domingo, 5 de fevereiro de 2017

Adeus Bipartidismo !

                                 

        Um dos primeiros sinais da decadência do Império, é o desaparecimento do modelo do bom governo.
        Pela via das urnas, a superpotência poderia aspirar a sucessão que não prejudicasse a boa governança. O próprio Império Romano, na sua época de pujança,  seguiu tal exemplo. Os maus imperadores seriam eliminados ou por golpes palacianos ou pela deusa Fortuna. Sucederiam períodos de calma.

       Mas o dissenso voltaria, através de herdeiros que estavam despreparados para seguir as pegadas do bom-senso paterno.
       Nos Estados Unidos, quando se rompe o bipartidismo, a ameaça à boa governança se coloca.   
      O declínio estadunidense se revela por uma série de marcas.  A herança maldita da governança incompetente - como a de George W. Bush que gastou com a suposta implantaação da democracia no Médio Oriente - aquela desejada pelo grupo de neoconservadores - custou cerca de US$ 2.4 trilhões !

       Essa gastança imensa abriu enormes chagas nos Estados Unidos, como escrevem os especialistas no declínio. Vazios estão os galpões e as Main Street, refletindo uma fuga para as cidades grandes, que só incha o proletariado local, que não encontra atividade a que dedicar-se.
       Por outro lado, os partidos políticos, ou enveredam pelo negativismo, ou se empenham em reformas muita vez parciais e/ou cosméticas, que contornam ou fogem dos nós do problema.
      Veja-se, por exemplo, o que ocorreu na última eleição. Uma série de pequenos golpes, como os do diretor do FBI, e um candidato populista da direita negacionista na prática afastaram a candidata da esquerda moderada, com muita experiência política.
      Barack H. Obama procurou ser  bom governante. Tentou manter a predominância do Partido Democrata, mas por inexperiência política acabou permitindo a pseudo-revolta da velha direita financiada pelos irmãos Koch, da indústria petrolífera. Surgiu então o levante da ultra-direita (descendente direta do ultra-direitismo dos anos setenta e oitenta do século passado) através do chamado Tea Party, que funciona como uma ala à direita do GOP, sendo ao mesmo tempo dele contestadora nas urnas.
         O Partido Republicano, que já foi de Abraham Lincoln, hoje se serve das urnas, embora não seja particular amigo do eleitor, eis que, quando pode favorece o antivoto, através das restrições às classes menos favorecidas. Ao contrário dos democratas, que não têm medo do Povão, os republicanos são partido dito de elite, que tudo faz para restringir o voto dos sem-dinheiro, eis que, essa gente, pela inevitável conscientização de classe não poderá jamais favorecê-los.
          A vitória de Donald Trump significa a volta ao poder dos republicanos, dos conservadores, e todos aqueles que têm medo do voto. Ao contrário de F.D.Roosevelt, Barack Obama não teve coragem ou ousadia para buscar o sufrágio descontente das grandes maiorias. Permitiu que o GOP recuperasse a maioria na Câmara de Representantes, e assistiu inerte às medidas da direita para criar condições de uma Câmara Baixa sustentada pelo gerrymander, como é o que hoje se nos depara.
          Já há livros denunciando  esta chaga imperdoável da democracia que é a sua perversão pelo gerrymander.  Obama infelizmente calou sobre ele, mas os líderes democratas e os politólogos - como a jornalista Elizabeth Drew - não devem ser consignados a uma espécie de gueto dourado, que é o único que se abstém da atitude hipócrita de tratar como normal resultado eleitoral aquele da maioria forjada da Câmara de Representantes e de tantas outras maiorias em câmaras de estados infestadas pela praga do gerrymander.
            Como dizia Octavio Mangabeira, político baiano do século passado, a democracia é uma plantinha débil, que requer ser aguada e cuidada com carinho. O gerrymander é a antítese da democracia, e quem nele se sustenta não merece o respeito do eleitor. Gerrymander foi inventado em má hora por um governador do século dezenove do Massachusetts. Revivê-lo - e mais do que isso - conviver com ele é um escândalo. Por outro lado, fazer de conta de que o gerrymander não existe, e tratar os seus espécimes como se fossem iguais no panteon democrático, é desrespeitar os seus maiores, e dar foros de igualdade a quem não os merece.
            À sua sombra, crescem quase-monstros, como esse presidente Donald J. Trump, que abraça um negacionismo extremo, confunde governar com contradizer a obra do antecessor.  Obama viu crescer, com o gerrymander, a oposição ao seu governo, que na insânia dessa gente quis até desautorizá-lo como se iguais fossem.
             Nesse aspecto, reside a grande fraqueza de Barack Hussein Obama que não soube afirmar-se com a legitimidade que tinha para dar e vender, de forma a combater essa planta estranha que inexistia na democracia americana. O gerrymander - essa gritante anormalidade antidemocrática - deveria ser tratada pelo que é - e não pelo que pretenda ser, alçando-se como legítimo, o que não passa da contrafação da democracia, porque nenhuma democracia deve sustentar-se no antivoto. E é antivoto redesenhar distritos eleitorais de maneira a favorecer o próprio partido, criando circunscrições  que são piores do que estórias da carochinha, porque essas além de não existirem, têm o dom de terminarem com a vitória dos bons e dos defensores da democracia.
               Que democracia é esta que se deixa manipular, de forma a que nela se produzam monstros, pois será sempre monstro quem contrarie a vontade do povo, ou a manipule de forma escrachada?
                Enquanto a imprensa e as tevês a apresentarem como se fossem não o que são - monstros inimigos da vontade popular - mas resultados ditos normais em  regime democrático, estaremos convivendo com coisa pior do que a ditadura, que é a contrafação da democracia!


( Fontes:  The New York Review,  Elizabeth Drew)    

Nenhum comentário: