sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Por que o impensável aconteceu

                             

          Até uma semana antes da eleição, a opinião pública e os grandes jornais consideravam como um dado inegável (a given) a vitória da candidata Hillary Clinton.
           Existia até às vésperas da eleição da terça-feira, oito de novembro de 2016, o consenso de que Hillary ganharia. Essa opinião generalizada, não desmentida pelos principais institutos de pesquisa eleitoral, acompanhava a maior parte do público.

          Michael Tomasky, no seu artigo publicado em The New York Review a treze de outubro, portanto mais ou menos a um mês do dia do pleito, se perguntou retoricamente se o impensável poderia acontecer.
         O parágrafo final desse artigo merece ser citado. Expressa a inquietação do articulista, inquietação esta que sequer poderia intuir o que iria acontecer e por que tal aconteceu: "Pode-se reconhecer as falhas de (Hillary) Clinton e mesmo acrescentar algumas. Não obstante, essa eleição quase não é acerca dela própria. Concerne na verdade se a gente e as forças que existem para proteger os Estados Unidos de o que precisamente está acontecendo agora não perderá a oportunidade de enfrentar essa ocasião e de agir em consequência.  Clinton tem que expor as razões para a sua própria candidatura, assim como deixar claro tudo o que depõe contra Trump.  Na verdade, contudo, ninguém deixou de forma mais clara o que depõe contra ele do que o próprio Trump. Assinalar este fato não é defender Hillary Clinton. Isto define o que está em jogo nesta eleição."
   
             Dentro os erros do establishment liberal-democrata pode-se até referir essa menção de muitos seus partidários de que Hillary Clinton constituía a solução que se deveria preconizar, diante da ameaça colocada pelo candidato Donald Trump.

            Perpassa os apoiadores de Hillary - mesmo alguém como M. Tomasky, que sempre a defendera - uma certa aceitação de seus eventuais defeitos, a tal ponto que número  anterior da New York Review que publica as avaliações das principais figuras exponenciais do estamento liberal-democrata poderia induzir muitos a perguntar-se porque diabos a apoiavam, se em tantos aspectos não correspondia a ex-Secretária de Estado por inteiro às severas exigências que esses membros de seu campo lhe colocavam.

                A posteriori, parece lícito asseverar que há um fator inesperado que contribuíu para transformar todo esse complexo jogo, tanto de rivalidades partidárias internas diante de o que seria a primeira mulher presidente dos Estados Unidos, assim como as previsíveis prevenções da  elite do leste americano, como uma espécie de bruma matinal, que mais rápido de o que se esperava, se desvaneceria diante do valor maior no mundo político americano, coisa que aconteceria com a certeza da alba que afasta com a incipiente delicadeza do astro maior as eventuais remanescentes névoas, antes levantadas contra o casal Bill e Hillary Clinton.

                  O que realmente aconteceu foi a brutal e cínica intervenção do diretor do FBI, James Comey, que com as suas bizarras comunicações ao Congresso americano tratou da investigação do tristemente célebre terminal privado de e-mails de Hillary como se constituísse uma arrasadora exposição dos erros da então Secretária de Estado. E o fez por duas vezes, esse senhor republicano de boa cepa, colocado como diretor no Federal Bureau of Investigations pelo incrível Barack Husein Obama, o 45º presidente.

                  Será tão insondável assim saber a razão pela qual o professor Obama colocou no FBI um republicano que, seja dito de paso, tratou tanto a investigação anterior, quanto a segunda (esta objeto de uma nova investida de Sua Excelência, em que reabria a possibilidade de que houvesse acusações sérias contra a ex-Secretária de Estado, coisa que não correspondia à realidade).  Pena é que Mr Comey levantou essa gorda lebre justamente na ocasião do chamado voto antecipado. Desrespeitando todas as regras da Administração Americana - e do Bureau em particular - Comey - que anteriormente se havia referido de forma pejorativa, quase vulgar, à suposta desordem das anotações da Senhora Clinton, em seguida - agora no período reservado ao voto antecipado - ele levantou a questão se por acaso a senhora Clinton haja cometido algo a que devesse responder.

                    Excluída a intromissão por duas vezes - contra os pareceres das autoridades do ministério da Justiça, e também da normas sempre obedecida de não trazer questões judiciais para a liça eleitoral - e muito menos quando os eleitores já estão votando - Mr James Comey, ao cabo, assinala que não há nada contra a Senhora Clinton.  Pena é que o seu comentário agora favorável não mais tenha tido efeito algum, porque as suas suspeitas haviam sido levantadas justamente ao ensejo do voto antecipado dos eleitores.

                       Aliás, há um artigo do professor David Cole - que encima o número  19 da New York Review - e que sob o título "O que James Comey fez" que resume à maravilha o triste trabalho realizado pelo Diretor Comey:

                      "O que se possa dizer acerca da recém-concluída eleição presidencial, uma coisa é certa: o Diretor do FBI James Comey desempenhou uma parte de tamanho fora de qualquer proporção e excepcionalmente inapropriada. O seu altamente prejudicial anúncio em 28 de outubro, a apenas onze dias da eleição, que ele havia reaberto uma investigação sobre o servidor privado do computador de Hillary Clinton assegurou que os críticos  dias finais da campanha foram tomados por insinuações  e suposições provocadas pela ação de Comey.
                        " Quando Comey anunciou a cinco de novembro, apenas dois dias antes da eleição, que de acordo com exame ulterior ele de novo não encontrara  base para  crer que Clinton cometera algum crime, essa assertiva apenas sublinhou o caráter inapropriado  do seu anúncio de 28 de outubro. Se ele houvesse conduzido o reexame de forma confidencial, como o requerem as regras do Departamento de Justiça, toda a questão teria sido resolvida sem interferir com a eleição.
                    "Como aconteceu, o seu anúncio de 28 de outubro  mudou de forma dramática  a trajetória da campanha, afastou a atenção dos consideráveis problemas próprios de Donald Trump, e inevitavelmente influenciou as escolhas de muitos eleitores antecipados."
                  
                  É realmente triste que a candidata Hillary Clinton, após vencer todos os óbices e prevalecer nas polêmicas enfrentadas com válidos pré-candidatos democratas como o Senador Bernie Sanders, tenha sido atingida, na vigésima-quinta hora da eleição, por acusações tão impróprias quanto as formuladas por James Comey, como de forma magistral o estabelece o professor David Cole.
                  
                   Tendo presente que a Política - aquela escrita com letras maiúsculas, e gravada no mármore ático - há de prevalecer no final, porque, à vista de sua trajetória pregressa, se aconselha aos seus detratores e aqueles que porventura a crêem fora das liças políticas, e de seu objetivo maior, que não se apressurem seja no riso escarninho, seja em carimbá-la como prematuramente aposentada.
                      
                     
                       Hillary Clinton, como seu marido, o presidente Bill Clinton, são lutadores de boa cepa, a quem não abate nem a injustiça, nem o golpe cruel, porque insidioso. Nada como a verdade e a sua intrínseca força para que retome, com ardor renovado, a sua luta pela Justiça. Aos seus detratores, e aos amigos do riso escarninho, que pacientem ainda um pouco, porque a jornada de Hillary apenas começa.


( Fontes: artigo de David Cole;  The New York Review - nº 19/2016; Michael Tomasky - Pode o impensável acontecer?  )

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