sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Trump: discurso da posse

                              
         Na sua peça oratória, o recém-empossado Presidente não surpreendeu. Sob muitos aspectos, pode-se caracterizar o discurso do 45º presidente como um de fogo e enxofre. Além de confirmar diversos pontos polêmicos de seu programa, em muitos tópicos frisou políticas já enunciadas e combatidas, como o protecionismo e o princípio de levar vantagem em tudo que for possível. Tudo sob o mantra de fazer os Estados Unidos grandes de novo. Nada de facilidades para o estrangeiro. Privilegiar a América em tudo...
       A condição atual dos Estados Unidos corrobora em muitos pontos o decline assinalado por inúmeros observadores americanos. Além das fábricas e dos galpões derelictos, fechados e abandonados, Trump descreveu a terra americana como atravessando um tempo em que o precedente vigor e força econômica não mais são vistos. A infraestrutura - que constitui um ponto comum de consenso sobre a atual respectiva precariedade - deve ser, por conseguinte, varrida em suas abaladas condições do mapa e renovada ou substituída por outra, que corresponda à tradição americana de pujança.
       O ultranacionalismo marca a sua enfática presença, e os conceitos do novel presidente ecoam a sua pregação da campanha, dirigida aos segmentos menos favorecidos em indústrias no largo cinturão da ferrugem, em plantas industriais abandonadas como esqueletos, e, por conseguinte, na sua cogente descrição, de largos espaços consignados ao abandono e ao atraso. Sem adentrar o conteúdo, dentre os defeitos do magnata hoteleiro não está a exposição claudicante e despojada de ênfase.
       A alocução de Trump evitou o name-calling (designações específicas e ofensivas), mas tal não significa que o tom de diatribe presente em boa parte de seus dezesseis minutos, dentro de elocução forte, por vezes cáustica, e sem hesitações em discurso pronunciado sem o apoio de textos lidos. Se são questionáveis as idéias, a oratória não, dentro das características de políticos americanos.
        Foi dito que Trump reevocou os temas de sua campanha, mas como antecipado acima preferiu falar em termos genéricos, ainda que muita vez a ausência de designações específicas não retirou de seus parágrafos a implícita violência retórica.
        Se Hobbes estivesse presente, não deixaria de sorrir e de comprazer-se com as características do novo ambiente nacional americano, que em muitos traços parece retirado dos cenários duros, inóspitos e desagradáveis, do agrado do filósofo, e igualmente do mundo americano que o magnata ora retrata, com a promessa de  campanha contra tudo de ruim que está ora na terra de Washington e Lincoln.
           Por vezes, os assistentes terão procurado os ex-presidentes que compareceram em peso à cerimônia, para tentar perscrutar-lhes algum esgar ou riso irônico,  que espelhasse a velha ironia, reação que não semelha ser um forte desse distante sucessor  de tantos homens que, dada a pujança ainda visível em terra americana, poderiam até perguntar se não estavam empossando o primeiro mandatário da Superpotência.
             A discrição da cobertura televisiva evitou contraposições rápidas para assertivas mais fortes e até truculentas de Donald Trump. A essa violência verbal - que como motoniveladora passa por um terrenos que grandes personagens já palmilharam como se fora quintal aonde se amontoam vestígios de malogradas tentativas na construção de uma pátria mais inclusiva - surpreende, em contraposição, a fidalguia e a simpatia que Trump e Melanie dedicaram a Barack Obama e a Michele, com assíduas atenções  até a despedida dos já-ex, em helicóptero oficial, talvez para bem longe do casal Trump.
                Nisso se pode entrever que Donald John é um animal político que não deve ser subestimado, porque o criador da subteoria dos birthers[1] - cujo legado ele e os republicanos ora se empenham em jogar na lata de lixo da história - e a seguir pela Lei do Tratamento Médico Custeável (ACA), que para continuar no discurso dos déficits, caro ao GOP, esse partido - que tem maioria nas duas Câmaras - ora se empenha em arrancar o ventre (gut) do odiado (por eles) Obamacare, o que lamentavelmente o Partido Republicano conseguirá, com graves danos econômico-financeiros para cerca de vinte e dois milhões de pessoas, hoje abrigadas sob o teto da Reforma Sanitária.
                 Em termos de público, embora houvesse muita gente, o número não se compara ao da posse de Barack H. Obama. Faltaram à cerimônia cerca de sessenta representantes do Partido Democrata.    
                Mas mesmo assim havia multidões nos grandes espaços em torno do Capitólio.

( Fontes: CNN, New York Times, Hobbes )




[1] O primeiro "titulo" para a notoriedade, Trump o obteve inventando a teoria de que Obama nascera no Quênia e não no Havaí. Durante os debates com Hillary, achou melhor esquecer a tese dos "birthers"...

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