quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Trump: o Tratamento Putin

                              

       A amizade entre Vladimir Putin e o Presidente-eleito Donald Trump avança agora para nova fase. Durante a campanha presidencial, muito se começou a falar sobre essa relação. Com a inegável intervenção no processo eleitoral - chegando até o nível do hacking, em ataques direcionados contra o Comitê democrata - como até o momento não foram mencionados nem a escala desse ataque cibernético, nem os seus objetivos putativos, assim como os respectivos resultados concretos (se, como parece provável, existiram), o mundo ao redor ficará no aguardo quanto à qualidade desta possível ajuda, e se acaso dela surgiram diferenças qualitativas no que concerne à votação.

        Para inserir  parêntese que acredito também mereça atenção particular, caberia referir - nesse estranho campo de intervenções fora da luta eleitoral propriamente dita - a outra presença inaudita durante a eleição presidencial americana em 2016 está na estranha desenvoltura do Diretor do Federal Bureau of Investigation no que concerne a trazer para o campo da atenção dos votantes determinados aspectos do suposto inquérito policial acerca do emprego de terminal privado de computador pela então Secretária do Departamento de Estado, a candidata democrata Hillary Clinton. Por duas vezes, o diretor James Brien Comey - teve o Presidente Obama acaso repensamentos sobre esta sua indicação de um republicano para um posto-chave na segurança, como a direção do FBI? - tentou intervir na eleição. Por primeira vez, dirigiu carta aos chefes e secretário de comitê no Congresso, em que vinha à baila a atuação da então Secretária de Estado; e bem mais tarde, já na período em que muitos eleitores se servem da votação antecipada para cumprir com seu dever cívico, para levantar dúvidas sobre a possível existência de material incriminante no computador da secretária de Hillary, Huma Abedin, e do afastado marido Anthony  Weiner.

           Como se sabe, as disposições do Departamento de Justiça - a que está subordinado o irrequieto James Comey - desaconselham vivamente que se trate de assuntos políticos, em especial aqueles envolvendo os eventuais candidatos, durante a fase terminal do período eleitoral. E vejam só! Foi justamente o que fez o Diretor do FBI. Dada a audácia desta intervenção, realizada durante um período-chave do pleito - o da votação antecipada - compreende-se e se dá o merecido crédito à assertiva de Hillary sobre o inegável pesado prejuízo sofrido por ela, ao levantar tais graves suspeitas, justamente quando os eleitores acorriam às urnas para votar!

              Que consolo terá a candidata Hillary ao se determinar depois desta nova comunicação ao Congresso que nada havia no computador de sua secretária que a incriminasse? Agindo de tal maneira, James Comey criava suspicácias nos eleitores, e dúvidas sobre o caráter de Hillary, a tal ponto que a candidata democrata avaliou como determinante para a sua derrota essa inadmissível e descabida intervenção no processo eleitoral. E é por causa disso que o Diretor James Comey responde a comissão de inquérito no Departamento de Justiça.

              Passemos agora, uma vez determinado o destino político - pelo menos nesta eleição de 2016 -     de Hillary Clinton, para outro objetivo politico do interesse de Vladimir Putin.

             Nesse contexto, parece-me oportuno recordar o relacionamento econômico-político dentro da amizade mantida pela  figura em progressão política Vladimir V. Putin com o então  Chanceler alemão  Gerhard Schroder. No livro  de Karen Dawisha - já por mim referido em repetidas vezes no contexto da atuação de Putin - há uma foto de Junho de 2000, em que se retrata um sorridente Schröder em Berlin, enquanto o ainda jovem Putin como que principiando a respectiva avaliação do político social-democrata. Foi especialmente feliz no seu instantâneo o fotógrafo Fritz Reiss, como consta do crédito da fotografia. Retrata um ainda desconfiado Putin, mas que já evidencia - sempre em termos de sua conhecida reserva -alguma simpatia pelo político alemão.

               Como assinala no seu livro Putin's Kleptocracy, Karen Dawisha, é inegável a relação de Putin com a compainha russo-alemã "Holding de terrenos  em São Petersburgo" (SPAG). Esta companhia estava assaz envolvida na lavagem de dinheiro russo e também procedente de outras fontes. Somente a 23 de maio de 2000 - a nove de maio Putin tomara posse como Primeiro Ministro, escolhido por Ieltsin - que o site na internet  do SPAG anunciou  que ele tinha se retirado da junta (board) do SPAG.

                Segundo especula Dawisha seria bastante razoável supor que Putin desse seu nome ao SPAG para que nele aumentasse o fluxo de dinheiro, dando assim respeitabilidade ao próprio exercício em São Petersburgo. Também se registra que os relatórios do BND (serviço de informações da RFA) circularam amplamente sobre o papel de Putin no SPAG. No entanto, as investigações principiaram a ratear, por ocasião da posse do novo Chanceler, Gerhard Schröder.

