terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Hillary, a incômoda ?

                              

                    Hillary Clinton, depois da inesperada derrota perante Donald  Trump, parece incitar reações peculiares nas pessoas. Contudo, tais atitudes se refugiam ou na reserva, ou na própria omissão.
          Fora os partidários de Donald John Trump, que, à distância, não se pejam de referir-se em expressões vulgares, de que - como se verificou no dia da posse - o 'lock her up' (prenda ela) é a mais comum.
          Já as mulheres quando encheram as ruas e as praças dos Estados Unidos, não a julgaram digna de qualquer homenagem, e muito menos de qualquer especial  menção.

           Poderão dizer que o malogro incomoda as pessoas, que não se sentiriam à vontade em enaltecer alguém que, afinal, chegou muito perto do próprio grande objetivo.

            Não creio, contudo, que tal seja a motivação do silêncio que lhe foi reservado pelas mulheres de norte a sul, e de leste a oeste. Será que essa barreira, essa pedra no caminho que impediu a mulher Hillary de realizar, por primeira vez, o feito de sentar-se na cadeira patriarcal, e a pleno direito, não mais subordinada a ninguém, criará para o gênero feminino um desconforto, na medida em que se recusa o cumprimento àquela que por não realizá-lo, é portadora de uma experiência negativa, de que o tratamento de alguma forma traga desconforto.

            E, no entanto, Hillary Clinton teve sucesso na medida em que superou o adversário no voto popular, com mais de três milhões de sufrágios. Em qualquer outro país do planeta, os cargos executivos são ganhos com pluralidade de votos. Sem restrição de terra alguma - excluídos os Estados Unidos pelas suas arcanas regras setecentescas - ela seria proclamada vencedora.
             Mas mesmo perdendo,  teve fair-play e coragem em assumir aquela estranha derrota, para um adversário mais estranho ainda.

             Nesse dia das mulheres, em que tantas marcharam, entre alegres e desafiadoras, há de espantar por que nenhuma delas tenha ousado  ou sequer pensado homenageá-la, exatamente a ela que mais perto esteve de concretizar esse passo, que, tudo leva a crer, só não ocorreu pelas estranhas cartas de Mr James Comey para o Congresso Americano. Rompendo com a praxe de não interferir no andamento da votação, o Diretor do F.B.I. - e por duas vezes - quebrara as regras do Departamento de Justiça.
              Agora, ele se vê confirmado no cargo pelo Presidente Donald Trump...   

         Se muitos se impressionaram com o fair play de Hillary, que ousou participar das comemorações de quem lhe barrara o caminho com tais inconfessáveis ajudas, não terá tocado a ninguém o beau geste de discreta e silentemente tenha acompanhado o marido ex-presidente Bill Clinton na festança do adversário que lhe passara, com ajuda alheia, uma senhora rasteira.

                Com tal atitude, mostrou muitas coisas, mas notadamente o respeito pela democracia, ainda que capenga.
                Enquanto jornalistas crêem ridicularizá-la, sugerindo inclusive que de presidente ela passe a candidata a Prefeita de New York, Hillary mostra preparo e têmpera, ao suportar os desaires, as grosserias, os risos escarninhos. Talvez o mais difícil de tudo - pelo que encerra de ingratidão ou falta de sensibilidade - a circunstância de ser ignorada por um silêncio que por sua inteligência, cultura e capacidade ela nunca fez por merecer.

               Os tempos mudam. Com o seu lento e inarredável transcorrer, quiçá passem a lembrar-se dela, a cada tropeço de seu adversário. Não creio que ela os deseje, porque intui quem mais sofrerá com tais equívocos. Mas o tempo continuará passando, certas figuras que hoje tronejam se tornarão irrelevantes.

                Pode ser até que Hillary Clinton jamais logre o seu grande objetivo.  Mas o silêncio dos medíocres não a acompanhará jamais. E virá o tempo em que muitos terão vergonha do próprio mutismo. Cedo ou tarde, o seu posto será sempre grande. Quantos foram os votos que a levaram a quase fazer esquecer quem agora se compraz em levantar ventos e falsas promessas.


( Fontes: Carlos Drummond de Andrade, The New York Times )

Nenhum comentário: