sábado, 11 de fevereiro de 2017

A Relevância da História



                                            O Tempora, o Mores

        Ao pronunciar os seus quatro discursos contra o Tribuno Catilina - tanto foi necessário para que Marco Tulio Cicero obtivesse do Senado Romano a autorização para perseguir judicial e militarmente o Tribuno da Plebe Lucius Sergius Catilina - mas a circunstância de que Catilina, apesar de origem nobre, se tornara um demagogo, com forte apoio na plebe romana, pesaria mais tarde na vingança dos aliados do morto Catilina em levar Cícero para a pena do exílio, com a perda de muitos bens imóveis (depois recuperados) .
        Para esse grande orador, estava reservado trágico destino, primeiro com a citada desapropriação de muitos de seus bens, inclusive da residência em Roma. Oscilando entre as figuras tutelares da Roma da tarda República - Cesar e Pompeu - Cícero não foi convidado a participar da larga conjura contra Gaius Iulius Cesar. Não obstante, saudou a morte de Cesar com regozijo (15 de março de 44 a.C.). Com o seu prestígio de membro veterano da classe Consular, em três meses já pedia pela morte de Marco Antonio.
         Cicero, seja pela idade, seja por eventual simpatia ao jovem Otaviano. aceitou-lhe os supostos gestos de boa vontade - sem atentar para a sua inquietante tendência em apelar a instrumentos  fora da lei. Outro erro de julgamento - que lhe seria fatal - foi subestimar a argúcia política de Otaviano. Tampouco não levou em conta a circunstância de que ele não se reconciliaria com os assassinos de Cesar, Brutus e Cassius.
          O jovem Otaviano embaíu o grande tribuno e o velho político. Dentre os defeitos que o tornavam vulnerável, estava a vaidade. Vêmo-la em sua correspondência, que por um capricho do tempo - e  do grande prestígio do escritor - está em larga parte preservada.Tal circunstância, se lhe é positiva, é também faca de dois gumes, eis que ela aparece para os pósteros sem a edição que venha a preservá-lo de eventuais erros momentâneos de juízo. Em outras palavras, neste clássico da Antiguidade, deparamos o retrato sem retoques do grande tribuno, vítima tanto da própria vaidade, quanto - o que é pior - suscetível à lisonja e a consequente falta de um juízo mais sereno, a ponto de torná-lo vulnerável aos embustes do jovem Otaviano. Apesar de suas aberturas para o velho prócer dos Optimates, e a luta deste contra Marco Antonio (Filípicas, a primeira em 2 de setembro 44 A.C., a última em 21 de abril de 43 A.C.) para levar o Senado a declarar M. Antônio inimigo público. Depois da derrota de Marco Antônio na Gália Cisalpina em Abril de 43, Otaviano engodou Cícero por uns tempos, e não se exclui que fosse com a sugestão de que ambos assumissem o Consulado.
             Mas as pretensões do jovem Otaviano tinham rumo diverso. Depois de assegurar o consulado para ele e o tio  Q. Pedius, e a posterior formação do triunvirato, Otaviano não se opôs a que Marco Antônio incluísse  Cícero entre as vítimas da proscrição - que inauguravam com sangue o novo regime dominado por Otaviano e Marco Antônio. e de que Marcus Emilius Lepidus seria o terceiro membro. Com a luta previsível entre Otaviano e Marco Antonio, e a sua menor dimensão de poder, Lepidus seria constrangido  a exonerar-se em 36 a.C.
                A morte de Cícero, naqueles tempos odientos, não o desonra. Em uma tentativa dessultória de fugir por mar, tanto os seus escravos - a quem sempre tratara com atenção e mesmo apreço - não o abandonaram, prestando-lhe no extremo transe a extrema homenagem. Tampouco ele próprio, não desonraria o respectivo renome de Cònsul romano, da classe dos Optimates, eis que morre com a coragem de um grande da Velha República a 7 de dezembro do ano 43 a.C.  


( Fontes: The Oxford Classical Dictionary; Cicéron, Correspondance, Les Belles Lettres )

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