                    Alegando a sensibilidade política da investigação do BND, os alemães agiram lenta e cautelosamente.  A imprensa alemã informou que o Chanceler Schröder pessoalmente manteve informado Putin acerca da investigação. Segundo Dawisha, três anos após a eleição de Putin a presidente, e quando o seu nome desaparecera do quadro da companhia, os alemães fizeram raid investigativo de 27 escritórios e bancos associados com o SPAG na Alemanha. Como o nome de Putin não foi citado, os observadores alemães concluíram que enquanto Schröder fosse Chanceler - ele chegara ao ponto de chamar Putin de "democrata sem jaça", ele não enfrentaria outra investigação hostil.

                     Poucos meses depois de ser afastado eleitoralmente do poder, Schröder foi feito presidente do comitê de acionistas da Nord Stream.  Essa  companhia era chefiada por velho amigo de Putin, o ex-official da Stasi (Serviço Secreto da Alemanha Oriental) Mathias Warnig.

                    Como assinala Karen Dawisha neste capítulo de seu livro (Putin em São Petersburgo, 1990-1996), os únicos líderes do Ocidente com presença proeminente na posse presidencial de Putin em 2012, foram Schröder e o ex-Primeiro Ministro italiano, Silvio Berlusconi.  

                    Não foi fácil o relacionamento de Barack Obama com Vladimir Putin, como tampouco o foram (depois de começo promissor) as relações entre 43º presidente, George W. Bush e o líder russo. Com Obama,  o percurso não se caracterizou tampouco pela monotonia. Dentre as medidas mais fortes de Obama foi o de retirar a Federação Russa do Grupo dos Oito - por conta da invasão e da anexação da Criméia, dentro do processo iniciado pelo Presidente russo de atacar a parte oriental da Ucrânia, inculpada pelo Kremlin da aspiração de associar-se à União Europeia, desdenhando a estólida e apagada União aduaneira preconizada por gospodin Putin.               

                    Agora, com espanto de muitos, o presidente-eleito Donald Trump considera Vladimir V. Putin seu amigo pessoal, e anuncia o propósito de trabalhar com ele. Para desconforto de muitos, desdenha da Nato (Aliança do Atlântico Norte), a que considera ultrapassada,  o que é visto com inquietude por muitos dos países do estrangeiro-próximo  (designação dada pela Rússia para designar a muitos de seus  países que têm fronteiras com Moscou).
                         Trump que passou temporadas na Rússia e em outros países do Leste, manifesta o desejo de estreitar relações com o Kremlin.

                       Por outro lado, em outra saraivada de declarações hostis, atacou verbalmente a União Europeia, e os seus dois principais líderes, a Chanceler Angela Merkel e o Presidente François Hollande.
                         Quanto ao México, o nível de relacionamento não parece ter melhorado com a sua estranha visita a Ciudad de México.
                            Não há registro - que eu saiba - de declarações suas sobre a América Latina, no que 
 concerne ao Continente do Sul. Dadas as pungentes caracteristicas de suas assertivas, deixo ao leitor a avaliação de como tal silêncio possa ser avaliado.
                        Por fim, o Papa Francisco tem em registro forte declaração a respeito do então candidato Trump, hoje talvez menos lembrada pelo tempo decorrido (foi feita em dezoito de fevereiro de 2016).
                       Regressando de visita de seis dias ao México, na aeronave pontifícia, e na sua costumeira entrevista a jornalistas credenciados, Sua Santidade afirmou: "Uma pessoa que só pensa acerca da construção de muros, aonde eles estejam, e não acerca da construção de pontes, não é Cristão."
                       Quanto a Enrique Peña Nieto, cuja posição,  dadas as declarações de Trump e a agressiva postura de tentar forçá-lo a custear a construção do muro, se norteia compreensivelmente pela discrição e a cautela.  
                        Por fim, voltando a Putin, e tendo presente o livro de Karen Dawisha, semelha de grande interesse (no sentido chinês) para acompanhar a evolução de Donald Trump, que se tenha presente o rumo e as característas de suas relações com o amigo Vladimir Vladimirovich Putin. Como o leitor terá notado, há bons e maus exemplos.
                           O futuro, seja por meio de análises de organismos de planejamento, seja dentro de confeitos, seja através de bolas de cristal, seja pelo modo sincopado dos órgãos de comunicação,  não tardará a aparecer. E que Deus salve a América.



( Fontes:  Putin's Kleptocracy, de Karen Dawisha; The New York Times ).

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