domingo, 26 de fevereiro de 2017

O Rio da Maldade

                              

        Em outros tempos, quando  série de calamidades - ou até mesmo uma, mas grande - caísse sobre um povo, não estranharia que jeremiadas se ouvissem, como se se questionasse a divindade se tanto mal seria merecido.
        O súbito, inesperado advento de Mr Donald Trump há, decerto, de provocar tal desconforto, que vem aliado à difusa sensação de um mal a parecer tão imerecido quanto gratuito.
         Quando os números sobem aos milhões - e são tais levas de infelizes trabalhadores que o novo Presidente americano deseja castigar, despejando no vizinho México - esse mal, que a nada de útil serve, decerto aumenta a raiva desta gente, que como indocumentada mais servia por suados dólares a hipocrisia da classe dominante.
           Por que é a pergunta,  se eles trabalham duro e satisfazem a necessidade de uma burguesia, que lhes paga, não por caridade, mas pela pesada faina  do cotidiano ?
          E mais encontre fraqueza, mais ele se lança, nessa soez campanha, em que as vítimas tremem e os algozes estalam as línguas, como os cães de guarda a refocilar-se
na areia grossa do chão em que pensam lançar tantos infelizes.
           Que não se engane o tirano de turno, porque a amargura, mesmo secular, se estirada e atravessada, pode transformar esquecidas, quase apagadas cicatrizes, em novas, incômodas feridas, que lembram o tripúdio das injustiças antigas, violentas, escancaradas mesmo, que o passado condicionou a sofrer no silêncio dos fracos.
           Um trabalhador, mesmo refugiado na volúvel sombra da clandestinidade, há de compreender o desconforto do patrão, que lhe paga com a dura moeda dos salários do medo. Mas como poderá entender a gratuita maldade do demagogo, que toca a sua lira, enquanto põe fogo a relações de trabalho duramente forjadas por mútuas necessidades?

        São estranhas figuras, que, em geral, aparecem nas vascas da decadência, a anunciarem males ainda mais graves do que aqueles por tais governantes perpetrados.  


(  Fontes: The New York Times,  O Globo, Folha de S. Paulo, J.-P. Sartre )

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