",  ainda que o Bureau haja recomendado que nenhuma acusação fosse registrada contra ela.
             Ainda há outro aspecto negativo naquele anúncio por ele improvisado, eis que fora realizado sem coordenação com a direção do Departamento de Justiça e deu mais detalhes do que as habituais avaliações prestadas pelo Bureau.   
              Não obstante essa postura negativa, haveria ainda outra e mais danosa "revelação" a 28 de outubro de 2016, onze dias antes da eleição, no período imediatamente anterior à chamada votação antecipada (que é um costume  estadunidense) dos eleitores que desejam votar antes da data reservada à eleição em novembro de 2016.  Pois nesse dia ele mandou nova correspondência ao Congresso, avisando que o FBI estava analisando outros e-mails (encontrados no computador do marido afastado de Huma Abedin, a secretária de Hillary), que poderiam ser pertinentes  à investigação anterior.
                 Essa iniciativa, no mínimo controversa, foi feita porque ele, Comey pensara, influenciado pelas prévias da mídia, que Clinton iria vencer.  Nesse sentido, para tomar  mais aquela iniciativa, ele se pergunta amiúde se não foi influenciado por aquela premissa:  "É inteiramente possível que, por motivo de estar tomando decisões em um ambiente em que assumia que Hillary Clinton seria certamente a próxima presidente, a minha preocupação de fazer dela (sic) um presidente ilegítimo ao ocultar a recomeçada investigação pesou mais forte de o que teria se a eleição aparecesse como de mais difícil previsão ou se Donald Trump estivesse à frente nas prévias. Mas eu não sei."
                    Nesse sentido, acrescenta esperar "muito mesmo que o que ele fez não tenha sido um fator determinante na eleição."  A tal propósito, no seu testemunho ao Comitê Judiciário do Senado, a três de maio de 2017,  Comey chegou a dizer que a própria ideia de que suas decisões possam ter tido um impacto no resultado da eleição presidencial o deixaram sentindo-se "levemente nauseado"...
                     Que uma pessoa de nível hierárquico inferior - a despeito de sua suposta auto-apreciação - haja podido projetar uma tal influência no resultado dessa eleição, se deveria talvez procurar em nível mais alto da governança estadunidense, pois será sempre de estranhar-se que o governo democrata haja permitido que funcionários de nível inferior ao de gabinete tenham podido tomar iniciativas que foram muito além ao que costuma ser a orientação do Departamento de Justiça ao ensejo de eleições presidenciais, evitando tomar medidas que possam influenciar o resultado da eleição.

( Fontes: The New York Times, What Happened, de Hillary Clinton )

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