domingo, 5 de fevereiro de 2017

A Justiça na luta contra o abuso de poder

                    
        Raro é o governo que, ao nascer, não cometa abuso de poder. Mas será difícil encontrar algum que os tenha cometido tantos e contra tanta gente indefesa e de boa fé, quanto a nova Administração republicana, de Donald J. Trump.
        A artilharia de Trump surpreendeu a muitos, que viajavam aos States de boa fé, muita vez com a intenção de retomar estudos, ou prestar serviços em instituições várias.

       Mas, uma vez mais, a divisão dos poderes na democracia estadunidense mostrou a própria validade e a defesa que os juízes podem prestar a desvalidos, fracos e indefesos.
         Essa luta renhida, que aos fracos abate, teve o oportuno apoio da Corte Federal de Apelação, do nono Circuito, em São Francisco. Ela rejeitou o pedido do Departamento de Justiça para que seja prontamente restabelecido o banimento a determinados estrangeiros em viagem aos Estados Unidos.
          Por sua sentença, os viajantes das sete nações com predominância muçulmana (Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen), assim como refugiados devidamente checados, procedentes de todas as nações podem continuar a ingressar nos Estados Unidos.

           A referida ordem presidencial fora sustada na Corte Federal Distrital de Seattle,pelo Juiz singular James Robart. Que alguém da área judicial tivesse a audácia de enfrentar-lhe o ditamen, enraiveceu o Presidente Trump, que veio com resposta destemperada: "A opinião deste assim-chamado juiz, que em fim de contas retira a execução da Lei de nosso país, é ridícula e vai ser derrubada!"
            Seguiu-se o apelo do Departamento de Justiça à Corte de Apelações para o Nono Circuito, para que revisse a sentença do Juiz e que ela não tivesse poder de deter a implementação do desígnio presidencial durante a sua apreciação.

            O protesto de Trump caíu mal.  O Juiz Robart, que fora designado pelo presidente George W. Bush , afirmou na própria sentença que não havia base legal para o argumento da Administração "que temos de proteger os Estados Unidos de indivíduos" das nações citadas. No seu ditamen, o juiz foi além,  dispondo que tampouco a Administração deveria barrar a aceitação de refugiados. Nesse sentido, o Departamento de Estado afirmou que refugiados, inclusive Sírios, poderiam vir a partir de segunda-feira. Assinale-se que o decreto de Trump baixara proibição sem prazo para o ingresso de refugiados sírios.
                 A tentativa do Governo, através do Departamento de Justiça, de deixar as sentenças em suspenso, não foi aceita pelo Nono Circuito, dando indicação da urgência e do interesse da Justiça em preservar o direito dos cidadãos.
                Tampouco faltou disposição nas diversas capitais árabes, em que se encontravam os interessados em viajar para os Estados Unidos. Todas os encorajaram a que tomassem de pronto as necessárias providências, para chegarem a tempos nos Estados Unidos.

                O Secretário de Imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, descreveu a ação do Juiz Robart como "ultrajante". Passados poucos minutos, a Casa Branca expediu outra declaração, de que sumira o adjetivo "ultrajante"...
                  Para os democratas, a crítica presidencial do Juiz Robart representa uma evolução perigosa da questão. Para o Senador Patrick Leahy, do Comitê Judiciário: "a assertiva do Presidente parece "disposta a precipitar uma crise constitucional". Para o Governador Jay Inslee, de Washington (que encetou o processo que levou à sentença do Juiz Robart) disse que o ataque "estava abaixo da dignidade" da presidência e podia criar "calamidade para a América".

                  Já o Senador Chuck Schumer, de New York (que chorara ao saber de o que sofrera um estrangeiro para passar a alfândega)  e enquanto  líder da bancada democrata afirmou: "o rompante de Mr Trump pode pesar no processo de confirmação do juiz Neil M.Gorsuch, o candidato presidencial para a Suprema Corte". Assinale-se que Gorsuch ocuparia vaga que se fosse respeitado o decoro pelo líder republicano Mitch McConnell seria da competência do Presidente Obama preencher, como tentou fazê-lo através do Juiz Merrick Garland.
                     O Presidente Donald Trump, para espanto de alguns, logrou manter sob controle o seu difícil temperamento. Mas no sábado de manhã, o Presidente não mais conseguiu manter-se calado. Perguntou-se como suspender "banimento de viagem pela Secretaria da segurança interna", o que permitiria "alguém, mesmo com más intenções" entrar no país. Chegou mesmo a queixar-se da "terrível decisão" que deixava entrar "gente muito má e perigosa" dentro do país.

                        O Juiz Robart recebeu o processo  na segunda-feira, em Seattle. Na quarta, o estado de Minnesota se associa ao  processo. Na sexta, o juiz Robart emite ação de restrição provisória. Sua Senhoria julgou que os estados e seus cidadãos tinham sido atingidos pela determinação de Trump.
                          Segundo Sua Senhoria,"a ordem executiva presidencial afeta os residentes no estado em áreas de emprego, comércio,relações familiares e liberdade para viajar."  Acrescentou que os estados tinham sido atingidos porque a ordem executiva afetara as suas universidades públicas  e suas bases de imposto.
                          Sem embargo, a ordem do Juiz Robart não mencionara muitas questões, disse Josh Blackman, professor de Direito na Universidade do Sul do Texas, em Houston.
                           "A Ordem Executiva por acaso viola a igual proteção a ser dada pelas Leis, corresponde a uma instituição de religião, viola direitos do livre exercício, ou priva estrangeiros do devido processo legal?" Segundo o professor Blackman pergunta: "Quem sabe? A análise é muito sumária, e deixa a corte de apelação, assim como a Suprema Corte, sem base para determinar se uma injunção para toda a Nação é apropriada."

                           Nesse contexto, Nael Zaino, Sírio de 32 anos, que tentara sem sucesso tomar voo para os Estados Unidos, a fim de juntar-se a sua mulher e seu filho nascido nos Estados Unidos, teve permissão de embarcar em Istambul e depois em Frankfurt, na última sexta-feira. Aterrissou em Boston a uma da tarde de sábado, e conseguiu sair da área de imigração duas horas mais tarde, disse a sua cunhada Katty Alhayek.
                          Releva saber que Mr Zaino é o primeiro entre os portadores de visto a entrar nos EUA desde que a Ordem Executiva entrou em vigor. Os seus advogados solicitaram um "waiver"[1] do Departamento de Estado, mencionando reunião familiar.  "O meu caso deve ser caso muito especial", declarou o Sr. Zaino, por telefone, em Istambul.
                           As mesmas angústias e ansiedades sofreram estudantes iranianos, com voos a tomar, procedentes de países do golfo pérsico.
                            Mesmo os procedimentos mais absurdos, como aqueles determinados por mero capricho pessoal, ou afirmação de poder (com o requinte de excluir países árabes aonde a família Trump tenha investimentos) podem redundar em valorização da qualidade do Estado americano, como a reação da Justiça, encetada por juiz do Leste atlântico americano, veio demonstrá-la de forma cabal, com a respectiva elevação do papel judicial na defesa dos direitos humanos, seja de estrangeiros, seja de americanos.


( Fontes: The New York Times, Gonçalves Dias )        



[1] dispensa especial.

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